“E adoraram-na todos os que
habitam sobre a terra, esses cujos nomes não estão escritos no livro da vida do
Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo”. Ap 13:8.
O referido versículo é usado
muitas vezes para defender a literalidade da morte de Jesus ainda antes da
fundação do mundo, todavia, tal afirmação necessita de argumentos que venham corroborar essa assertiva.
Vale ressaltar que em nenhum
momento é dito que o cordeiro foi morto “antes”, mas “desde” a fundação do
mundo. Uma tradução mais literal para esse texto seria:
“E hão de adorá-la todos os
habitantes da terra, cujos nomes não estão escritos desde a origem do mundo no
livro da vida do Cordeiro imolado”.
De fato a afirmação do texto é
quanto a predeterminação Divina da morte do cordeiro, cuja efetivação estava de
antemão assegurada, como se já tivesse
sido levada a efeito; do
mesmo modo como é assegurado o naufrágio da fé daqueles que não possuem seus
nomes no livro da vida.
Paulo escrevendo a Timóteo
patenteia a ideia da morte do cordeiro em sua manifestação terrena : “Que nos
salvou, e chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes
dos tempos dos séculos;
E que é manifesta agora pela aparição de
nosso Salvador Jesus Cristo, o qual aboliu
a morte (com sua morte),
e trouxe à luz a vida e a incorrupção pelo evangelho” (II Tm.1.9-10).
Pedro em conformidade com Paulo
assevera: “Mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado, O qual, na
verdade, em outro tempo foi conhecido (Não
morto), ainda antes da fundação do mundo, mas
manifestado nestes últimos
tempos por amor de vós” (I Pe.1.19,20).
A predeterminação da morte de
Jesus só vem fortalecer a ideia da soberania de Deus, pois demonstra claramente
sua hegemonia absoluta, inclusive no que se refere aos seus planos.
Há pensamentos e propósitos seus
inexistentes na esfera humana, no mundo da matéria, que só “existem” na sua inacessível e
incomensurável mente, a bíblia assim o demonstra.
“Quanto à ressurreição dos
mortos, não lestes o que Deus vos disse: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de
Isaac e o Deus de Jacó {Ex 3,6}? Ora,
ele não é Deus dos mortos, mas Deus dos vivos” (Mt.22.31,32);
“Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe; e no teu livro todas estas coisas
foram escritas; as quais em continuação foram formadas, quando nem ainda uma delas havia”.
( Sl.139.16).
As escrituras explicitam de forma
inequívoca a onipotência de Deus quando o mostra considerando existente o
inexistente: (Como está escrito: Por pai de muitas nações te constituí) perante
aquele no qual creu, a saber,
Deus, o qual vivifica os mortos, e
chama as coisas que não são como se já fossem (Rm.4.17).
Logo, os propósitos de Deus
quanto aos homens delineados na eternidade, não são efetivados nessa dimensão,
pois dizem respeito à humanidade caída, e não a seres celestes não contaminados
pelo pecado.
Ademais, o derramamento de sangue
através de sacrifícios e holocaustos foi ordenado aos homens, não aos anjos.
Não há nem uma palavra da Escritura sobre uma morte vicária nos céus. A bíblia
fala daquele terrível dia no calvário, quando o decreto eterno foi
concretizado, como bem testificou Pedro no dia de pentecostes.
“A este que vos foi entregue pelo determinado
conselho e presciência de Deus, prendestes, crucificastes e matastes pelas
mãos de injustos”. (At. 2.23).
Jesus foi morto de fato na
eternidade ou no tempo?
Tomar apocalipse 13. 8 em
particular, para afirmar a morte literal de Jesus na eternidade, antes da sua
entrada na linha do tempo, é desmontar o ato salvífico em todas suas
instâncias, é destituir Deus de sua ontologia, já que na eternidade ele é
espírito, e na dimensão que a bíblia chama de céu não há derramamento de
sangue, muito menos morte com já foi dito. Um espírito não tem carne, nem
sangue.
Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e vede, pois um espírito não tem carne
nem ossos, como vedes que eu
tenho.(Lc. 24.39).
Na dimensão atemporal de Deus,
fora da cronologia humana, tendo como base sua infinitude e poder de convergir
em si todas as coisas, não se consegue falar da morte do cordeiro, sem apontar
para o pecado que a causou. Tudo isso teria que ter sido factual no âmbito
eterno (céu).
O que podemos apreender aqui a
respeito da morte sacrificial do cordeiro de Deus, é que isso só seria possível
no campo dos seus atributos e de forma descendente, ou seja, a eternidade, o
atemporal imiscuindo-se no tempo. No entanto, necessitamos compreender o tempo
em sua ambivalência.
kairos (καιρός) e Kronos (Κρόνος)
Kairos, como usado no mundo
helênico, é algo como um momento que nos parece particularmente adequado para
levarmos a efeito os nossos planos particulares, tornando-os nesse âmbito um
tempo propício.
O Kairos aplicado às escrituras do Novo Testamento, não comunga
da ideia helenista de planificações e projetos humanos, é antes um decreto
Divino que faz desta ou daquela data um Kairos.
E te derrubarão, a ti e aos teus
filhos que dentro de ti estiverem, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, pois
que não conheceste o tempo (Kairos ) da tua visitação (Lc.19.44)
. και εδαφιουσιν σε και τα τεκνα
σου εν σοι και ουκ αφησουσιν εν σοι λιθον επι λιθω ανθ ων ουκ εγνως τον καιρον της επισκοπης σου
Em outro lugar é apontado um
Kairos concernente ao anticristo.
“E agora vós sabeis o que o
detém, para que a seu próprio tempo
(Kairos) seja
manifestado”. (II Ts 2.6).
και νυν το κατεχον οιδατε εις το
αποκαλυφθηναι αυτον εν τω εαυτου καιρω
Paulo ainda se refere a um Kairos
(tempo propício) quando seria revelado o único e verdadeiro Deus, Senhor dos
senhores.
“A qual a seu tempo (Kairos) mostrará
o bem-aventurado, e único poderoso Senhor, Rei dos reis e Senhor dos
senhores”(I Tm. 6.15).
ην καιροις ιδιοις δειξει ο μακαριος και μονος
δυναστης ο βασιλευς των βασιλευοντων και κυριος των κυριευοντων
Observado no sentido
Neotestamentário, o Kairos pode ser distribuído na linha do tempo formando a
história da salvação, particularizando-a em etapas. Nunca esse Kairos decretivo
se encontra presente na linha contínua do tempo, posto que pertence ao
atemporal, ao Divino, àquele que não existe, pois sustenta toda a existência em
si mesmo, estando ele mesmo fora da existência do ser.
“Pois ele mesmo é quem dá a todos
a vida, e a respiração, e todas as coisas” (At.17.25).
Κρόνος (Kronos)
Κρόνος é o tempo sequencial,
existencial, que à semelhança da mitologia helênica, nos vence, nos devora, nos
mede em sua redoma temporal e nós o medimos, mas nunca nos congratulamos em
contemporaneidade, pois embora Kronos seja dimensionado de forma terreal, ele é
sempre ulterior a nós homens.
É de sua nomenclatura imponente
que derivam cronologia, cronômetro, cronograma, nominações sempre voltadas à
altaneira obra de aferir aquele que desnuda nossa efemeridade.
Deus manifestando-se no Kronos
Deus em sua sabedoria e arbítrio
(aliás, Deus é o único que não tem o arbítrio escravizado por nada, nem por
ninguém) resolveu manifestar-se ao homem, por isso criou um corpo de carne no
ventre Mariano: “No principio era o Logos (a mente ou inteligência suprema de
Deus), o Logos estava com Deus (isso não foge da lógica em momento algum) e o
Logos era Deus.
