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quinta-feira, 5 de abril de 2012

O JEJUM E A GRAÇA DE DEUS

INTRODUÇÃO
Sempre que compartilhamos a palavra de Deus e tratamos do evangelho da graça surgem perguntas com relação a alguns textos obscuros, e por vezes ambíguos os quais, até então, não havia ainda nos ensejado tão agradável oportunidade para analisá-los à luz do pensamento paulino .
Abordaremos o jejum e a graça e como harmonizar o jejum com a palavra neotestamentária, se é que isso pode ser feito. Buscaremos também, respostas plausíveis para algumas dessas indagações, perscrutando a mente envolvente, brilhante, e sobretudo iluminada do “escravo” do Senhor, epíteto com o qual se apresentava Paulo, na maior parte dos seus escritos.
Observaremos o pensamento e o comportamento paulino diante da igreja de Jerusalém, bem como suas atitudes diante dos ritos judaicos. Sua engenhosa e inspirada argumentação de que os gentios são filhos da livre, como Isaque, também merecerá aqui nossa atenção, juntamente com a ideia apostólica de que estamos debaixo da lei de Cristo.
Finalizando nossa argumentação, investigaremos textos controversos saídos da própria pena de Paulo, comparando-os ao que se pode extrair do seu ministério relatado por Lucas em Atos.
Que Deus nos abençoe nessa sublime empreitada.

O JEJUM E JESUS

O primeiro passo para compreender a questão do jejum com relação ao Novo Testamento perpassa por dois textos: Mt. 9.14,15 e Mt. 17.21.
“Então, chegaram ao pé dele os discípulos de João, dizendo: Por que jejuamos nós e os fariseus muitas vezes, e os teus discípulos não jejuam?”

“E disse-lhes Jesus: Podem porventura andar tristes os filhos das bodas, enquanto o esposo está com eles? Dias, porém, virão, em que lhes será tirado o esposo, e então jejuarão.”
Os textos deixam patente que os discípulos de Jesus não jejuavam. Se isso não fosse verdade o próprio Cristo teria refutado a afirmação, todavia, ele não só confirma, como aponta os motivos para os seus seguidores não praticarem esse rito judaico. O mestre associa aqui esse sacrífico da lei à tristeza : “Podem porventura andar tristes os filhos das bodas...” . Logo em seguida menciona o motivo para não jejuar: “A presença do esposo”, ou seja, Jesus estando com os seus discípulos não haveria necessidade de jejum (leia o texto “O evangelho da graça x os rudimentos da lei”).
Outra questão associada a essa mesma passagem é quanto aos dias em que o esposo seria tirado. A interpretação comum afirma que seria quando Cristo fosse assunto aos céus, então a igreja ficaria sem o noivo. Essa afirmação aparentemente ganha um pouco mais de força devido ao pensamento trinitarista de que Jesus é a segunda pessoa da trindade, logo não é ele que está hoje na igreja, e sim o Espírito santo.
Mesmo se concordássemos com essa ideia, que indubitavelmente não comungamos, facilmente poderíamos contraditá-la, pois há diversos textos bíblico que confirmam, inquestionavelmente, a presença de Jesus em espírito na igreja.
Se há contradição na doutrina trinitariana com relação a estar Cristo na igreja hoje ou não, para nós que cremos que Jesus é Deus - e que se tornou homem na encarnação, e está em espírito hoje na obra da regeneração dos eleitos - não há nenhuma dificuldade.
Conforme o pensamento tradicional, Jesus (o esposo) foi tirado e não está com a igreja, por isso, ela precisa jejuar, todavia, no mesmo evangelho o mestre afirma: “E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém.” (Mt. 28:20). Ora, se Jesus disse que só haveria necessidade de jejuar se ele não estivesse presente, e se de fato está presente, como bem afirma Mt. 28.20, então não há necessidade de jejum.

ALGUNS VERSÍCULOS QUE ATESTAM A PRESENÇA DE JESUS

“E tendo chegado diante da Mísia, tentavam ir para Bitínia, mas o Espírito de Jesus não lho permitiu.” (At. 16.7); “a quem Deus quis fazer conhecer quais são as riquezas da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vós, a esperança da glória” (Cl.1.27); “Ou não sabeis quanto a vós mesmos, que Jesus Cristo está em vós?” (II Co.13.5).
Acreditamos que fica muito explicito que só haveria necessidade de jejuar se o esposo não estivesse presente, entretanto, sabemos que hoje na Nova Aliança Cristo não só está conosco, como também está em nós, conforme dantes prometera : “O Espírito da verdade, o qual o mundo não pode receber; porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque ele habita convosco (era o próprio Jesus), e estará (a partir do pentecoste) em vós.” (Jo.14.17).
Seguindo essa linha de pensamento, o mesmo pode ser aplicado no que se refere a Mateus 17. 21, pois o contexto fala de um episódio em que Jesus convoca Pedro, Tiago e João para um momento de comunhão no qual os discípulos testemunham a transfiguração do Senhor. É justamente quando descem do monte que encontram os outros nove seguidores de Cristo discutindo com os fariseus, pois não haviam conseguido expulsar o demônio de um rapaz.
A razão de não obterem sucesso no intento aclara-se facilmente se for seguida a linha de pensamento delineada pelo próprio Jesus: Não estando na presença dele se faz necessário o jejum. Sabemos pelo relato de Mateus que foi isso mesmo que aconteceu. Há ainda uma agravante, quando perguntado sobre a razão de não poderem lograr êxito contra o diabo, Cristo não fala em um primeiro momento no jejum, mas sim na falta de fé.
“Depois os discípulos, aproximando-se de Jesus em particular, perguntaram-lhe: Por que não pudemos nós expulsá-lo? Disse-lhes ele: Por causa da vossa pouca fé; pois em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda direis a este monte: Passa daqui para acolá, e ele há de passar; e nada vos será impossível.” (Mt. 17.19,20). E só em seguida diz que lhes era preciso jejuar, claro, pois não possuíam fé bastante e não estavam com o esposo, e isso segundo o pensamento do próprio Jesus.

