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segunda-feira, 16 de maio de 2016

Espiritual ou carnal?




Ouvimos muitas discussões e definições do que seja ser carnal ou espiritual. Se uma pessoa ora muito, se entrega aos cânticos de cunho religiosos, ou mesmo se vale de muitos momentos devocionais, tal pessoa é tida como espiritual. Por outro lado, se alguém é do tipo não afeito a muita oração, cânticos e devocionais… Temos aí um carnal segundo o senso comum.

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Mas o que de fato é uma pessoa carnal? Para traçarmos o perfil do que sejam os termos carnal e espiritual, tomaremos dois versículos emblemáticos, o primeiro I Co. 2.15:

Mas quem é espiritual discerne todas as coisas, e ele mesmo por ninguém é discernido…

Em seguida, I Co. 3. 1:

Irmãos, não lhes pude falar como a espirituais, mas como a carnais, como a crianças em Cristo.

Para obtermos o mínimo de compreensão do texto, exige-se a busca do contexto. No capítulo 1. 11, logo depois das saudações, Paulo aponta um problema muito sério que vinha acometendo a comunidade de Corinto, o problema tomara uma proporção de tal monta que chegou aos seus ouvidos mesmo estando em outra cidade.

Os Coríntios estavam divididos nos pensamentos e atitudes, eram partidaristas (I Co. 1.12). Paulo faz uma breve explanação sobre divisões em Cristo (I Co. 1. 13-16), culminando com a fala sobre ter batizado algumas pessoas, afirmando, no entanto, que a prédica sobre o Evangelho sobrepunha todas as coisas (1. 17). A partir desse momento, o apóstolo põe de lado os recursos dos homens – dentre eles a sabedoria – para exaltar a cruz de Cristo.

Lembremo-nos, ele está falando para um público helênico, alguns com influências estrangeiras, mas no geral, a comunidade era grega. A contenda e a divisão girava em torno de quem era o mais importante mentor, Paulo passa então a contrastar a sabedoria humana com a Divina, sublimando a última como lhe era próprio, com o intuito do pôr os homens como peças fundamentais na economia [ 1 ] celeste, entretanto, essa importância era sempre com relação ao todo.

A ideia do texto aos Coríntios não é desprezar a sabedoria dos homens como alguns teimam enfatizar. O que acontece é, quando a sabedoria de Cristo é reconhecida e exaltada, toda inteligência e habilidade humana – seja de quem for : Paulo, Apolo… – se torna microscópica (I Co. 1. 18-25).

No capítulo 2. 1, observamos a proposta Paulina de não discutir ideias e argumentações muito elaboradas, ele buscou apresentar Cristo.

Minha mensagem e minha pregação não consistiram de palavras persuasivas de sabedoria, mas consistiram de demonstração do poder do Espírito. (I Co. 2. 4).

Ele claramente está falando do Espírito de Cristo e do poder salvífico que só Jesus, a aleteia de Deus possui. É da sabedoria de Deus – Jesus – que o apóstolo fala, sabedoria que os poderosos e sábios não conheceram, embora já houvesse sido revelada (I Co. 2. 10).

Toda a explanação Paulina segue em torno da sabedoria de Deus, como também sobre o porquê dos poderosos, estudiosos, doutores, e os mais habilitados na fé de Israel não terem reconhecido tal sabedoria: O partidarismo.

Paulo segue argumentando sobre o tema (I Co. 2. 6-16), para logo depois, no capítulo 3. 1-3, nominar os coríntios de “carnais”, como “carnais foram aqueles que não reconheceram em Jesus o Messias. Os coríntios, assim como os líderes da época de Cristo, estavam sendo partidaristas, consequentemente, contenciosos e ciumentos (I Co. 1. 11).

Para o texto de Coríntios, ser carnal não é ser pouco devocional. Ser carnal é ser partidarista, contencioso, é não reconhecer Cristo acima dos homens. O capítulo 1. 12, discorre sobre o espírito recebido pelos coríntios, não era o espírito do mundo, ou seja, um modo de vida voltado para si próprio, para as coisas e conquistas dessa vida, cujo louvor é verticalizado, meramente terreno e humano.

A ênfase da exposição é a recepção do Espírito de Deus, por conseguinte, aquela comunidade deveria ser grata, pois tudo que possuíam de Deus – inclusive os mentores – provinha da graça de Cristo. A fala Paulina aponta para a valorização dos mestres com relação ao todo, individualmente e para si próprio, qualquer obra se torna ínfima e inconsistente, pois somos membros uns dos outros (Rm. 12. 5).

Afinal de contas, quem é Apolo? Quem é Paulo? Apenas servos por meio dos quais vocês vieram a crer, conforme o ministério que o Senhor atribuiu a cada um (I Co. 3. 5).

Aqui Paulo não está desvalorizando ninguém, muito menos a si próprio, porém expondo sua pequenez e dos seus companheiros com relação a grandiosidade da economia Divina, da qual fazia parte como brilhante colaborador. Vejamos como ele finaliza seu comentário sobre o assunto.

