quinta-feira, 5 de abril de 2012

O JEJUM E A GRAÇA DE DEUS

INTRODUÇÃO
Sempre que compartilhamos a palavra de Deus e tratamos do evangelho da graça surgem perguntas com relação a alguns textos obscuros, e por vezes ambíguos os quais, até então, não havia ainda nos ensejado tão agradável oportunidade para analisá-los à luz do pensamento paulino .
Abordaremos o jejum e a graça e como harmonizar o jejum com a palavra neotestamentária, se é que isso pode ser feito. Buscaremos também, respostas plausíveis para algumas dessas indagações, perscrutando a mente envolvente, brilhante, e sobretudo iluminada do “escravo” do Senhor, epíteto com o qual se apresentava Paulo, na maior parte dos seus escritos.
Observaremos o pensamento e o comportamento paulino diante da igreja de Jerusalém, bem como suas atitudes diante dos ritos judaicos. Sua engenhosa e inspirada argumentação de que os gentios são filhos da livre, como Isaque, também merecerá aqui nossa atenção, juntamente com a ideia apostólica de que estamos debaixo da lei de Cristo.
Finalizando nossa argumentação, investigaremos textos controversos saídos da própria pena de Paulo, comparando-os ao que se pode extrair do seu ministério relatado por Lucas em Atos.
Que Deus nos abençoe nessa sublime empreitada.

O JEJUM E JESUS

O primeiro passo para compreender a questão do jejum com relação ao Novo Testamento perpassa por dois textos: Mt. 9.14,15 e Mt. 17.21.
“Então, chegaram ao pé dele os discípulos de João, dizendo: Por que jejuamos nós e os fariseus muitas vezes, e os teus discípulos não jejuam?”

“E disse-lhes Jesus: Podem porventura andar tristes os filhos das bodas, enquanto o esposo está com eles? Dias, porém, virão, em que lhes será tirado o esposo, e então jejuarão.”
Os textos deixam patente que os discípulos de Jesus não jejuavam. Se isso não fosse verdade o próprio Cristo teria refutado a afirmação, todavia, ele não só confirma, como aponta os motivos para os seus seguidores não praticarem esse rito judaico. O mestre associa aqui esse sacrífico da lei à tristeza : “Podem porventura andar tristes os filhos das bodas...” . Logo em seguida menciona o motivo para não jejuar: “A presença do esposo”, ou seja, Jesus estando com os seus discípulos não haveria necessidade de jejum (leia o texto “O evangelho da graça x os rudimentos da lei”).
Outra questão associada a essa mesma passagem é quanto aos dias em que o esposo seria tirado. A interpretação comum afirma que seria quando Cristo fosse assunto aos céus, então a igreja ficaria sem o noivo. Essa afirmação aparentemente ganha um pouco mais de força devido ao pensamento trinitarista de que Jesus é a segunda pessoa da trindade, logo não é ele que está hoje na igreja, e sim o Espírito santo.
Mesmo se concordássemos com essa ideia, que indubitavelmente não comungamos, facilmente poderíamos contraditá-la, pois há diversos textos bíblico que confirmam, inquestionavelmente, a presença de Jesus em espírito na igreja.
Se há contradição na doutrina trinitariana com relação a estar Cristo na igreja hoje ou não, para nós que cremos que Jesus é Deus - e que se tornou homem na encarnação, e está em espírito hoje na obra da regeneração dos eleitos - não há nenhuma dificuldade.
Conforme o pensamento tradicional, Jesus (o esposo) foi tirado e não está com a igreja, por isso, ela precisa jejuar, todavia, no mesmo evangelho o mestre afirma: “E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém.” (Mt. 28:20). Ora, se Jesus disse que só haveria necessidade de jejuar se ele não estivesse presente, e se de fato está presente, como bem afirma Mt. 28.20, então não há necessidade de jejum.

ALGUNS VERSÍCULOS QUE ATESTAM A PRESENÇA DE JESUS

“E tendo chegado diante da Mísia, tentavam ir para Bitínia, mas o Espírito de Jesus não lho permitiu.” (At. 16.7); “a quem Deus quis fazer conhecer quais são as riquezas da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vós, a esperança da glória” (Cl.1.27); “Ou não sabeis quanto a vós mesmos, que Jesus Cristo está em vós?” (II Co.13.5).
Acreditamos que fica muito explicito que só haveria necessidade de jejuar se o esposo não estivesse presente, entretanto, sabemos que hoje na Nova Aliança Cristo não só está conosco, como também está em nós, conforme dantes prometera : “O Espírito da verdade, o qual o mundo não pode receber; porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque ele habita convosco (era o próprio Jesus), e estará (a partir do pentecoste) em vós.” (Jo.14.17).
Seguindo essa linha de pensamento, o mesmo pode ser aplicado no que se refere a Mateus 17. 21, pois o contexto fala de um episódio em que Jesus convoca Pedro, Tiago e João para um momento de comunhão no qual os discípulos testemunham a transfiguração do Senhor. É justamente quando descem do monte que encontram os outros nove seguidores de Cristo discutindo com os fariseus, pois não haviam conseguido expulsar o demônio de um rapaz.
A razão de não obterem sucesso no intento aclara-se facilmente se for seguida a linha de pensamento delineada pelo próprio Jesus: Não estando na presença dele se faz necessário o jejum. Sabemos pelo relato de Mateus que foi isso mesmo que aconteceu. Há ainda uma agravante, quando perguntado sobre a razão de não poderem lograr êxito contra o diabo, Cristo não fala em um primeiro momento no jejum, mas sim na falta de fé.
“Depois os discípulos, aproximando-se de Jesus em particular, perguntaram-lhe: Por que não pudemos nós expulsá-lo? Disse-lhes ele: Por causa da vossa pouca fé; pois em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda direis a este monte: Passa daqui para acolá, e ele há de passar; e nada vos será impossível.” (Mt. 17.19,20). E só em seguida diz que lhes era preciso jejuar, claro, pois não possuíam fé bastante e não estavam com o esposo, e isso segundo o pensamento do próprio Jesus.