COMPREENDENDO A MENTE DE PAULO

E fiz-me como judeu para os judeus, para ganhar os judeus; para os que estão debaixo da lei, como se estivesse debaixo da lei, para ganhar os que estão debaixo da lei.
Para os que estão sem lei, como se estivesse sem lei (não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo), para ganhar os que estão sem lei. Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns. (I Co. 9.20-22).
É muito importante para a compreensão de alguns textos, que se tenha uma visão clara do pensamento real do escritor com relação ao assunto a ser abordado. Não podemos agir diferente com relação ao apóstolo dos gentios. Urge compreender o que é importante para Paulo, como também, o que é secundário ou de nenhum préstimo.
Para isso, analisaremos o pensamento Paulino com relação a lei Mosaica e a sua harmonia ou discrepância com a fé em Cristo. Para levarmos a efeito nossa investigação, observemos como o apóstolo crê que a salvação é conquistada:

A salvação pela graça
  • “Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus.” ( Rm.3.24);
  • “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus
    (Ef. 2. 8).
  • “Não pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou pela lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo”( Tt.3.5). Para Paulo, não há dom maior do que a salvação em Cristo, ele crê que em Jesus temos tudo:
  • “Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará também com ele todas as coisas?” (Rm 8.32).
A fé judaica e o Novo Concerto
  • “O qual nos fez também capazes de ser ministros de um novo testamento, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica.” (II Coríntios 3.6).
  • “E, se o ministério da morte, gravado com letras em pedras, veio em glória, de maneira que os filhos de Israel não podiam fitar os olhos na face de Moisés, por causa da glória do seu rosto, a qual era transitória.”( II Co. 3. 7)
  • “E não somos como Moisés, que punha um véu sobre a sua face, para que os filhos de Israel não olhassem firmemente para o fim daquilo que era transitório.
    Mas os seus sentidos foram endurecidos; porque até hoje o mesmo véu está por levantar na lição do velho testamento, o qual foi por Cristo abolido.” (II Co. 3.13,14).
  • “Mas, quando se converterem ao Senhor, então o véu se tirará. Ora, o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade.” (II Co. 3.16,17).
Nos versículos supracitados vemos o apóstolo dos gentios escrevendo de forma taxativa que era ministro capacitado por Deus, entretanto, não da Antiga Aliança que era um ministério de morte, pois embora houvesse sido gravado em pedras e tivesse o seu quinhão de glória, sua vigoração estava limitada pela vinda de Jesus Cristo e o estabelecimento de uma nova dispensação.
“Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, Para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos. (Gl.4.4,5).
Paulo no texto corintiano usa o véu que cobriu o rosto de Moisés como uma figura do véu do templo em Jerusalém, o qual se rasgou de alto a baixo (Mc. 15. 37,38), simbolizando o fim da separação entre o homem e Deus.
Daquele momento em diante qualquer um que cresse na morte salvífica de Cristo, independente de ser sacerdote, levita, leigo, assassino ou prostituta, crendo no preço sacrificial da morte redentora de Cristo desfrutava, agora, de pleno acesso a Deus pela fé; o véu fora tirado.
O Velho Testamento, para o apóstolo da graça, não tem em si mesmo mais razão de ser. Por isso, assevera de forma categórica, que se houver uma conversão do judaísmo ao cristianismo haverá liberdade em Cristo, aqui prefigurada pelo véu.
Quando o véu judaizante, espiritualmente e literalmente já rasgado por Jesus, for assumidamente rasgado pela igreja cristã, haverá perfeita liberdade em Cristo : “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.” (Jo 8. 32,36).

Paulo e as obras da lei
A carta de Paulo aos gálatas tem como objetivo trazê-los de volta ao evangelho da graça, pois haviam sido seduzidos a abraçarem preceitos judaizantes obsoletos (Gl. 3.1). De uma forma bem incisiva o apóstolo diz, que se está sendo pregado um evangelho que não se harmoniza com aquele que ele próprio havia pregado, fosse considerado anátema1.
Aos gálatas fica evidenciada a distinção entre lei e graça, sobretudo com a farta explanação paulina ao referir-se a diferença entre o que Abraão recebeu pela fé e as obras da lei, a qual veio 430 anos depois da promessa.
“Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti.
De sorte que os que são da fé são benditos com o crente Abraão.” (Gl. 3.8-9).
Logo em seguida faz a separação:
“Todos aqueles, pois, que são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las.” (Gl. 3.10).
Observemos que se faz menção ao livro da lei, sendo citado o texto de Dt. 27.26, com uma agravante específica : Se é para adotar as obras da lei, se faz necessário adotar todas elas.2 Paulo não menciona com isso apenas a abstenção alimentar, dias de guarda ou a circuncisão, e sim todas as coisas escritas no livro da lei. Seguindo através do prisma Paulino, todo esforço envidado para agradar a Deus e ser aceito por ele baseado em elementos da lei, constitui-se em uma maldição para o ofertante.
  • “Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pelas obras da lei; porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada. (Gl.2.16).
  • “Não aniquilo a graça de Deus; porque, se a justiça provém da lei, segue-se que Cristo morreu debalde.” ( em vão - Gl.2.21).
Baseado nessas assertivas, vejamos alguns rudimentos da lei aos quais os gálatas estavam sendo persuadidos a abraçar.
“Mas agora, conhecendo a Deus, ou, antes, sendo conhecidos por Deus, como tornais outra vez a esses rudimentos fracos e pobres, aos quais de novo quereis servir? Guardais dias, e meses, e tempos, e anos. (Gl.4.9,10).
Está incluído aqui de forma inconteste, uma das datas mais importantes do calendário judaico: O dia da expiação.

O dia da expiação.