Assim como não podemos
desassociar a mente do corpo sem aniquilar todo o ser , Deus sendo espírito não
pode ser desassociado daquilo que o “sustenta” enquanto ser - sua faculdade
criadora, inteligente e ativa - O Logos.
Na dimensão ou mundo estritamente
espiritual não havia possibilidade de Deus ser visto por nenhum ser terráqueo.
O que de Deus os homens puderam ver foram teofanias, ou seja, manifestações
físicas as quais indicavam a “presença” Divina, fosse por meio do fogo,
fenômenos nas águas etc.
Tudo ponteado por interpretações
antropomórficas das mais diversas, algumas delas descritas pela própria bíblia,
com o intuito de expressar em linguagem inteligível a revelação Divina.
“E vendo o SENHOR que se
virava para ver, bradou
Deus a ele do meio da sarça, e disse: Moisés, Moisés. Respondeu ele: Eis-me
aqui. E disse: Não te chegues para cá; tira os sapatos de teus pés; porque o
lugar em que tu estás é terra santa.
Disse mais: Eu sou o Deus de teu
pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó. E Moisés encobriu o
seu rosto, porque temeu olhar para Deus” (Ex.3.4-6).
“Os olhos do SENHOR estão em todo lugar, contemplando os
maus e os bons” (Pv 15.3).
“Ajuntai-vos todos vós, e ouvi:
Quem, dentre eles, tem anunciado estas coisas? O SENHOR o amou, e executará a
sua vontade contra babilônia, e
o seu braço será contra os
caldeus”. ( Is.48.14).
Deus é descrito falando do meio
do fogo em um sarçal, como tendo olhos e braços tal quais os humanos.
Toda a linguagem figurada da
bíblia com relação ao Divino, busca metafisicamente e por analogia, expressar e
qualificar Deus enquanto ser, algo dialeticamente inalcançável, encontrando sua
perfeição dialógica tão somente na encarnação do Logos.
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”.
εν αρχη ην ο λογος και ο λογος ην προς τον θεον και θεος ην ο λογος
(Jo.1.1).
“E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como
a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade.”
και λογος σαρξ ο εγενετο και εσκηνωσεν εν ημιν και εθεασαμεθα την δοξαν αυτου
δοξαν ως μονογενους παρα πατρος πληρης χαριτος και αληθειας (Jo.1.14).
O que era “realidade” exclusiva
do Logos (mente) de Deus no tempo sem tempo, ganha um Kairos (um tempo
propício). Na encarnação, e só nela, Deus se faz homem, e assim sendo, torna-se
real aquilo que não o era para os homens, nem mesmo para os anjos, pois fazia
parte única e exclusivamente da mente inatingível e inenarrável do Todo
poderoso, o qual ocultou e revelou tudo em seu tremendous mysterium, O Logos.
“E, sem dúvida alguma, grande é o mistério da piedade: Deus se manifestou em carne, foi justificado no Espírito,
visto dos anjos, pregado aos gentios, crido no mundo, recebido acima na
glória”.
και ομολογουμενως μεγα εστιν το
της ευσεβειας μυστηριον θεος εφανερωθη εν σαρκι εδικαιωθη εν πνευματι ωφθη
αγγελοις εκηρυχθη εν εθνεσιν επιστευθη εν κοσμω ανεληφθη εν δοξη (I Tm. 3.16).
“Mas falamos a sabedoria de Deus, oculta em mistério, a qual Deus
ordenou antes dos séculos para nossa glória; A qual nenhum dos príncipes deste
mundo conheceu;
porque, se a conhecessem, nunca crucificariam ao Senhor da glória”.(I
co.2.7,8).
Observamos então, que a morte do
cordeiro estava claramente planificada na mente Divina, onde de fato era real e
inexorável, entretanto, carecia de uma personificação humana, a fim de que o
homem fosse salvo por um perfeito igual que o substituísse e o justificasse.
Glória pois a ele.
Em Cristo, Wanderley Nunes