COMPREENDENDO A MENTE DE PAULO

E fiz-me como judeu para os judeus, para ganhar os judeus; para os que estão debaixo da lei, como se estivesse debaixo da lei, para ganhar os que estão debaixo da lei.
Para os que estão sem lei, como se estivesse sem lei (não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo), para ganhar os que estão sem lei. Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns. (I Co. 9.20-22).
É muito importante para a compreensão de alguns textos, que se tenha uma visão clara do pensamento real do escritor com relação ao assunto a ser abordado. Não podemos agir diferente com relação ao apóstolo dos gentios. Urge compreender o que é importante para Paulo, como também, o que é secundário ou de nenhum préstimo.
Para isso, analisaremos o pensamento Paulino com relação a lei Mosaica e a sua harmonia ou discrepância com a fé em Cristo. Para levarmos a efeito nossa investigação, observemos como o apóstolo crê que a salvação é conquistada:

A salvação pela graça
  • “Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus.” ( Rm.3.24);
  • “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus
    (Ef. 2. 8).
  • “Não pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou pela lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo”( Tt.3.5). Para Paulo, não há dom maior do que a salvação em Cristo, ele crê que em Jesus temos tudo:
  • “Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará também com ele todas as coisas?” (Rm 8.32).
A fé judaica e o Novo Concerto
  • “O qual nos fez também capazes de ser ministros de um novo testamento, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica.” (II Coríntios 3.6).
  • “E, se o ministério da morte, gravado com letras em pedras, veio em glória, de maneira que os filhos de Israel não podiam fitar os olhos na face de Moisés, por causa da glória do seu rosto, a qual era transitória.”( II Co. 3. 7)
  • “E não somos como Moisés, que punha um véu sobre a sua face, para que os filhos de Israel não olhassem firmemente para o fim daquilo que era transitório.
    Mas os seus sentidos foram endurecidos; porque até hoje o mesmo véu está por levantar na lição do velho testamento, o qual foi por Cristo abolido.” (II Co. 3.13,14).
  • “Mas, quando se converterem ao Senhor, então o véu se tirará. Ora, o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade.” (II Co. 3.16,17).
Nos versículos supracitados vemos o apóstolo dos gentios escrevendo de forma taxativa que era ministro capacitado por Deus, entretanto, não da Antiga Aliança que era um ministério de morte, pois embora houvesse sido gravado em pedras e tivesse o seu quinhão de glória, sua vigoração estava limitada pela vinda de Jesus Cristo e o estabelecimento de uma nova dispensação.
“Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, Para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos. (Gl.4.4,5).
Paulo no texto corintiano usa o véu que cobriu o rosto de Moisés como uma figura do véu do templo em Jerusalém, o qual se rasgou de alto a baixo (Mc. 15. 37,38), simbolizando o fim da separação entre o homem e Deus.
Daquele momento em diante qualquer um que cresse na morte salvífica de Cristo, independente de ser sacerdote, levita, leigo, assassino ou prostituta, crendo no preço sacrificial da morte redentora de Cristo desfrutava, agora, de pleno acesso a Deus pela fé; o véu fora tirado.
O Velho Testamento, para o apóstolo da graça, não tem em si mesmo mais razão de ser. Por isso, assevera de forma categórica, que se houver uma conversão do judaísmo ao cristianismo haverá liberdade em Cristo, aqui prefigurada pelo véu.
Quando o véu judaizante, espiritualmente e literalmente já rasgado por Jesus, for assumidamente rasgado pela igreja cristã, haverá perfeita liberdade em Cristo : “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.” (Jo 8. 32,36).

Paulo e as obras da lei
A carta de Paulo aos gálatas tem como objetivo trazê-los de volta ao evangelho da graça, pois haviam sido seduzidos a abraçarem preceitos judaizantes obsoletos (Gl. 3.1). De uma forma bem incisiva o apóstolo diz, que se está sendo pregado um evangelho que não se harmoniza com aquele que ele próprio havia pregado, fosse considerado anátema1.
Aos gálatas fica evidenciada a distinção entre lei e graça, sobretudo com a farta explanação paulina ao referir-se a diferença entre o que Abraão recebeu pela fé e as obras da lei, a qual veio 430 anos depois da promessa.
“Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti.
De sorte que os que são da fé são benditos com o crente Abraão.” (Gl. 3.8-9).
Logo em seguida faz a separação:
“Todos aqueles, pois, que são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las.” (Gl. 3.10).
Observemos que se faz menção ao livro da lei, sendo citado o texto de Dt. 27.26, com uma agravante específica : Se é para adotar as obras da lei, se faz necessário adotar todas elas.2 Paulo não menciona com isso apenas a abstenção alimentar, dias de guarda ou a circuncisão, e sim todas as coisas escritas no livro da lei. Seguindo através do prisma Paulino, todo esforço envidado para agradar a Deus e ser aceito por ele baseado em elementos da lei, constitui-se em uma maldição para o ofertante.
  • “Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pelas obras da lei; porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada. (Gl.2.16).
  • “Não aniquilo a graça de Deus; porque, se a justiça provém da lei, segue-se que Cristo morreu debalde.” ( em vão - Gl.2.21).
Baseado nessas assertivas, vejamos alguns rudimentos da lei aos quais os gálatas estavam sendo persuadidos a abraçar.
“Mas agora, conhecendo a Deus, ou, antes, sendo conhecidos por Deus, como tornais outra vez a esses rudimentos fracos e pobres, aos quais de novo quereis servir? Guardais dias, e meses, e tempos, e anos. (Gl.4.9,10).
Está incluído aqui de forma inconteste, uma das datas mais importantes do calendário judaico: O dia da expiação.

O dia da expiação.

A palavra “expiação” (heb. kippurim, derivado de kaphar, que significa “cobrir”) comunica a ideia de cobrir o pecado mediante um “resgate”, de modo que haja uma reparação ou restituição adequada pelo delito cometido (note o princípio do “resgate” em Êx.30.12; Nm 35.31; Sl 49.7; Is 43.3).
(1) A necessidade da expiação surgiu do fato que os pecados de Israel (Lv.16.30), caso não fossem expiados, sujeitariam os israelitas à ira de Deus (cf. Rm 1.18; Cl 3.6; 1Ts 2.16). Por conseguinte, o propósito do Dia da Expiação era prover um sacrifício de amplitude ilimitada, por todos os pecados que porventura não tivessem sido expiados pelos sacrifícios oferecidos no decurso do ano que findava.
Dessa maneira, o povo seria purificado dos seus pecados do ano precedente, afastaria a ira de Deus contra ele e manteria a sua comunhão com Deus (Lv.16.30-34; Hb 9.7).
(2) Porque Deus desejava salvar os israelitas, perdoar os seus pecados e reconciliá-los consigo mesmo, Ele proveu um meio de salvação ao aceitar a morte de um animal inocente em lugar deles (i.e., o animal que era sacrificado); esse animal levava sobre si a culpa e a penalidade deles (Lv.17.11; cf. Is 53.4,6,11) e cobria seus pecados com seu sangue derramado.

A cerimônia da expiação.

Levíticos 16 descreve o Dia da Expiação, o dia santo mais importante do ano judaico. Nesse dia, o sumo sacerdote, vestia as vestes sagradas, e de início preparava-se mediante um banho cerimonial. Em seguida, antes do ato da expiação pelos pecados do povo, ele tinha de oferecer um novilho pelos seus próprios pecados. A seguir, tomava dois bodes e, sobre eles, lançava sortes: um tornava-se o bode do sacrifício, e o outro tornava-se o bode expiatório (16.8). Sacrificava o primeiro bode, levava seu sangue, entrava no Lugar Santíssimo, para além do véu, e aspergia aquele sangue sobre o propiciatório, o qual cobria a arca contendo a lei divina que fora violada pelos israelitas, mas que agora estava coberta pelo sangue, e assim se fazia expiação pelos pecados da nação inteira (16.15,16).