A palavra “expiação” (heb. kippurim, derivado de kaphar, que significa “cobrir”) comunica a ideia de cobrir o pecado mediante um “resgate”, de modo que haja uma reparação ou restituição adequada pelo delito cometido (note o princípio do “resgate” em Êx.30.12; Nm 35.31; Sl 49.7; Is 43.3).
(1) A necessidade da expiação surgiu do fato que os pecados de Israel (Lv.16.30), caso não fossem expiados, sujeitariam os israelitas à ira de Deus (cf. Rm 1.18; Cl 3.6; 1Ts 2.16). Por conseguinte, o propósito do Dia da Expiação era prover um sacrifício de amplitude ilimitada, por todos os pecados que porventura não tivessem sido expiados pelos sacrifícios oferecidos no decurso do ano que findava.
Dessa maneira, o povo seria purificado dos seus pecados do ano precedente, afastaria a ira de Deus contra ele e manteria a sua comunhão com Deus (Lv.16.30-34; Hb 9.7).
(2) Porque Deus desejava salvar os israelitas, perdoar os seus pecados e reconciliá-los consigo mesmo, Ele proveu um meio de salvação ao aceitar a morte de um animal inocente em lugar deles (i.e., o animal que era sacrificado); esse animal levava sobre si a culpa e a penalidade deles (Lv.17.11; cf. Is 53.4,6,11) e cobria seus pecados com seu sangue derramado.

A cerimônia da expiação.

Levíticos 16 descreve o Dia da Expiação, o dia santo mais importante do ano judaico. Nesse dia, o sumo sacerdote, vestia as vestes sagradas, e de início preparava-se mediante um banho cerimonial. Em seguida, antes do ato da expiação pelos pecados do povo, ele tinha de oferecer um novilho pelos seus próprios pecados. A seguir, tomava dois bodes e, sobre eles, lançava sortes: um tornava-se o bode do sacrifício, e o outro tornava-se o bode expiatório (16.8). Sacrificava o primeiro bode, levava seu sangue, entrava no Lugar Santíssimo, para além do véu, e aspergia aquele sangue sobre o propiciatório, o qual cobria a arca contendo a lei divina que fora violada pelos israelitas, mas que agora estava coberta pelo sangue, e assim se fazia expiação pelos pecados da nação inteira (16.15,16).

Como etapa final, o sacerdote tomava o bode vivo, impunha as mãos sobre a sua cabeça, confessava sobre ele todos os pecados dos israelitas e o enviava ao deserto, simbolizando isto que os pecados deles eram levados para fora do arraial para serem aniquilados no deserto (16.21, 22).

(1) O Dia da Expiação era uma assembleia solene; um dia em que o povo jejuava e se humilhava diante do Senhor (16.31). Esta contrição de Israel salientava a gravidade do pecado e o fato de que a obra divina da expiação era eficaz somente para aqueles de coração arrependido e com fé perseverante (cf. 23.27; Nm 15.30; 29.7).
(2) O Dia da Expiação levava a efeito a expiação por todos os pecados e transgressões não expiados durante o ano anterior (16.16, 21). Precisava ser repetido cada ano da mesma maneira3.

Esse dia também passou a ser chamado pelos israelitas de o dia do Jejum (Jr.36.6). Era um dia solene, um feriado sagrado. Paulo admoesta a alguns irmãos judeus que estavam com ele na embarcação, (os quais notadamente ainda estavam observando esse rudimento da lei) dizendo que o “jejum” - o dia da expiação - já havia passado, dando a entender que os judaizantes podiam cuidar dos seus afazeres no barco (At. 27. 9).
Se observarmos Gálatas veremos qual era o pensamento do apóstolo com relação aos dias solenes da religião judaica, dos quais o dia da expiação era o maior.
Mas agora, conhecendo a Deus, ou, antes, sendo conhecidos por Deus, como tornais outra vez a esses rudimentos fracos e pobres, aos quais de novo quereis servir? Guardais dias e meses, e tempos, e anos (Gl.4.9,10).
Esses dias aqui citados, incluiem sem dúvida o dia da expiação, que era uma celebração israelita. Os gentios Gálatas, não tinham nada haver com isso, assim como nós também não temos, com a agravante que além dessa cerimônia ser de origem judaica, já foi cravada por Cristo na cruz. Se não temos que praticar o ritual expiatório, também, não temos que praticar o jejum nele embutido.

Filhos da livre

“Porque está escrito que Abraão teve dois filhos, um da escrava, e outro da livre. Todavia, o que era da escrava nasceu segundo a carne, mas, o que era da livre, por promessa. O que se entende por alegoria; porque estas são as duas alianças; uma, do monte Sinai, gerando filhos para a servidão, que é Agar. Ora, esta Agar é Sinai, um monte da Arábia, que corresponde à Jerusalém que agora existe, pois é escrava com seus filhos.” (Gl.4.22-25).
“Mas que diz a Escritura? Lança fora a escrava e seu filho, porque de modo algum o filho da escrava herdará com o filho da livre.De maneira que, irmãos, somos filhos, não da escrava, mas da livre.” ( Gl.4.30,31).
Observe o argumento paulino : O filho da escrava, humanamente falando, era filho de Abraão, entretanto, trazia nas veias o sangue escravo. Ainda que fosse filho da vontade do patriarca, no que se refere a herança não haveria esperança alguma para o seu futuro. Já que concernente a promessa, só seria considerado filho o que nascesse do ventre de Sara.
“Disse Deus mais a Abraão: A Sarai tua mulher não chamarás mais pelo nome de Sarai, mas Sara será o seu nome. Porque eu a hei de abençoar, e te darei dela um filho; e a abençoarei, e será mãe das nações; reis de povos sairão dela.” (Gn. 17.15,16).
Isso fica ainda mais patente no episódio em que o Senhor pede que Abraão sacrifique Isaque, Deus mostra aí que só considera filho de Abraão àquele que nasceu do ventre de Sara, pois é dito de Isaque que é o filho único do patriarca.
“E aconteceu depois destas coisas, que provou Deus a Abraão, e disse-lhe: Abraão! E ele disse: Eis-me aqui. E disse: Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que eu te direi.” (Gn.22.1,2).
Do mesmo modo, todos os que desejam conseguir sua herança divina através da lei mosaica, representada por Agar, chamada apostolicamente de “monte sinai”, o local onde foi promulgada e entregue a lei para Moisés, só irão colher jugo e servidão.
A tese paulina é que, assim como Sara teve seu filho mediante a promessa e intervenção divina, sendo posteriormente usada por Deus, para exigir que Abraão mandasse embora a escrava e seu filho, do mesmo modo, a nossa salvação é fruto da soberana graça divina, e para que essa graciosa herança seja desfrutada, é necessário que se lance fora a escrava (a lei) e o seu fruto (a servidão) .

