Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso
adversário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para
devorar; resisti-lhe firmes na fé, certos de que sofrimentos iguais aos vossos
estão-se cumprindo na vossa irmandade espalhada pelo mundo.
Se
quisermos simplesmente espiritualizar o texto petrino, o reduziremos a uma
batalha metafísica de caráter inglório. Por outro lado, só existe uma maneira
para não cometermos o “pecado” do
reducionismo, desvirtuamento, e empobrecimento do escrito em questão: A
observação, a priori, do
contexto.
Pedro
está claramente encorajando os companheiros de fé, em um momento de
perseguição. Lembremo-nos que a eclésia
nessa época não era popular - não estava na moda “ser de Jesus”- e não possuía
poder político.
É lógico, que como humanos que eram, traziam consigo os seus
temores e carências. A maioria não havia ainda obtido maturidade suficiente
para lidar com as pressões de carregar o
vitupério de Cristo.
Por
essa razão, a carta diz: “Humilhai-vos, portanto, sob a poderosa mão de Deus,
para que ele, em tempo oportuno, vos exalte, lançando sobre ele toda a vossa ansiedade,
porque ele tem cuidado de vós. Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso
adversário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para
devorar; resisti-lhe firmes na fé, certos de que sofrimentos iguais aos
vossos estão se cumprindo na vossa irmandade espalhada pelo mundo.
Ora, o
Deus de toda a graça, que em Cristo vos chamou à sua eterna glória, depois de terdes
sofrido por um pouco, ele mesmo vos há de aperfeiçoar, firmar,
fortificar e fundamentar”. (I Pe.5.6-10).
Os
versos supra falam de ansiedade, sofrimentos contínuos, suavizados pelo consolo
de que não serão para sempre, daí o termo “por um pouco” de tempo. Mais patente
ficará a ideia de perseguições se voltarmos ao capítulo anterior da carta:
“Amados, não estranheis o fogo ardente que
surge no meio de vós, destinado a provar-vos, como se alguma coisa
extraordinária vos estivesse acontecendo; pelo contrário, alegrai-vos na medida
em que sois coparticipantes dos sofrimentos de Cristo, para que também,
na revelação de sua glória, vos alegreis exultando.
Se, pelo nome de Cristo,
sois injuriados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o
Espírito da glória e de Deus. Não sofra, porém, nenhum de vós como assassino,
ou ladrão, ou malfeitor, ou como quem se intromete em negócios de outrem; mas,
se sofrer como cristão, não se envergonhe disso; antes, glorifique a
Deus com esse nome. ( I Pe.4.12-16).
O Diabo.
Depois
de observarmos a motivação da carta, podemos depreender do texto uma melhor
compreensão a respeito do “diabo” citado nela. No grego διάβολος (diábolos) =
acusador, caluniador. Lendo Pedro com o
olhar na realidade dos fatos ocorridos à época, veremos que o “diabo” ali está
personificado na perseguição, calúnia e injuria sofrida por aqueles que seguiam
o Nazareno.
Vale
ressaltar, que não cremos como a igreja crê hoje com relação ao diabo, todavia,
usaremos a forma meramente biblicista, para desse modo, tentar rechaçar
interpretações isentas do pensar lógico, filosófico, teológico, e claro,
minimamente inteligente, ainda que lançando mão da hermenêutica ortodoxa.
Mas
vamos adiante... O diabo enquanto entidade espiritual (lembre que minha
abordagem aqui é apenas bíblica, para que os biblicistas não me acusem de não
fazer uso das escrituras) foi vencido na cruz:
“Ele
(O Senhor) nos libertou do império das trevas e nos transportou
para o reino do Filho do seu amor” (Cl.1.13). “Para isto se manifestou o
Filho de Deus: para destruir as obras do diabo” (I Jo.3.8); “e,
despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao
desprezo, triunfando deles na cruz” (Cl.2.15).
“...Visto, pois, que os filhos têm participação
comum de carne e sangue, destes também ele, igualmente, participou, para que,
por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o
diabo”. ( Hb.2.14).
Observamos
nessa exposição a vitória de Jesus Cristo sobre todas as forças e potestades
malignas. A Escritura Neotestamentária
assegura não só o triunfo de Jesus sobre o mal, como também nos nomina morada
de Deus e templo do Espírito Santo: I Co. 6.19; Cl. 1.27; II Co. 13.5.
De
forma lógica, racional, e meramente bíblica concluímos: Se Deus faz morada
naquele que crê, logo, não permitirá jamais que o maligno o tome de assalto, se
apossando daquele que lhe pertence: “…Eu lhes dou a vida eterna; jamais
perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão” (Jo.10.28). “…
Porque maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo”
(I Jo. 4.4).
E em outro lugar diz: “Aquele que nasceu de Deus (Jesus Cristo
homem) o guarda, e o Maligno não lhe toca”. (I Jo.5.18). “A palavra de
Deus permanece em vós, e tendes vencido o Maligno” (I Jo.2.14).
Os
dois trunfos do mal.
Sabendo que
nós, como santuário de Deus, não estamos suscetíveis a qualquer forma de
possessão maligna – que porventura ainda persistamos em temer - e que só nós
temos o poder e o arbítrio de oportunizar os ardis das chamadas “hostes
espirituais da maldade” (Ef. 4.27); a pergunta a ser formulada então é: De que
maneira os poderes maléficos podem atuar na vida daquele que crê?