Como etapa final, o sacerdote tomava o bode vivo, impunha as mãos sobre a sua cabeça, confessava sobre ele todos os pecados dos israelitas e o enviava ao deserto, simbolizando isto que os pecados deles eram levados para fora do arraial para serem aniquilados no deserto (16.21, 22).

(1) O Dia da Expiação era uma assembleia solene; um dia em que o povo jejuava e se humilhava diante do Senhor (16.31). Esta contrição de Israel salientava a gravidade do pecado e o fato de que a obra divina da expiação era eficaz somente para aqueles de coração arrependido e com fé perseverante (cf. 23.27; Nm 15.30; 29.7).
(2) O Dia da Expiação levava a efeito a expiação por todos os pecados e transgressões não expiados durante o ano anterior (16.16, 21). Precisava ser repetido cada ano da mesma maneira3.

Esse dia também passou a ser chamado pelos israelitas de o dia do Jejum (Jr.36.6). Era um dia solene, um feriado sagrado. Paulo admoesta a alguns irmãos judeus que estavam com ele na embarcação, (os quais notadamente ainda estavam observando esse rudimento da lei) dizendo que o “jejum” - o dia da expiação - já havia passado, dando a entender que os judaizantes podiam cuidar dos seus afazeres no barco (At. 27. 9).
Se observarmos Gálatas veremos qual era o pensamento do apóstolo com relação aos dias solenes da religião judaica, dos quais o dia da expiação era o maior.
Mas agora, conhecendo a Deus, ou, antes, sendo conhecidos por Deus, como tornais outra vez a esses rudimentos fracos e pobres, aos quais de novo quereis servir? Guardais dias e meses, e tempos, e anos (Gl.4.9,10).
Esses dias aqui citados, incluiem sem dúvida o dia da expiação, que era uma celebração israelita. Os gentios Gálatas, não tinham nada haver com isso, assim como nós também não temos, com a agravante que além dessa cerimônia ser de origem judaica, já foi cravada por Cristo na cruz. Se não temos que praticar o ritual expiatório, também, não temos que praticar o jejum nele embutido.

Filhos da livre

“Porque está escrito que Abraão teve dois filhos, um da escrava, e outro da livre. Todavia, o que era da escrava nasceu segundo a carne, mas, o que era da livre, por promessa. O que se entende por alegoria; porque estas são as duas alianças; uma, do monte Sinai, gerando filhos para a servidão, que é Agar. Ora, esta Agar é Sinai, um monte da Arábia, que corresponde à Jerusalém que agora existe, pois é escrava com seus filhos.” (Gl.4.22-25).
“Mas que diz a Escritura? Lança fora a escrava e seu filho, porque de modo algum o filho da escrava herdará com o filho da livre.De maneira que, irmãos, somos filhos, não da escrava, mas da livre.” ( Gl.4.30,31).
Observe o argumento paulino : O filho da escrava, humanamente falando, era filho de Abraão, entretanto, trazia nas veias o sangue escravo. Ainda que fosse filho da vontade do patriarca, no que se refere a herança não haveria esperança alguma para o seu futuro. Já que concernente a promessa, só seria considerado filho o que nascesse do ventre de Sara.
“Disse Deus mais a Abraão: A Sarai tua mulher não chamarás mais pelo nome de Sarai, mas Sara será o seu nome. Porque eu a hei de abençoar, e te darei dela um filho; e a abençoarei, e será mãe das nações; reis de povos sairão dela.” (Gn. 17.15,16).
Isso fica ainda mais patente no episódio em que o Senhor pede que Abraão sacrifique Isaque, Deus mostra aí que só considera filho de Abraão àquele que nasceu do ventre de Sara, pois é dito de Isaque que é o filho único do patriarca.
“E aconteceu depois destas coisas, que provou Deus a Abraão, e disse-lhe: Abraão! E ele disse: Eis-me aqui. E disse: Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que eu te direi.” (Gn.22.1,2).
Do mesmo modo, todos os que desejam conseguir sua herança divina através da lei mosaica, representada por Agar, chamada apostolicamente de “monte sinai”, o local onde foi promulgada e entregue a lei para Moisés, só irão colher jugo e servidão.
A tese paulina é que, assim como Sara teve seu filho mediante a promessa e intervenção divina, sendo posteriormente usada por Deus, para exigir que Abraão mandasse embora a escrava e seu filho, do mesmo modo, a nossa salvação é fruto da soberana graça divina, e para que essa graciosa herança seja desfrutada, é necessário que se lance fora a escrava (a lei) e o seu fruto (a servidão) .

A defesa da fé

Nós gentios não somos filhos da lei (judeus), nem física, nem espiritualmente. Esse concerto jamais nos foi dirigido. A repreensão que Paulo fez ao judeu Pedro, aclara muito bem a situação dos gentios na mente do apóstolo da graça.
“E, chegando Pedro à Antioquia, lhe resisti na cara, porque era repreensível. Mas, quando vi que não andavam bem e direitamente conforme a verdade do evangelho, disse a Pedro na presença de todos: Se tu, sendo judeu, vives como os gentios, e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus?” (Gl. 2.11,14).
Desejar se utilizar de uma aliança escravagista, que a nós jamais foi dirigida, é tornar-se judaizante, consequentemente separado de Cristo.
Separados estais de Cristo, vós os que vos justificais pela lei; da graça tendes caído.” (Gl. 5.4).
Escrevendo aos romanos, Paulo assegura que assim como a mulher está ligada ao marido até que ele morra, e morrendo o marido fica livre para casar com quem quiser, do mesmo modo, Cristo morreu, e nós pela fé morremos com ele, libertando-nos da dispensação judaica da lei (Rm.7.1-4). Do contrário, teríamos que nos sujeitar ao regime judaico, a saber, a lei com seus sacrifícios, rituais e cerimonias.
“Havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz (Cl.2.14). Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa4, ou da lua nova, ou dos sábados, Que são sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo.” (Cl.2.16-17).

Debaixo da lei de Cristo


“Para os que estão sem lei, como se estivesse sem lei (não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo), para ganhar os que estão sem lei.” (I Co. 9.21).
Ainda usando a carta aos Gálatas como referencial, atenhamo-nos ao enunciado do capítulo 5.22-24. “Mas o fruto do Espírito é : amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança. Contra estas coisas não há lei. E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências.”
“Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo.” (Gl .6.2). No pensamento paulino, quando você é habitação do Espírito Santo, é levado sempre a produzir o fruto do Espírito, jamais a fé de quem assim é guiado, se resumirá a meras ordenanças e preceitos religiosos, extirpados por Cristo na nova aliança por sua caducidade e inoperância justificatória.
“E de tudo o que, pela lei de Moisés, não pudestes ser justificados, por ele é justificado todo aquele que crê.” (At.13.39).