A defesa da fé

Nós gentios não somos filhos da lei (judeus), nem física, nem espiritualmente. Esse concerto jamais nos foi dirigido. A repreensão que Paulo fez ao judeu Pedro, aclara muito bem a situação dos gentios na mente do apóstolo da graça.
“E, chegando Pedro à Antioquia, lhe resisti na cara, porque era repreensível. Mas, quando vi que não andavam bem e direitamente conforme a verdade do evangelho, disse a Pedro na presença de todos: Se tu, sendo judeu, vives como os gentios, e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus?” (Gl. 2.11,14).
Desejar se utilizar de uma aliança escravagista, que a nós jamais foi dirigida, é tornar-se judaizante, consequentemente separado de Cristo.
Separados estais de Cristo, vós os que vos justificais pela lei; da graça tendes caído.” (Gl. 5.4).
Escrevendo aos romanos, Paulo assegura que assim como a mulher está ligada ao marido até que ele morra, e morrendo o marido fica livre para casar com quem quiser, do mesmo modo, Cristo morreu, e nós pela fé morremos com ele, libertando-nos da dispensação judaica da lei (Rm.7.1-4). Do contrário, teríamos que nos sujeitar ao regime judaico, a saber, a lei com seus sacrifícios, rituais e cerimonias.
“Havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz (Cl.2.14). Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa4, ou da lua nova, ou dos sábados, Que são sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo.” (Cl.2.16-17).

Debaixo da lei de Cristo


“Para os que estão sem lei, como se estivesse sem lei (não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo), para ganhar os que estão sem lei.” (I Co. 9.21).
Ainda usando a carta aos Gálatas como referencial, atenhamo-nos ao enunciado do capítulo 5.22-24. “Mas o fruto do Espírito é : amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança. Contra estas coisas não há lei. E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências.”
“Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo.” (Gl .6.2). No pensamento paulino, quando você é habitação do Espírito Santo, é levado sempre a produzir o fruto do Espírito, jamais a fé de quem assim é guiado, se resumirá a meras ordenanças e preceitos religiosos, extirpados por Cristo na nova aliança por sua caducidade e inoperância justificatória.
“E de tudo o que, pela lei de Moisés, não pudestes ser justificados, por ele é justificado todo aquele que crê.” (At.13.39).

Textos controversos

“E, servindo eles ao Senhor, e jejuando, disse o Espírito Santo: Apartai-me a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado. Então, jejuando e orando, e pondo sobre eles as mãos, os despediram.” (At.13.2,3).
Para que compreendamos o que aconteceu nessa ocasião, é sumamente importante que observemos todo o contexto. A igreja de Antioquia foi estabelecida por discípulos de Jerusalém, com ajuda posterior de alguns irmãos que evangelizaram os gregos, formando uma igreja mista, de prevalecença judaica.
“E os que foram dispersos pela perseguição que sucedeu por causa de Estêvão caminharam até à Fenícia, Chipre e Antioquia, não anunciando a ninguém a palavra, senão somente aos judeus.
E havia entre eles alguns homens cíprios e cirenenses, os quais entrando em Antioquia falaram aos gregos, anunciando o Senhor Jesus. E a mão do Senhor era com eles; e grande número creu e se converteu ao Senhor. E chegou a fama destas coisas aos ouvidos da igreja que estava em Jerusalém; e enviaram Barnabé a Antioquia.” (At.11.19-22).
Só um pouco mais tarde é que Paulo vai para essa igreja, não como pastor, e sim como colaborador.
“E partiu Barnabé para Tarso, a buscar Saulo; e, achando-o, o conduziu para Antioquia.
E sucedeu que todo um ano se reuniram naquela igreja, e ensinaram muita gente; e em Antioquia foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cristãos.” (At.11.25,26).
Observe que a igreja em Antioquia foi fundada por discípulos judaizantes, além de tudo, o primeiro obreiro enviado para apascentar aquelas ovelhas foi Barnabé, levita natural de Chipre (At.4.36). Barnabé possuía uma carga cultural altamente judaica, isso fica comprovado quando na Antioquia mesmo, por influência de Paulo, essa igreja começa a abandonar alguns costumes do judaísmo, todavia, aparecem por lá alguns irmãos vindos de Jerusalém, da parte do líder Tiago, fato que atemoriza Pedro, e vemos então Barnabé revelando sua falta de firmeza na mensagem paulina da graça, bem como o seu judaísmo latente.
“E, chegando Pedro à Antioquia, lhe resisti na cara, porque era repreensível.
Porque, antes que alguns tivessem chegado da parte de Tiago, comia com os gentios; mas, depois que chegaram, se foi retirando, e se apartou deles, temendo os que eram da circuncisão.
E os outros judeus também dissimulavam com ele, de maneira que até Barnabé se deixou levar pela sua dissimulação.” (Gl.2.11-13).
O fato acima mencionado, com certeza se deu depois do primeiro ano que Paulo ficou com aquela igreja (At.11.25,26), pois no principio, percebemos uma dependência demonstrada na preocupação em estar sempre em contato com Jerusalém a fim de prestar contas.
“E Barnabé e Saulo, havendo terminado aquele serviço, voltaram de Jerusalém, levando também consigo a João, que tinha por sobrenome Marcos.” (At.12.25).