Portanto, ninguém se glorie em homens; porque todas as coisas são de vocês, seja Paulo, seja Apolo, seja Pedro, seja o mundo, a vida, a morte, o presente ou o futuro; tudo é de vocês, e vocês são de Cristo, e Cristo, de Deus (I Co. 3. 21-23).

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Ser carnal, conforme a epístola aos coríntios, é pôr seus interesses – ainda que eivados de “espiritualismo”, devoção e ritos – acima das pessoas, objeto maior do amor de Deus, a ponto de contender, separar-se, e produzir mágoas, tudo feito contraditando a ética de Jesus, aquele que em seus discursos e práticas sempre depôs contra sentimentos e atos mesquinhos.

Façamos um paralelo entre I Co. 3. 3 e Gl. 5. 20,21, teremos duas palavras apontando para obras da carne: inveja e divisões, todavia, ainda que de forma implícita, perceberemos outros sentimentos subjacentes ao segregacionismo dos coríntios: Ódio (falo aqui do sentimento religioso partidarista), dissensões, facções…Tudo produzido em nome de Cristo.

Ser espiritual, em contrapartida, é ter paz (sobretudo com o diferente), paciência, amabilidade, domínio próprio… (Gl. 5. 22,23) [ 2 ].

Em lugar de ficarmos brincando de gato e rato com os que pensam diferente de nós, devemos antes de tudo buscar o acolhimento e o diálogo pacífico, se forem cabíveis. Senão, deixemos o silêncio ganhar voz apenas com a nossa tolerância e paz. Pois se o amor, a graça e a bondade de Cristo não forem retratadas do humano para o humano, a ponto de conscientizar o outro em amor, não serão hostilidade e truculência que farão isso.



Wanderley Nunes




[1] O vocábulo “economia” advêm da junção de duas palavras: oikos (casa) e nomia (lei) oikonomia, podendo ser traduzida literalmente como a lei da casa. Irineu de Lion parece ter sido o primeiro a usar esse termo por volta do III século. Ele usou economia para falar como Deus lidou com a história da salvação. Logo, a economia da salvação diz respeito as riquezas eternas de Deus dispensadas ao homem.

[2] Tanto aqui como em todo o texto, usamos a tradução da nvi.


Exibido todos os dias às 23h30 na TV Bacana Canal - Canal 17

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

A dor que necessito



É fato que o sofrimento, a tragédia, a dor da perda, geralmente produzem revolta; é fato também, que alguns sabem lidar melhor com as decepções e vicissitudes da vida. É a partir das reações e respostas positivas destes últimos à sua dor pessoal, que tanta gente tem sido socorrida e tem amainadas as suas agruras através da solidariedade do seu “irmão de dor”.

Para o corpo humano sentir dor é algo imprescindível. A Sociedade Americana de Dor (American Pain Society) e a Direção Geral de Saúde de Portugal, colocaram a dor no posto de quinto sinal vital, precedida pela pressão sanguínea, frequência cardíaca, respiração e temperatura. [1] Não sentir dor ou não ter sensibilidade a ela, ao contrário do que se possa imaginar, não é um privilégio, mas um prejuízo.

Para um ser humano, não sentir dor alguma redunda em autodestruição, em perda de parâmetros entre o real e o imaginário, entre a sensibilidade sem máscaras da vida e a insensibilidade ilusória e destrutiva do não sofrer.

A doutora Felícia Axelrod, do Centro Médico da Cidade de Nova York relata o caso estarrecedor do menino Felipe Garcia.

[…] Felipe, 9 anos, morava com a família num circo na cidade de Chihuahua, norte do México. Entre as atrações, estavam leões descritos como perigosíssimos, mas que na verdade sofriam pela falta dos dentes da frente, um globo da morte com 3 motociclistas, e “o incrível menino que se prega”. Quem pagasse o equivalente a R$ 5 para ver o show de Felipe não tinha como não sair impressionado.
O menino estendia a mão sobre a mesa de madeira e pregava 1, 2, 3 pregos nas dobras dos dedos da mão. Como era imune à dor, não soltava um único grito durante o espetáculo. Algum tempo depois, convidava a plateia para comandar o martelo. Aí, a coisa ficava ainda pior. O suposto voluntário, que na verdade era um funcionário do circo, errava de propósito a martelada e acertava um prego em um dos braços do menino, que continuava estático como se nada tivesse acontecido. Ao final, o público aplaudia com entusiasmo.
[2]



O que na verdade estava por trás desse feito do menino era a analgesia congênita, uma rara doença. Seus portadores não sentem dor e não percebam também as mudanças de temperatura, ficando assim sujeitos a acidentes, queimaduras e lesões que facilmente podem os levar à morte.

Nesse caso, não sentir dor é uma tragédia, até porque sentimos dor desde o nascimento. A criança para se adaptar à vida fora do útero, precisa abrir os pulmões e expulsar o líquido amniótico, e isso não acontece sem dor, inclusive ela é a indutora de todo o processo.