Textos controversos

“E, servindo eles ao Senhor, e jejuando, disse o Espírito Santo: Apartai-me a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado. Então, jejuando e orando, e pondo sobre eles as mãos, os despediram.” (At.13.2,3).
Para que compreendamos o que aconteceu nessa ocasião, é sumamente importante que observemos todo o contexto. A igreja de Antioquia foi estabelecida por discípulos de Jerusalém, com ajuda posterior de alguns irmãos que evangelizaram os gregos, formando uma igreja mista, de prevalecença judaica.
“E os que foram dispersos pela perseguição que sucedeu por causa de Estêvão caminharam até à Fenícia, Chipre e Antioquia, não anunciando a ninguém a palavra, senão somente aos judeus.
E havia entre eles alguns homens cíprios e cirenenses, os quais entrando em Antioquia falaram aos gregos, anunciando o Senhor Jesus. E a mão do Senhor era com eles; e grande número creu e se converteu ao Senhor. E chegou a fama destas coisas aos ouvidos da igreja que estava em Jerusalém; e enviaram Barnabé a Antioquia.” (At.11.19-22).
Só um pouco mais tarde é que Paulo vai para essa igreja, não como pastor, e sim como colaborador.
“E partiu Barnabé para Tarso, a buscar Saulo; e, achando-o, o conduziu para Antioquia.
E sucedeu que todo um ano se reuniram naquela igreja, e ensinaram muita gente; e em Antioquia foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cristãos.” (At.11.25,26).
Observe que a igreja em Antioquia foi fundada por discípulos judaizantes, além de tudo, o primeiro obreiro enviado para apascentar aquelas ovelhas foi Barnabé, levita natural de Chipre (At.4.36). Barnabé possuía uma carga cultural altamente judaica, isso fica comprovado quando na Antioquia mesmo, por influência de Paulo, essa igreja começa a abandonar alguns costumes do judaísmo, todavia, aparecem por lá alguns irmãos vindos de Jerusalém, da parte do líder Tiago, fato que atemoriza Pedro, e vemos então Barnabé revelando sua falta de firmeza na mensagem paulina da graça, bem como o seu judaísmo latente.
“E, chegando Pedro à Antioquia, lhe resisti na cara, porque era repreensível.
Porque, antes que alguns tivessem chegado da parte de Tiago, comia com os gentios; mas, depois que chegaram, se foi retirando, e se apartou deles, temendo os que eram da circuncisão.
E os outros judeus também dissimulavam com ele, de maneira que até Barnabé se deixou levar pela sua dissimulação.” (Gl.2.11-13).
O fato acima mencionado, com certeza se deu depois do primeiro ano que Paulo ficou com aquela igreja (At.11.25,26), pois no principio, percebemos uma dependência demonstrada na preocupação em estar sempre em contato com Jerusalém a fim de prestar contas.
“E Barnabé e Saulo, havendo terminado aquele serviço, voltaram de Jerusalém, levando também consigo a João, que tinha por sobrenome Marcos.” (At.12.25).

Compreendendo o texto
“E, servindo eles ao Senhor, e jejuando, disse o Espírito Santo: Apartai-me a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado. Então, jejuando e orando, e pondo sobre eles as mãos, os despediram.” (At.13.2,3).
Como já foi observado anteriormente, a direção da igreja em Antioquia era judaica. O versículo citado deixa claro que : a) O jejum foi dirigido pela liderança de Antioquia. b) Eles foram apartados (separados) pela igreja de Antioquia para um trabalho específico, muito embora, a ordem tenha partido de Deus. c) Isso é inegável, pois o verso termina : “E pondo sobre eles as mãos, os despediram. Quem impõe as mãos é quem está abençoando.” (At.9.12; I Tm.5.22).
O mesmo fato se deu em outro momento, em que debaixo da direção judaizante da Antioquia, o vemos participando de um jejum (At.14.23), como também em outra situação o encontramos em Jerusalém participando de uma cerimônia votiva.
“E já acerca de ti foram informados de que ensinas todos os judeus que estão entre os gentios a apartarem-se de Moisés, dizendo que não devem circuncidar seus filhos, nem andar segundo o costume da lei. Que faremos pois? em todo o caso é necessário que a multidão se ajunte; porque terão ouvido que já és vindo. Faze, pois, isto que te dizemos: Temos quatro homens que fizeram voto5. Toma estes contigo, e santifica-te com eles, e faze por eles os gastos para que rapem a cabeça, e todos ficarão sabendo que nada há daquilo de que foram informados acerca de ti, mas que também tu mesmo andas guardando a lei.” (At. 21.21-24).
Um outro fator a ser salientado, é que Paulo era um articulador versátil e flexível, sabia transitar no meio altamente judaizante, como também possuía autoridade suficiente para se posicionar sobre a liberdade dos gentios com relação a lei e seus rudimentos. Podemos notar facilmente isso em dois episódios distintos com respeito a circuncisão.
O primeiro diz respeito a Timóteo, Paulo claramente respeita os judaizantes, os quais ainda não estavam a par do decreto firmado em Jerusalém (At.15.28,29); vale salientar, que esse decreto era contraditório em sua essência, pois ao mesmo tempo que parecia propor uma liberdade aos gentios que se achegavam a fé, os devolviam ao velho sistema levítico, mandando-os para sinagoga, para os sábados, e para a apreciação da lei (At. 15.19-21).
Ficando demonstrado assim de forma inequívoca ,que os irmãos da circuncisão não possuíam nem de longe, o discernimento espiritual e bíblico do apóstolo do gentios (Gl.2.7-9). Mas, voltemo-nos para o episódio em que Paulo transige, na ocasião em que isso lhe é permitido.

A transigência paulina
“E chegou a Derbe e Listra. E eis que estava ali um certo discípulo por nome Timóteo, filho de uma judia que era crente, mas de pai grego; Do qual davam bom testemunho os irmãos que estavam em Listra e em Icônio. Paulo quis que este fosse com ele; e tomando-o, o circuncidou, por causa dos judeus que estavam naqueles lugares; porque todos sabiam que seu pai era grego.” (At. 16.1-3).

A intransigência paulina
Encontramos Paulo agora em uma outra ocasião, laborando em seu ministério gentílico e buscando os colegas de Jerusalém para lhes fazer ver a provisão Divina concedida aos gentios, da qual ele era o emissário. Isso é evidenciado nas palavras : “E subi por uma revelação, e lhes expus o evangelho, que prego entre os gentios...”(Gl.2.2). Leiamos o texto em sua completude.
“Depois, passados catorze anos, subi outra vez a Jerusalém com Barnabé, levando também comigo Tito. E subi por uma revelação, e lhes expus o evangelho, que prego entre os gentios, e particularmente aos que estavam em estima; para que de maneira alguma não corresse ou não tivesse corrido em vão. Mas nem ainda Tito, que estava comigo, sendo grego, foi constrangido a circuncidar-se; E isto por causa dos falsos irmãos que se intrometeram, e secretamente entraram a espiar a nossa liberdade, que temos em Cristo Jesus, para nos porem em servidão. Aos quais nem ainda por uma hora cedemos com sujeição, para que a verdade do evangelho permanecesse entre vós.” (Gl.2.1-5).