Compreendendo o texto
“E, servindo eles ao Senhor, e jejuando, disse o Espírito Santo: Apartai-me a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado. Então, jejuando e orando, e pondo sobre eles as mãos, os despediram.” (At.13.2,3).
Como já foi observado anteriormente, a direção da igreja em Antioquia era judaica. O versículo citado deixa claro que : a) O jejum foi dirigido pela liderança de Antioquia. b) Eles foram apartados (separados) pela igreja de Antioquia para um trabalho específico, muito embora, a ordem tenha partido de Deus. c) Isso é inegável, pois o verso termina : “E pondo sobre eles as mãos, os despediram. Quem impõe as mãos é quem está abençoando.” (At.9.12; I Tm.5.22).
O mesmo fato se deu em outro momento, em que debaixo da direção judaizante da Antioquia, o vemos participando de um jejum (At.14.23), como também em outra situação o encontramos em Jerusalém participando de uma cerimônia votiva.
“E já acerca de ti foram informados de que ensinas todos os judeus que estão entre os gentios a apartarem-se de Moisés, dizendo que não devem circuncidar seus filhos, nem andar segundo o costume da lei. Que faremos pois? em todo o caso é necessário que a multidão se ajunte; porque terão ouvido que já és vindo. Faze, pois, isto que te dizemos: Temos quatro homens que fizeram voto5. Toma estes contigo, e santifica-te com eles, e faze por eles os gastos para que rapem a cabeça, e todos ficarão sabendo que nada há daquilo de que foram informados acerca de ti, mas que também tu mesmo andas guardando a lei.” (At. 21.21-24).
Um outro fator a ser salientado, é que Paulo era um articulador versátil e flexível, sabia transitar no meio altamente judaizante, como também possuía autoridade suficiente para se posicionar sobre a liberdade dos gentios com relação a lei e seus rudimentos. Podemos notar facilmente isso em dois episódios distintos com respeito a circuncisão.
O primeiro diz respeito a Timóteo, Paulo claramente respeita os judaizantes, os quais ainda não estavam a par do decreto firmado em Jerusalém (At.15.28,29); vale salientar, que esse decreto era contraditório em sua essência, pois ao mesmo tempo que parecia propor uma liberdade aos gentios que se achegavam a fé, os devolviam ao velho sistema levítico, mandando-os para sinagoga, para os sábados, e para a apreciação da lei (At. 15.19-21).
Ficando demonstrado assim de forma inequívoca ,que os irmãos da circuncisão não possuíam nem de longe, o discernimento espiritual e bíblico do apóstolo do gentios (Gl.2.7-9). Mas, voltemo-nos para o episódio em que Paulo transige, na ocasião em que isso lhe é permitido.

A transigência paulina
“E chegou a Derbe e Listra. E eis que estava ali um certo discípulo por nome Timóteo, filho de uma judia que era crente, mas de pai grego; Do qual davam bom testemunho os irmãos que estavam em Listra e em Icônio. Paulo quis que este fosse com ele; e tomando-o, o circuncidou, por causa dos judeus que estavam naqueles lugares; porque todos sabiam que seu pai era grego.” (At. 16.1-3).

A intransigência paulina
Encontramos Paulo agora em uma outra ocasião, laborando em seu ministério gentílico e buscando os colegas de Jerusalém para lhes fazer ver a provisão Divina concedida aos gentios, da qual ele era o emissário. Isso é evidenciado nas palavras : “E subi por uma revelação, e lhes expus o evangelho, que prego entre os gentios...”(Gl.2.2). Leiamos o texto em sua completude.
“Depois, passados catorze anos, subi outra vez a Jerusalém com Barnabé, levando também comigo Tito. E subi por uma revelação, e lhes expus o evangelho, que prego entre os gentios, e particularmente aos que estavam em estima; para que de maneira alguma não corresse ou não tivesse corrido em vão. Mas nem ainda Tito, que estava comigo, sendo grego, foi constrangido a circuncidar-se; E isto por causa dos falsos irmãos que se intrometeram, e secretamente entraram a espiar a nossa liberdade, que temos em Cristo Jesus, para nos porem em servidão. Aos quais nem ainda por uma hora cedemos com sujeição, para que a verdade do evangelho permanecesse entre vós.” (Gl.2.1-5).

Os textos Corintianos
“Antes, como ministros de Deus, tornando-nos recomendáveis em tudo; na muita paciência, nas aflições, nas necessidades, nas angústias, Nos açoites, nas prisões, nos tumultos, nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns.” (II Co. 6.4,5).
“Em trabalhos e fadiga, em vigílias muitas vezes, em fome e sede, em jejuns muitas vezes, em frio e nudez.” (II Co. 11.27).
A epístola aos coríntios, é sobretudo, uma defesa apaixonada e veemente do ministério que o apostolo havia recebido do Senhor. Paulo aqui não está fazendo uma apologética estritamente pessoal, mas defendendo todo um arcabouço dispensacional, que o incluía como arauto primaz.
“Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor; e nós mesmos somos vossos servos por amor de Jesus.” (II.Co.4.5).
E é como ministro do Cristo ressurreto, que ele se apresenta como tendo um ministério recomendável, pois não era mensageiro de um evangelho meramente humano e triunfalista, e sim, um servo do reino, reino esse que torna o seu ministro um participante ativo não só das conquistas e vitórias, mas também das lutas e aflições inerentes ao caráter do evangelho.
No texto de II Co. 6.4 são enumeradas nove situações - devidamente amparadas pelo ponto basilar : A paciência - as quais relaciona como credenciais, que segundo Paulo, faziam o seu ministério digno de aceitação.
Ele os divide em grupos de três. Em termos subjetivos cita : a) aflições, necessidades (privações), angústias. b) apresenta situações pessoais objetivas: açoites, prisões e tumultos, esse último, com certeza refere-se as confusões em que se envolveu por causa da palavra (At.13.50;14.19; 16.19; 19.29). c) trabalhos, vigílias, jejuns. Nesse ponto apresenta as dificuldades que conscientemente assumiu como um escravo 6 de Cristo. É interessante corroborarmos nossa argumentação com as palavras de Colin Kruse, que discorre com muita sobriedade a respeito do texto de II Co. 11.27, o qual notadamente, é uma continuidade do assunto iniciado em II Co. 6.4,5.
[…] Por estar incluído entre exemplos de trabalhos e fadigas, interpretaríamos melhor as noites insones como sendo devidas ao fato de Paulo pregar e ensinar pela madrugada afora (At. 20.7-12; 31), visto que as pessoas precisavam trabalhar durante o dia e só podiam ouvi-lo à noite; talvez ele se referisse ao exercício de sua profissão de tecelão de tendas, em horário noturno, para sustentar-se, usando as horas do dia para seu trabalho missionário (II Ts. 3.7,8). Em fome e sede, em jejuns muitas vezes; em frio e nudez. A despeito do rendimento de seu trabalho artesanal, e das ofertas vindas de Macedônia, houve épocas em que Paulo sofreu necessidades (Fp.4.10-13) e ficou sem ter o que comer, sem água e sem vestimenta adequada (Rm. 8.35, I Co. 4.11; II Tm. 4.13) 7