Primeiro,
precisamos entender que o “estrago” já foi feito no momento em que houve a
transgressão registrada em Gênesis (creia você na literalidade dela ou não).
Quando agora, ouvimos o chamado e nos achegamos a Deus, somos salvos e
justificados pela fé, entretanto, continuamos vivendo em um corpo corruptível,
que segundo as Escrituras, só será perfeito ou “incorruptível” no último dia,
quando estivermos face a face com Cristo. (I Co.15.42).
Hoje
somos salvos de direito e ninguém tomará isso de nós, pois foi algo conquistado
por Cristo e a nós outorgado por graça. Há, no entanto, o “vírus” do pecado, o
qual nos trouxe a morte e que se encontra em nós. Ainda que salvos pela fé,
escrituristicamente sabemos que esse mundo segue o seu ciclo até o dia do Senhor, quando então,
nós e toda criação receberemos a incorruptibilidade.
Por
causa da corruptibilidade generalizada, é que o mal tem o poder de influenciar
o modo de crer da humanidade, e claro, da Igreja.
O
“vírus” está no ar e traz consigo dois grandes ardis: a incredulidade, fazendo
o homem pensar o Evangelho usando categorias meramente humanas; e o fanatismo.
“E
Pedro, chamando-o à parte, começou a reprová-lo, dizendo: Tem compaixão de ti,
Senhor; isso de modo algum te acontecerá. Mas Jesus, voltando-se, disse a
Pedro: Arreda, Satanás! Tu és para mim pedra de tropeço, porque não
cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens”.
(Mt.16.22,23).
Pedro
não está aqui possesso de demônios, apenas influenciado pelo momento e
pelas contingências secularistas
(diabólicas). Jesus diz aqui, que o “diabo” não cogita (não entende) das coisas de Deus. É pertinente observar, que o
secularismo foi inculcado na humanidade desde o início.
O “sereis
como Deus” (Gn.3.5), ecoa de geração a geração com o mesmo apelo avassalador a
uma vida hedonista, onde o homem é dono do seu nariz, recusando viver e crer no
Evangelho.
“Mas, se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se
perdem que está encoberto, nos quais o deus deste século (Secularismo =
materialismo) cegou o entendimento dos incrédulos, para que lhes não
resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus”
(II Co. 4. 3,4).
O
primeiro trunfo do mal é produzir uma casta de ateus cristãos, gente que quanto
ao Evangelho de Jesus Cristo são incréus, leem a bíblia com um olhar judeu
pagão, veem a graça como produto do
mérito, o “agora” como o alvo, e o “porvir” como prescindível. Esse tipo de fé
nada mais é que anti fé, anti Evangelho e anticristo.
“...são inimigos da cruz de Cristo. O
destino deles é a perdição, o deus deles é o ventre, e a glória deles está na
sua infâmia, visto que só se preocupam com as coisas terrenas”. (Fp.
3.18-19).
O
segundo trunfo, próprio deste século, é o fanatismo. Sua vítima é empurrada por
suas crenças, militância e ativismo para
bem perto de sua religião, porém, para bem longe de Jesus Cristo.
Ele é
personificado no sacerdote e levita da parábola do bom samaritano, onde o culto
perde o referencial de expressão a Deus
através do semelhante, para se tornar um cabide de ritualizações
esteticamente perfeitas, porém, duas
vezes morta. (Lc. 10.30-37).
O fanatismo prescinde do pensar inteligente e lógico, imaginando que o
raciocínio venha menoscabar ou desvirtuar a fé, o que não é verdade, pois ela
está ancorada em bases escriturísticas e
históricas muito fortes, e não no mero ativismo surdo encontrado na estressada
e exaurida Marta.
O Cristo que a
Igreja professa crer, venceu todas as potestades. A Igreja, porém, tem sido
vencida, ora pelo ateísmo cristão - desprezando a graça de Deus e o viver
somente pela fé - ora pelo fanatismo
religioso utópico do céu na terra, aqui e agora - quimera de corações seduzidos
pelo discurso pragmático e malicioso da religião do nosso tempo.
No entanto, a
saída contínua a mesma: Crer em Jesus como senhor para além da vida e da morte,
o Senhor da graça salvífica, a qual redime o pior dos seres humanos,
conscientizando-o para humano ser, transformando-o de ególatra embotado em
altruísta solícito, de mero religioso segregacionista em agregador consciencioso…
A solução
nunca foi e nunca será religião, ela também não se encontra no Jesus dos
judeus, nem dos cristãos. Só mesmo no metafísico caminho - o Jesus ressurreto -
fruível nos gestos de bondade e misericórdia... Percebido sobretudo, por aquele que consegue
enxergar Deus para além das cercas separatistas das crenças mesquinhas e rasas,
pois só aí, Deus em Cristo será encontrado.
O que se
necessita de fato é mais de Deus, mais da graça…Fora com a minha igreja
vencida! Fracassada! Fora com a minha verdade irredutível! Com meus
preconceitos oriundos do apedeutismo contumaz!
Em Cristo, se é vencedor quando
o intuito é a vitória do todo, quando só um vence, a eclésia perde,
entretanto, quando individualmente se busca o bem comum, o resultado é o triunfo.
Isso é um
sonho? Definitivamente não, isso é comunhão, isso é eclésia.
Wanderley Nunes