Os textos Corintianos
“Antes, como ministros de Deus, tornando-nos recomendáveis em tudo; na muita paciência, nas aflições, nas necessidades, nas angústias, Nos açoites, nas prisões, nos tumultos, nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns.” (II Co. 6.4,5).
“Em trabalhos e fadiga, em vigílias muitas vezes, em fome e sede, em jejuns muitas vezes, em frio e nudez.” (II Co. 11.27).
A epístola aos coríntios, é sobretudo, uma defesa apaixonada e veemente do ministério que o apostolo havia recebido do Senhor. Paulo aqui não está fazendo uma apologética estritamente pessoal, mas defendendo todo um arcabouço dispensacional, que o incluía como arauto primaz.
“Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor; e nós mesmos somos vossos servos por amor de Jesus.” (II.Co.4.5).
E é como ministro do Cristo ressurreto, que ele se apresenta como tendo um ministério recomendável, pois não era mensageiro de um evangelho meramente humano e triunfalista, e sim, um servo do reino, reino esse que torna o seu ministro um participante ativo não só das conquistas e vitórias, mas também das lutas e aflições inerentes ao caráter do evangelho.
No texto de II Co. 6.4 são enumeradas nove situações - devidamente amparadas pelo ponto basilar : A paciência - as quais relaciona como credenciais, que segundo Paulo, faziam o seu ministério digno de aceitação.
Ele os divide em grupos de três. Em termos subjetivos cita : a) aflições, necessidades (privações), angústias. b) apresenta situações pessoais objetivas: açoites, prisões e tumultos, esse último, com certeza refere-se as confusões em que se envolveu por causa da palavra (At.13.50;14.19; 16.19; 19.29). c) trabalhos, vigílias, jejuns. Nesse ponto apresenta as dificuldades que conscientemente assumiu como um escravo 6 de Cristo. É interessante corroborarmos nossa argumentação com as palavras de Colin Kruse, que discorre com muita sobriedade a respeito do texto de II Co. 11.27, o qual notadamente, é uma continuidade do assunto iniciado em II Co. 6.4,5.
[…] Por estar incluído entre exemplos de trabalhos e fadigas, interpretaríamos melhor as noites insones como sendo devidas ao fato de Paulo pregar e ensinar pela madrugada afora (At. 20.7-12; 31), visto que as pessoas precisavam trabalhar durante o dia e só podiam ouvi-lo à noite; talvez ele se referisse ao exercício de sua profissão de tecelão de tendas, em horário noturno, para sustentar-se, usando as horas do dia para seu trabalho missionário (II Ts. 3.7,8). Em fome e sede, em jejuns muitas vezes; em frio e nudez. A despeito do rendimento de seu trabalho artesanal, e das ofertas vindas de Macedônia, houve épocas em que Paulo sofreu necessidades (Fp.4.10-13) e ficou sem ter o que comer, sem água e sem vestimenta adequada (Rm. 8.35, I Co. 4.11; II Tm. 4.13) 7

Considerações finais
Embora na argumentação de Colin percebamos a ausência do jejum, cremos que esse tema foi satisfatoriamente abordado no parágrafo textos controversos, quando usamos o livro de Atos, único referencial juntamente com as cartas Paulinas, que possuímos para compreender o pensamento e a fé do apóstolo da graça.
Pois se a fadiga, era resultado do sacrificial trabalho desse mensageiro de Deus; as vigílias na verdade, como bem relata Atos (as únicas menções que temos sobre trabalhos que adentravam a madrugada), apontam apenas e unicamente para oportunidades para a pregação ou viagens missionárias destituídas de qualquer conforto.
No mesmo âmbito, é mencionado o jejum, e do mesmo modo, qualquer estudioso que use critérios sérios de interpretação bíblica, só poderá mencionar as passagens do livro de Atos (At.13.2,3; At.14.23), as quais já foram analisadas, demonstrando terem sido eventos nos quais, para não por dificuldades nos ombros da igreja, o apóstolo preferiu transigir, calando-se. Isso pode ser observado também com relação ao voto (At.18.18)8 .
Logo, ninguém tem autoridade para ensinar vigílias, jejuns e votos sobre essas bases, as quais na verdade, inexistem.
“ [...]se oferecem dons e sacrifícios que, quanto à consciência, não podem aperfeiçoar aquele que faz o serviço; Consistindo somente em comidas, e bebidas, e várias abluções e justificações da carne, impostas até ao tempo da correção. Mas, vindo Cristo, o sumo sacerdote dos bens futuros, por um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação, nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção ( Hb. 9.9-12).

Wanderley Nunes.
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1 Esse termo era usado para apontar os animais separados para serem mortos em sacrifício a Deus ( Lv.27,29), daí vem a ideia de anátema: Condenado, amaldiçoado (Js.6.17,7.12).Com essa significação se encontra o termo grego em I Co.16.22;Rm.9,3; I Co. 12.3 e Gl.1.8,9. Buckland, dicionário bíblico,Editora vida, São Paulo-SP, p27.
2 Deuteronômio - Resumo: Os Israelitas são comandados a se lembrarem de quatro coisas: a fidelidade de Deus, a santidade de Deus, as bênçãos de Deus e as advertências de Deus. Os três primeiros capítulos recapitulam a viagem saindo do Egito para a sua localização atual, Moabe. Capítulo 4 é um chamado à obediência, a ser fiel ao Deus que foi fiel a eles.
Capítulos 5 a 26 são uma repetição da lei. Os dez mandamentos, assim como leis sobre sacrifícios e dias especiais e o resto da lei são dados à nova geração. Bênçãos são prometidas aos que obedecem (5:29; 6:17-19, 11:13-15) e fome é prometida àqueles que infringem a lei (11:16-17).
O tema de bênção e maldição continua nos capítulos 27-30. Esta parte do livro termina com uma escolha bem definida que é apresentada a Israel: “... te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição” . O desejo de Deus para o Seu povo encontra-se no que Ele recomenda: “escolhe pois a vida” (30:19). Nossa dívida e gratidão a esse belo resumo encontrado no site: wwwgotquestions.org- ( as palavras em negrito são por nossa conta).
3Creditamos essa apreciação do tema “expiação” ao site www.estudosgospel.com.br , ao qual damos o aval, comungando da mesma crença com relação a referida abordagem. Salientamos apenas, que no dia da expiação o israelita não trabalhava, era um feriado totalmente dedicado ao Senhor.
4 Dias de festa judaicos: 1) Páscoa (Lv.23.5), 2) Pentecostes ou festa das semanas (Ex.34.22), 3) A festa das trombetas ou ano novo ( Nm.8.2-12), 4) O dia da expiação, 5) A festa dos tabernáculos ( Lv 23: 34; Dt 16:13), 6) Festa das luzes ou dedicação (Jo.10.22), 7) Purim ou sortes ( Et.9.28; Jo. 5.1).
5 Paulo participou de uma outra cerimônia votiva em Cencréia (At. 18.18), mais uma vez usando o voto como estratégia para evangelizar entre os judeus.
6 A palavra usada por Paulo ao referir-se a si próprio com relação a Cristo é doulos, mais corretamente traduzido por escravo, podemos encontrar essa acepção em Gl.1.10; Rm.1.1; Tt.1.1.
7 Kruse, Colin G. II Coríntios introdução e comentário, São Paulo,- SP , Ed. vida Nova 1994, p .210
8 A motivação de Paulo se tomarmos apenas esse versículo parece obscura, no entanto, o versículo 21 patenteia a intenção do apóstolo: Ir a Jerusalém, e como já outrora analisamos, havia um desconforto entre Paulo e os judaizantes. Essa situação, ele sempre procurava contornar, buscando a paz enquanto ali se encontrava.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Usos, costumes e santificação