Considerações finais
Embora na argumentação de Colin percebamos a ausência do jejum, cremos que esse tema foi satisfatoriamente abordado no parágrafo textos controversos, quando usamos o livro de Atos, único referencial juntamente com as cartas Paulinas, que possuímos para compreender o pensamento e a fé do apóstolo da graça.
Pois se a fadiga, era resultado do sacrificial trabalho desse mensageiro de Deus; as vigílias na verdade, como bem relata Atos (as únicas menções que temos sobre trabalhos que adentravam a madrugada), apontam apenas e unicamente para oportunidades para a pregação ou viagens missionárias destituídas de qualquer conforto.
No mesmo âmbito, é mencionado o jejum, e do mesmo modo, qualquer estudioso que use critérios sérios de interpretação bíblica, só poderá mencionar as passagens do livro de Atos (At.13.2,3; At.14.23), as quais já foram analisadas, demonstrando terem sido eventos nos quais, para não por dificuldades nos ombros da igreja, o apóstolo preferiu transigir, calando-se. Isso pode ser observado também com relação ao voto (At.18.18)8 .
Logo, ninguém tem autoridade para ensinar vigílias, jejuns e votos sobre essas bases, as quais na verdade, inexistem.
“ [...]se oferecem dons e sacrifícios que, quanto à consciência, não podem aperfeiçoar aquele que faz o serviço; Consistindo somente em comidas, e bebidas, e várias abluções e justificações da carne, impostas até ao tempo da correção. Mas, vindo Cristo, o sumo sacerdote dos bens futuros, por um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação, nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção ( Hb. 9.9-12).

Wanderley Nunes.
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1 Esse termo era usado para apontar os animais separados para serem mortos em sacrifício a Deus ( Lv.27,29), daí vem a ideia de anátema: Condenado, amaldiçoado (Js.6.17,7.12).Com essa significação se encontra o termo grego em I Co.16.22;Rm.9,3; I Co. 12.3 e Gl.1.8,9. Buckland, dicionário bíblico,Editora vida, São Paulo-SP, p27.
2 Deuteronômio - Resumo: Os Israelitas são comandados a se lembrarem de quatro coisas: a fidelidade de Deus, a santidade de Deus, as bênçãos de Deus e as advertências de Deus. Os três primeiros capítulos recapitulam a viagem saindo do Egito para a sua localização atual, Moabe. Capítulo 4 é um chamado à obediência, a ser fiel ao Deus que foi fiel a eles.
Capítulos 5 a 26 são uma repetição da lei. Os dez mandamentos, assim como leis sobre sacrifícios e dias especiais e o resto da lei são dados à nova geração. Bênçãos são prometidas aos que obedecem (5:29; 6:17-19, 11:13-15) e fome é prometida àqueles que infringem a lei (11:16-17).
O tema de bênção e maldição continua nos capítulos 27-30. Esta parte do livro termina com uma escolha bem definida que é apresentada a Israel: “... te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição” . O desejo de Deus para o Seu povo encontra-se no que Ele recomenda: “escolhe pois a vida” (30:19). Nossa dívida e gratidão a esse belo resumo encontrado no site: wwwgotquestions.org- ( as palavras em negrito são por nossa conta).
3Creditamos essa apreciação do tema “expiação” ao site www.estudosgospel.com.br , ao qual damos o aval, comungando da mesma crença com relação a referida abordagem. Salientamos apenas, que no dia da expiação o israelita não trabalhava, era um feriado totalmente dedicado ao Senhor.
4 Dias de festa judaicos: 1) Páscoa (Lv.23.5), 2) Pentecostes ou festa das semanas (Ex.34.22), 3) A festa das trombetas ou ano novo ( Nm.8.2-12), 4) O dia da expiação, 5) A festa dos tabernáculos ( Lv 23: 34; Dt 16:13), 6) Festa das luzes ou dedicação (Jo.10.22), 7) Purim ou sortes ( Et.9.28; Jo. 5.1).
5 Paulo participou de uma outra cerimônia votiva em Cencréia (At. 18.18), mais uma vez usando o voto como estratégia para evangelizar entre os judeus.
6 A palavra usada por Paulo ao referir-se a si próprio com relação a Cristo é doulos, mais corretamente traduzido por escravo, podemos encontrar essa acepção em Gl.1.10; Rm.1.1; Tt.1.1.
7 Kruse, Colin G. II Coríntios introdução e comentário, São Paulo,- SP , Ed. vida Nova 1994, p .210
8 A motivação de Paulo se tomarmos apenas esse versículo parece obscura, no entanto, o versículo 21 patenteia a intenção do apóstolo: Ir a Jerusalém, e como já outrora analisamos, havia um desconforto entre Paulo e os judaizantes. Essa situação, ele sempre procurava contornar, buscando a paz enquanto ali se encontrava.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Cair no Espirito