A dor, ao contrário do que se pode pensar, é protetiva. Ela indica que algo está errado, para que se possa tomar as providências cabíveis. Ao falarmos em dor não podemos nos furtar de fazer referência às dores da alma, que tanto solapam a sociedade moderna, como a depressão e os transtornos psiquiátricos.

Tudo isso patenteia o fato de que não há vida sem dor, posto que ela é o contraponto da felicidade e o norte que lhe dá significância. 

Ainda que o homem viva muitos anos, regozije-se em todos eles; contudo,
deve lembrar-se de que há dias de trevas, porque serão muitos.
[3] 


Qualquer discurso religioso ou filosófico, que fale de uma vida hedonista e isenta de dores, sem dúvida alguma, poderá ser taxado claramente de falacioso e/ou fanaticamente delirante.

Devemos apegarmo-nos a vida, sim; celebrando-a sempre; não esquecendo da dor, inevitável, remansado-nos com a morte, destino final de quem vive, alegrando-nos na ressurreição, esperança de quem crer. 

Wanderley Nunes.



[1] Dor: O quinto sinal vital, Blog Filosofia da mente e ciências cognitivas, http://filosofiadamenteecognicao.blogspot.com.br , acesso dia 30/04/2015, 14:16 h
[2] Eles não sentem dor, Super interessante. http://super.abril.com.br , acesso dia 30/04/2015, 14:41 h 
[3] Ec.11.8

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

O que nos frustra? (O sofrimento internalizado)



O que na verdade nos embaraça é a nossa cosmovisão, nossas esperanças e sonhos, os quais na verdade são episódios subjetivos e não fatos concretos. Decepcionamo-nos com nossas perspectivas mais do que com o fato em si, as vezes, nem fatos há, e sim sonhos, delírios de um ego que anela o inatingível, o inexistente.

Assim, concluímos que o sofrimento é gerado muito mais a partir das nossas internalizações do que de eventos exteriores a nós. Quando nos decepcionamos, nos frustramos, na verdade estamos nos decepcionando e frustrando, não com a pessoa ou situação que nos proporciona sentimentos dolorosos, e sim com a nossa perspectiva equivocada com relação a pessoas, situações e fatos.

É temerário basear a felicidade em bens materiais, conquistas das mais diversas ou em pessoas. Calligaris, Doutor em psicologia, fala de “conceito de bem estar”, em lugar do termo felicidade. Para ele, nenhum desejo satisfaz o homem plenamente, embora, de forma errônea, achemos que a felicidade esteja na consecução dos nossos sonhos e desejos mais íntimos.

Bem antes de Calligaris, o livro de Eclesiastes já apontava para o engano de se procurar a felicidade em coisas externas a nós.

Resolvi no meu coração dar-me ao vinho, regendo-me, contudo, pela sabedoria, e entregar-me à loucura, até ver o que melhor seria que fizessem os filhos dos homens debaixo do céu, durante os poucos dias da sua vida. Empreendi grandes obras; edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas.
Fiz jardins e pomares para mim e nestes plantei árvores frutíferas de toda espécie. Fiz para mim açudes, para regar com eles o bosque em que reverdeciam as árvores. Comprei servos e servas e tive servos nascidos em casa; também possuí bois e ovelhas, mais do que possuíram todos os que antes de mim viveram em Jerusalém.
Amontoei também para mim prata e ouro e tesouros de reis e de províncias; provi-me de cantores e cantoras e das delícias dos filhos dos homens: mulheres e mulheres. Engrandeci-me e sobrepujei a todos os que viveram antes de mim em Jerusalém; perseverou também comigo a minha sabedoria.
Tudo quanto desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem privei o coração de alegria alguma, pois eu me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso era a recompensa de todas elas. Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que eu, com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol. [1]

O que Calligaris diz é similar ao que é relatado em Eclesiastes. O desejo realizado perde o sentido. As vezes, se deseja muito um bem, uma viagem, um homem, uma mulher, ou qualquer outra coisa. A concretude desses sonhos, em si mesmos, não tem condição de proporcionar a felicidade, na verdade, são instrumentos ilusórios dessa busca.

Do mesmo modo, como o empreendedor registrado em Eclesiastes reagiu ao chegar na conquista daquilo que desejava, assim agimos com as nossas realizações. Ao realizar ou conquistar algo, segue-se a euforia, logo depois o tédio, para então, a busca do próximo feito.

É muito importante ter uma definição de quem somos, onde queremos chegar e quem são aqueles que nos rodeiam. Nunca esperando demais do outro, pois quem espera muito do outro, tem geralmente muito pouco em si. Então, simplesmente viva, ame, compreenda se possível, perdoe se puder, chore quando necessário, divirta-se sempre, sorria para o mundo. Seja você mesmo, mas não esqueça de ser… humano. 


Wanderley Nunes


[1] Eclesiastes 2.3-11