Há muitas controvérsias no meio Cristão no que tange a usos e costumes, sobretudo no que diz respeito ao uso de jóias. É bom que se note que para fazer uma séria interpretação de algum texto bíblico, é necessária a observação de alguns critérios:
época, cultura, quem escreveu, para quem a priori foi endereçado tal escrito, o que motivou o escrito, ou seja, por quê foi escrito1. Outro fator importante é, como se aplicar aos dias atuais os ensinamentos bíblicos, pois os princípios morais, sabe-se são eternos; já os culturais, estão circunscritos aos contextos nos quais foram produzidos.
Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo cristo”2.
A investigação que será desenvolvida neste trabalho buscará elucidar qual era o ideário da cultura judaica quanto ao uso de jóias. Será feita a principio uma análise do termo vaidade. A seguir, o uso de jóias será objeto de perscrutação à luz do Antigo testamento e de alguns dos seus principais personagens.
O Novo testamento ainda que de forma sucinta, terá algo a revelar, já que dois dos seus mais proeminentes textos serão traduzidos do original grego e analisados a partir do seu contexto.
O termo vaidade no Antigo testamento.
O vestir-se bem ou usar jóias parece nunca ter uma relação com o pecado ou a vaidade no antigo testamento, ao contrário, estar bem vestido era sinal de honra, fosse na família, na sociedade ou na vida religiosa.
O termo “vaidade” no antigo testamento é usado para adjetivar algo “vazio e inócuo”. Ricardo Gondim faz um comentário relevante do uso deste vocábulo.
Vaidade no hebraico advém [...] de habel, que significa vazio, oco. Seu uso no Antigo testamento estava relacionado ao abandono do único Deus verdadeiro e à busca de ídolos que não podiam satisfazer às necessidades de Israel pelo simples fato de não existirem. A adoração a ídolos, então, tornou-se sinônimo de vaidade, pois era como se o povo israelita estivesse buscando ajuda no vazio: Rejeitaram os estatutos e a aliança que fizera com seus pais, como também as suas advertências com que protestara contra eles; seguiram os ídolos e se tornaram vãos, e seguiram as nações que estavam em derredor deles, dos quais o Senhor lhes havia ordenado que não as imitassem. II Rs. 17.15. [...] No grego, vaidade é representada pelo substantivo mataiotes e também significa vazio. Não há qualquer relação, entre vaidade e o uso de jóias, roupas ou ornamentos. Seu significado, em primeiro lugar, refere-se ao mundo criado que, no pecado e sem preencher o propósito inicial para o qual foi criado, tornou-se vazio: Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou. Rm. 8.20. Vaidade – mataiotes - é também usada por Paulo para expor a forma de pensar e o estilo de vida dos gentios, que não conhecem a Deus: Isto, portanto, digo e no Senhor testifico que não mais andeis como também andam os gentios, na vaidade dos seus próprios pensamentos. Ef. 4.17. Vaidade – mataiotes - também podia denotar as palavras impressionantes, mas vazias, de falsos mestres que muito falam, mas não possuem conteúdo nenhum: Porquanto, proferindo palavras jactanciosas de vaidade, engodam com paixões carnais, por suas libertinagens, aqueles que estavam prestes a fugir dos que andam em erro. II Pe. 2.18.3
Observa-se então que o termo vaidade tanto no Antigo, como no Novo testamento é utilizado para classificar algo como: passageiro e vazio, ou seja, algo que embora pareça ser de algum valor, não traz em si valor algum.
Para tentar lançar mais luz sobre isso, pode-se usar como exemplo o salmo 39.5, trocando o termo pura vaidade, por puro vazio.
Deste aos meus dias o cumprimento de alguns palmos; à tua presença, o prazo da minha vida é nada. Na verdade, todo homem, por mais firme que esteja, é puro vazio. (pura vaidade)
Depois de analisada a questão do termo vaidade, é pertinente que se observe o uso que Israel como nação, fazia do ouro e jóias, bem como alguns dos maiores vultos do Antigo testamento. Posteriormente, serão analisados os dois principais textos do Novo testamento, os quais são utilizados por aqueles que advogam a proibição do uso de ouro e jóias por parte da Igreja hodierna.
As jóias no Antigo testamento.
Há um importante relato em Gênesis. Abraão faz com que o seu servo Eliezer lhe prometa sob juramento, que lhe trará ao filho Isaque uma esposa digna, uma virgem que fosse de sua parentela.
É de conhecimento dos Cristãos, que a moça escolhida, Rebeca, é inclusive um tipo (símbolo) da Igreja escolhida do Novo testamento, a noiva do cordeiro. No entanto, o que é narrado em Gênesis 24 é um fato, não é uma parábola ou uma ilustração.
As escrituras afirmam que o servo Eliezer depois de ter a confirmação de que Rebeca era a escolhida a presenteou com jóias.
... tomou o homem um pendente de ouro de meio siclo de peso e duas pulseiras para as mãos dela, do peso de dez siclos de ouro.4
Na hora da refeição, Eliezer faz uso da palavra e relata para Labão toda sua trajetória e o que o trouxera ali (Gn. 24.33,41). E encerra o discurso dando um curioso detalhe do seu encontro com Rebeca.
Daí lhe perguntei de quem és filha? Ela respondeu: filha de Betuel, filho de Naor e Milca, então, lhe pus o pendente no nariz e as pulseiras nas mãos.5
É importante salientar, que Rebeca era uma moça virgem, de família, fazia parte da parentela de Abraão. Ou seja, preenchia todos os requisitos que o grande patriarca esperava, e era, antes de tudo, uma escolhida de Deus, de acordo com o que foi confirmado no propósito de oração do servo Eliezer.
Eis-me agora junto à fonte de água; a moça que sair para tirar água, e que eu disser: dá-me um pouco de água do teu cântaro, e ela me responder: bebe, e também tirarei água para os teus camelos, seja essa a mulher que o Senhor designou para o filho do meu Senhor.6
Sabe-se que a oração do servo de Abraão foi cumprida de forma literal (Gn. 24. 45, 46). Vale salientar, que após o pedido de casamento por parte de Eliezer a Labão e Betuel, e a pronta aceitação de ambos, (Gn. 24. 49, 51), Rebeca recebeu como presentes jóias de prata e vestidos (Gn. 24. 53).