imageMuito tem se falado nos últimos dias sobre a prática de “cair no espírito”. Continuamente nos questionam: “existe apoio Bíblico para o que se observa em algumas igrejas?” Para responder tal indagação é necessário buscarmos a gênese dessa prática, que se metamorfoseou em um movimento que ganhou o epíteto de “cai cai”.
Apesar de não ser algo novo, o “cair no espírito”, assim nominado, passou a se tornar famoso em 1994, devido aos cultos realizados no templo da Igreja Comunhão da Videira do Aeroporto de Toronto, no Canadá, que dava farta ênfase as manifestações físicas do que se acreditava ser uma poderosa obra do Espírito de Deus.
Logo os cultos naquela localidade passaram a se tornar bastante concorridos; com avidez as massas fizeram do “cair no espírito” um sonho de consumo, um novo manancial, ou o que costumamos chamar: uma sobrebenção. E foi justamente por esse viés que a Igreja do Aeroporto, como hoje é conhecida, tornou-se célebre em todo o mundo.
Não nos cabe nesse espaço criticar, nem denegrir a imagem de ninguém, pois já existe muita gente fazendo isso, o que é interessante que se faça é uma análise neotestamentária do assunto, não com o intuito de ridicularizar quem quer que seja, mas buscar o esclarecimento através de uma análise lúcida e extremamente Bíblica, a fim de que o leitor que é amante da palavra de Deus possa ser incitado à reflexão e ao pensar Bíblico.
Cair na presença de Deus
Nos limitaremos a tratar dos episódios neotestamentários registrados antes de Pentecostes e depois de Pentecostes, pois se você é cristão, urge compreender que o cristão está debaixo da nova aliança instituída por Deus (Hb. 8.6; 12.24), outrossim, é pertinente a observação dos contextos em que cada episódio se deu, as reações dos personagens neles inseridos, bem como, os resultados advindos de tais fatos.
Paulo
A experiência de Paulo é um exemplo magnífico de quem se encontra com Deus, ele cai por terra não por causa do Espirito que vem sobre ele, mas pelo resplendor de luz que o cerca, deixemos o texto falar por si só: “Ora, aconteceu que, indo eu já de caminho, e chegando perto de Damasco, quase ao meio-dia, de repente me rodeou uma grande luz do céu. E caí por terra, e ouvi uma voz que me dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? E eu respondi: Quem és, Senhor? E disse-me: Eu sou Jesus Nazareno, a quem tu persegues” (At. 22.6-8).
É interessante que se observe que Paulo cai por terra, porém mantém a lucidez, sabe perfeitamente o que está acontecendo a sua volta. Também deve se destacar que nesse momento ele não recebe o Espírito de Deus, tão somente é despertado de sua cegueira espiritual, alguns dias depois será batizado nas águas confessando seus pecados e passará a ser um templo cheio do Espirito de Deus.
“E Ananias foi, e entrou na casa e, impondo-lhe as mãos, disse: Irmão Saulo, o Senhor Jesus, que te apareceu no caminho por onde vinhas, me enviou, para que tornes a ver e sejas cheio do Espírito Santo. E logo lhe caíram dos olhos como que umas escamas, e recuperou a vista; e, levantando-se, foi batizado” ( At. 9.17,18).
João
É relevante observar que o encontro de Paulo e João com Cristo, não é meramente um encontro com o Nazareno, mas o encontro com o Jesus glorificado, ambos veem um resplendor de luz: “me rodeou uma grande luz do céu. E caí por terra” (Paulo). “E o seu rosto era como o sol, quando na sua força resplandece. E eu, quando vi, caí a seus pés como morto; e ele pôs sobre mim a sua destra, dizendo-me: Não temas; Eu sou o primeiro e o último” (João). Ap. 1.16,17.
No caso de João, ele havia andado com Jesus “nos dias da sua carne” (Hb. 5.7), havia estado no cenáculo no dia de Pentecostes, porém, o que o fez cair por terra foi o resplendor de luz do rosto de Cristo, o qual era “como o sol em sua força”, ou seja, foi uma situação atípica, não vemos nenhum desdobramento disso no ministério Joanino.
O cair pela glória de Deus não mais se repetiu no ministério de Paulo e muito menos no ministério de João, não vemos nem um ensinamento dos apóstolos com relação a esse fenômeno. Jamais se deve tomar fatos isolados e torná-los doutrinas, exigindo-se a prática comum em culto de algo que foi uma manifestação momentânea, com um propósito específico, que no caso de Paulo, foi revelar-lhe Jesus como o Senhor e a Igreja como o seu povo; e no caso de João, a revelação última do Cristo ressurreto e glorificado.
A manifestação do Espirito Santo hoje
Mesmo que um fato como esse ocorresse hoje, jamais teria em si próprio força de lei para ser legitimado como uma doutrina, pois essa seria uma operação incomum do Espírito Santo como já observamos - o qual dispõe os dons e suas manifestações conforme sua vontade soberana: “Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer” ( I Co. 12. 11)- E que com certeza careceria de um “Paulo” para pô-la em ordem, evitando os excessos.
A psicologia e as manifestações dos dons
O que se deve levar em conta é que cada individuo tem sua maneira de reagir a determinadas situações; cada ser humano tem sua particularidade de temperamento.
Há os sanguíneos, que são indivíduos geralmente alegres, porém, passam desse estado para a ira com muita rapidez, respondendo aos estímulos exteriores como muita facilidade. Há também os coléricos, cujo ponto forte é sua força de vontade por vezes indômita, entretanto, como o nome já diz, são propensos a cólera, se irritam com facilidade e tem arroubos de prepotência. Já os melancólicos são perfeccionistas, habilidosos, dedicados, entretanto tendem a serem inclinados a depressão e a se tornarem pessoas de comportamento anti-social. Há ainda os fleumáticos, que são aqueles que tem frieza de ânimo, são extremamente tranquilos, mansos e de fácil convivência, no entanto, são também desconfiados, com inclinação a desanimar com muita facilidade.
Logo, não se deve exigir, de quem quer que seja, uma reação uníssona no que tange as respostas psicológicas das operações do Espírito Santo, já que o temperamento de cada um o inclinará a uma determinada postura. O que as Escrituras falam com clareza é da necessidade de pôr essas reações em sua devida ordem para que o culto seja inteligível e edificante (I Co. 14.19 e 26).