O uso de jóias por parte do fiel José
De José bastaria se dizer que a Bíblia o relata como um dos homens mais fiéis de toda História sacra, ao lado de nomes como Daniel, Samuel, João batista e mais alguns poucos, os quais estão no rol daqueles que nunca “beijaram a lona do pecado.”
Homens dos quais “o mundo não era digno”(Hb.11.38). Homens de vida ilibada: (I Sm. 9.6 e 12.3,5; Dn. 6.4; Mt.11.11). Testemunho que as escrituras exortam que todo Cristão deve imitar; (Fp. 3. 17. 4. 8,9; Hb. 13.7).
As escrituras relatam que José resistiu ao pecado na casa de Potifar; (Gn.39.7,9). Manteve sua profissão de fé por anos a fio, apesar de tudo lhe parecer contrário (cerca de 13 anos - (Gn.37.2 e 41.46.), e por fim perdoou seus irmãos que tanto mal lhe fizeram - (Gn. 45.4,8 e VS. 14,15).
O que se deve atentar em tudo isso, é que o fiel José resistiu ao pecado, todavia, recebeu de bom grado as jóias e todas as honrarias que lhe foram oferecidas por Faraó.
Então, tirou Faraó o seu anel de sinete da mão e o pôs na mão de José, fê-lo vestir roupas de linho fino e lhe pôs ao pescoço um colar de ouro. E fê-lo subir ao seu segundo carro, e clamavam diante dele: inclinai-vos! Desse modo, o constituiu sobre toda a terra do Egito. 7
Daniel em Babilônia
Daniel é outro personagem bíblico digno de honra. Em vários momentos é demonstrada sua fidelidade e coragem, ao servir ao Deus único de Israel em cativeiro (estava na idólatra e politeísta Babilônia.):
  1. Recusou a fina alimentação real, por ser a mesma consagrada a ídolos, honrando a Deus com essa atitude (Dn. 1.3, 4 e VS. 8, 15).
  2. Não se dobrou ao decreto monárquico, que fazia do Rei uma divindade a quem o povo era obrigado a adorar, fazendo-lhe súplicas e orações - (Dn. 6.7,9 e VS. 10.,13). Sendo por esse motivo lançado na cova dos leões - (Dn. 6.16,17). De onde Deus o livrou - (Dn. 6. 21, 23).
  3. Este mesmo Daniel que em tudo demonstrou fidelidade e humildade, ao interpretar a visão da escritura na parede, consentiu que lhe pusessem roupas finas e um colar de ouro no pescoço.
Se puderes ler esta escritura e fazer-me saber a sua interpretação, serás vestido de púrpura, terás cadeia de ouro ao pescoço e serás o terceiro no meu reino. [...] Então, mandou Belsazar que vestissem Daniel de púrpura, e lhe pusessem cadeia de ouro ao pescoço, e proclamassem que passaria a ser o terceiro no governo do seu Reino. 8
O que levou então servos santos de Deus como Rebeca, José e Daniel a aceitarem o uso de jóias e roupas finas? A resposta mais clara e enfática que se poderia dar, conforme o que já foi analisado, é que o uso de jóias fazia parte da cultura dos povos antigos, chegando até os dias do novo testamento.
Vale ressaltar, que em nenhum momento na cultura veterotestamentária o uso de tais apetrechos era visto como pecado, pelo contrário, o uso de jóias e roupas finas parece sempre está ligado a honra e posição privilegiada, mesmo por parte dos maiores e mais proeminentes personagens bíblicos.
Outros exemplos do uso de jóias na cultura
político-religiosa do Antigo testamento
  1. Na saída do Egito, o povo levou jóias de prata e de ouro-(Ex.3.22 e 12.35,36).
2) A veste sacerdotal era luxuosíssima, de linho fino e púrpura - Ex.28.3,8. Vestes próprias daqueles que eram muito ricos (Lc. 16. 19).
3) Quando no deserto o povo apostatou da fé, de onde conseguiram ouro para derreter, a fim de fazer um ídolo ? (o bezerro de ouro). Conforme o texto bíblico, o ouro foi conseguido das argolas que estavam nas orelhas dos Israelitas (Ex. 32.2,4).
4) em provérbios 25.12, Salomão faz uma analogia que as repreensões do sábio para quem as ouve com atenção, são tão valiosas, como são pendentes e jóias de ouro. Se o uso de jóias fosse algo contrário a fé judaica, jamais ele teria feito uma analogia como essa.
Ademais, em Ageu 2.8, o Deus todo poderoso proclama: minha é a prata, meu é o ouro, diz o Senhor dos exércitos.
O uso de jóias no Novo testamento
O filho esbanjador (pródigo), de Lucas 15, gastou toda sua herança de forma dissoluta, todavia ao se arrepender e regressar humildemente para a casa do pai foi recebido com festa: “... trazei depressa a melhor roupa, vesti-o, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias...” (Lc. 15.22).
Tiago ao falar que o Cristão deve olhar a todos sem acepção diz: “Meus irmãos, não tenhais a fé em nosso Senhor Jesus cristo, Senhor da glória, em acepção de pessoas.
Se, portanto, entrar na vossa sinagoga algum homem com anéis de ouro nos dedos, em trajos de luxo, e entrar também algum pobre andrajoso, e tratardes com deferência o que tem os trajos de luxo e lhe disserdes:
Tu assenta-te aqui em lugar de honra; e disserdes ao pobre: Tu, fica ali em pé ou assenta-te aqui em abaixo do estrado dos meus pés.” (Tg. 2.1,3).
É importante que se observe, que neste texto a ênfase é em não se fazer acepção de pessoas, no entanto, fica muito claro que no pensamento de Tiago não há nenhum pecado em alguém está bem vestido e usar anéis de ouro, ao contrário, como outrora já foi mencionado, no pensamento Judaico vestir-se bem e usar jóias é sinal de honra.
Na ilha de Patmos, o apóstolo João ao ver Cristo revestido de glória, observou que ele tinha a altura do peito um cinto de ouro - (Ap.1.13). Seria uma incoerência e uma séria contradição das Escrituras, proibir que os Cristãos usem jóias e pendentes de ouro, enquanto os textos Bíblicos apontam para o próprio Jesus usando ouro, bem como a nova cidade toda revestida por esse precioso metal - (Ap.21.18).
Se houvesse uma proibição como essa nas escrituras, a Nova Jerusalém certamente seria o último lugar do mundo em que os remidos iriam morar.
Textos marcantes do Novo testamento.
I Pe. 3.1,5
Mulheres, sede vós, igualmente, submissas a vosso próprio marido, para que, se ele ainda não obedece à palavra, seja ganho, sem palavra alguma, por meio do procedimento de sua esposa, ao observar o vosso honesto comportamento cheio de temor.