Antes de Pentecostes
“E, havendo dito isto, assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo” (Jo. 20.22).
Essa é uma passagem bastante singular. Aqui os discípulos ainda não haviam estado em Pentecostes, recebem o Espirito como um sopro, mas não como um dom como se dará no cenáculo.
Claro que há muito o que se observar nessa passagem, porém de modo particular o que queremos enfatizar aqui é a reação do discípulos diante dessa obra do próprio Cristo, pois o texto continua com asseverações de Jesus quanto a postura dos apóstolos diante dos desafios que, como Igreja do Senhor, enfrentariam; em nenhum momento, porém, se afirma que eles caíram por terra devido ao sopro do Espirito inculcado pelo mestre.
Depois de Pentecostes
“Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?” ( I Co. 6.19).
A partir do Pentecostes o Espirito Santo veio habitar na Igreja de Cristo e em seus membros em particular; do Pentecostes em diante a Igreja não tem mais apenas sopros e lampejos do Espirito como no antigo concerto, também o poderoso Espirito de Deus não é mais apenas um mero visitante do povo de Deus, e sim aquele que habita nele.
“E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre; O Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco, e estará em vós. Não vos deixarei órfãos; voltarei para vós. Ainda um pouco, e o mundo não me verá mais, mas vós me vereis; porque eu vivo, e vós vivereis. Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós” (Jo.14.16-20).
No texto supra mencionado Jesus está dando a promessa do Espírito que seria derramado no Pentecostes, o mesmo Espirito que estava nele agora estaria na Igreja. Uma promessa de tal magnitude como essa é algo inédito na história do povo de Deus. A exceção do próprio Cristo, Deus nunca havia prometido fazer morada nos homens, no máximo ele havia estado entre eles, entretanto, agora estaria neles. “Aos quais Deus quis fazer conhecer quais são as riquezas da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vós, esperança da glória” (Cl. 1.27).
Há algumas perguntas que todos nós devemos responder com relação a qualquer prática da Igreja hoje: Ela é uma doutrina dos apóstolos? Foi algo praticado por eles pelo menos três vezes? Paulo o apóstolo dos gentios (nosso apóstolo) praticou? O que ele tem a dizer sobre isso?
Vamos então a algumas respostas Paulinas.
Paulo e a ordem do culto
A Igreja de Corinto apresentava muitas manifestações do Espirito Santo, Paulo chega a dizer que com relação aos dons não lhes faltava mais nada: “De maneira que nenhum dom vos falta, esperando a manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo” ( I Co. 1. 7).
Embora fosse uma Igreja que carecia muito de maturidade, era cheia de operações do Espirito Santo, os quais muitas vezes eram exteriorizados com muito emocionalismo fazendo com que o culto se torna-se extremamente desorganizado.
O apóstolo adverte que se a Igreja estiver cultuando a Deus e todos ou pelo menos a maioria, falar em línguas e pessoas descrentes presenciarem o falar “estranho” dos irmãos dirão sem sombra de dúvidas que estão loucos: “Se, pois, toda a igreja se congregar num lugar, e todos falarem em línguas, e entrarem indoutos ou infiéis, não dirão porventura que estais loucos? (I Co. 14.23).
Aqui ainda que de forma implícita, paulo já está falando em se fazer as coisas de forma ordeira, a fim de que o resultado seja sempre o louvor a Deus e a glória do seu nome. No versículo 26 é dito que cada um dos membros tem algo a apresentar no culto seja salmo, doutrina, revelação...
Imperiosamente o apóstolo adverte que tudo seja feito para a edificação, cujo sentido, na mente de Paulo, é como de uma construção de um prédio, ou seja, tudo o que for dito e realizado no culto deve ter como alvo o crescimento espiritual e o amadurecimento do povo de Deus. Logo em seguida é dito que se houver línguas estranhas deve haver quem as interprete, se não houver aquele que fala deve ficar calado, falando consigo mesmo. Paulo claramente está enfatizando o controle e a organização. (Vers.28).
Há ainda algo muito pertinente revelado nesse texto: “E os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas.” (I Co. 14. 32). Deus em momento algum deixa os seus filhos fora de si e sem controle da situação, antes dá a eles pleno domínio dela. Não negamos de forma alguma as diferenças psicológicas, de temperamento, porém acentuamos a importância inexorável da verdade do que está exarado no versículo ora apresentado: O cristão no momento em que fala línguas é plenamente senhor da sua consciência.
O motivo das desordens
Então por que as desordens? Pelo simples fato de se desconhecer a palavra de Deus ou não querer obedecê-la, dando mais importância ao culto “espetáculo”, cujo centro é o homem e cujo interesse é envolver pelo emocionalismo em detrimento da pura e simples exposição da Escritura, que a propósito exara: “Porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz, como em todas as igrejas dos santos (I Co.14.33). E mais adiante: “Se alguém cuida ser profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor” ( I Co.14. 37).
O que podemos concluir de tudo que foi analisado com relação a resposta de cada indivíduo ao mover do Espirito, é que as reações em si e por si só nada acrescentam e nem diminuem a vida espiritual de que quer que seja, entretanto, podem demonstrar falta de ensinamento bíblico saudável, como também carência de maturidade cristã, e por vezes descontrole emocional, no que pode resultar em crentes que as escrituras chamam de “meninos no entendimento” (I Co. 14.20).
O mal que seguramente é produzido através de práticas equivocadas, é valorizar sempre o pragmatismo do “eu senti, por isso é verdadeiro” e da histeria coletiva que toma conta da igreja que entra por esse caminho.
Entendemos que a emoção tem o seu lugar no culto, todavia nunca o emocional e o descontrole devem sobrepujar o inteligível e o verdadeiramente espiritual. “Mas faça-se tudo decentemente e com ordem” (I Co.14.40).
Wanderley Nunes.