Não seja o adorno da esposa o que é exterior, como frisado de cabelos, adereços de ouro, aparato de vestuário; seja, porém, o homem interior do coração, unido ao incorruptível trajo de um espírito manso e tranquilo, que é de grande valor diante de Deus.
Pois foi assim também que a si mesmas se ataviaram, outrora, as santas mulheres que esperavam em Deus, estando submissas a seu próprio marido...
Há de se observar, que o propósito da epístola Petrina era dar esperança aos Cristãos em sofrimento, e orientá-los na prática diária de sua fé.
Essa epístola foi escrita nos anos sessenta D.C, conforme alguns estudiosos como Donald C. Stamps e E. R. Müeller, que assim datam a redação desse escrito, levando em consideração traços indicadores da grande perseguição empreendida pelo Império Romano na pessoa de Nero (67 D.C)9.
Tendo em vista essa situação vivida pelas comunidades Cristãs da época, conclue-se então, que Pedro como judeu que era, logo, acostumado com o uso frequente de jóias por parte dos seus patrícios, não tinha em mente uma proibição quanto a vestes e jóias, além do mais, estava endereçando a epístola às comunidades de maioria gentílica - (I Pe. 1.1. e 2.10): “vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus...” Isso definitivamente não é dirigido a Judeus e sim a gentios.
Para melhor compreensão do texto petrino, segue uma tradução mais literal.
Da mesma maneira as mulheres, submetendo-se aos maridos, para que também alguns insubmissos à palavra, através do modo de vida das mulheres, sejam ganhos (convencidos) sem necessidade de palavra, observando vosso modo de vida puro (limpo) em temor.
O ornamento seja não o que está aparente, o penteado dos cabelos e o uso de adereços de ouro, ou no vestir-se. Mas o homem oculto no coração, no incorruptível espírito manso e pacífico, que é de grande valor perante Deus.
Pois desse modo anteriormente, se ornamentavam as santas mulheres que depositavam sua confiança em Deus, submetendo-se aos seus maridos.10
Pedro deixa claro, que a veste que deve ocultar (esconder) o homem interior, é um espírito manso e pacífico, a fim de que o ego não sobressaia, maculando assim o comportamento digno legado pelas santas do passado.
É importante que se note, que Pedro como Judeu, não lança ao desprezo a aparência, entretanto, deixa patente que isso diante de Deus é relegado ao segundo plano, muito embora não haja por parte do apóstolo nenhuma censura ou ordem proibitiva no que se refere às vestes, o uso de jóias e adereços de ouro.
I Tm. 2.9,10
“Da mesma sorte, que as mulheres, em traje decente, se ataviem com modéstia e bom senso, não com cabeleira frisada e com ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso, porém com boas obras (como é próprio às mulheres que professam ser piedosas).”
Escrita por volta de 65 D.C, com o propósito de orientar Timóteo quanto ao comportamento adequado do líder dentro da comunidade11. Isso fica explícito no versículo chave: “Mas, se tardar, para que saibas como convém andar na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, a coluna e firmeza da verdade” (I Tm.3.15).
Parece trazer em si uma preocupação com o modo comportamental dos Cristãos da comunidade que o jovem Timóteo apascentava. Os versículos 9 e 10 do capítulo 2, trazem em si a continuidade de pedido do verso 8, que era a oração feita com pureza , sem ira e animosidade.
No verso 10 é enfatizando o propósito Paulino, que as mulheres Cristãs dessem testemunho, antes de qualquer coisa, com suas obras. É relevante se observar o comentário de J. N. D. Kelly sobre essa passagem:
Não era a idéia de Paulo que ás mulheres que frequentavam as reuniões da Igreja devessem faltar adorno [...] o apóstolo quer que a seção feminina da congregação se torne atraente, porém com boas obras (como é próprio das mulheres que professam ser piedosas).12
Uma tradução mais literal
Do mesmo modo também as mulheres em comportamento moderado, com decência e autocontrole se ornamentem, não com penteado e adereço de ouro ou pérolas ou roupas caras, mas como é próprio a mulheres que se declaram piedosas (que servem com reverência a Deus), através de boas obras.13
Percebe-se que a tônica de I Tm. 2.9,10 é uma chamada á prática de uma fé Cristã genuína (boas obras), muito embora o portar-se com decência e pudor seja uma constante nos ensinos do apóstolo dos gentios, e que ademais, cabe para a vida Cristã em todas as áreas.
Vestindo-se para a glória de Deus
É salutar que todo Cristão tenha autodisciplina, buscando sempre que em suas práticas Deus seja louvado:”portanto,quer comais,quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus”. I.Co.10.31 .
A temperança, (domínio próprio) que faz parte do fruto do Espírito (Gl.5.23),deve ser uma virtude cultivada por todo cristão piedoso que busca fazer a vontade do seu Senhor.
Quando esteve diante do governador Festo,Paulo testemunhou da sua fé falando a essa autoridade secular da justiça de Deus,do juízo vindouro, e claro, do domínio próprio. (At.24.25).
Vive-se em um tempo em que os valores destoam quase que totalmente daqueles apontados pelas escrituras, são tempos difíceis (II Tm.3.1),quando a igreja tem sido atacada,vilipendiada,ridicularizada de todas as formas por uma filosofia de vida aética e que supervaloriza o ter em detrimento do ser.
Nesse contexto, parece estranho se falar em ética,decoro, e sobretudo em santidade... As escrituras, no entanto, exortam a que se busque a santificação em todo o procedimento. (I.Pe.1.15).
E isso inclui as vestes, ou o modo de se vestir. Questões como: o que vestir, no que concerne a cultura pode ser relativo, já que as vestes dos Israelitas possuíam suas peculiaridades culturais próprias da sua região, entretanto, o que se pode depreender nas entrelinhas, é que o povo de Deus relatado nas escrituras era cuidadoso no quesito vestimenta.
Os homens usavam túnicas, que eram vestes semelhantes a camisas, que se prolongavam dos ombros aos joelhos. Um cinto ou uma faixa, de nome “cinturão” no novo testamento, era enrolado em volta da cintura; e também eram usadas sandálias grosseiras nos pés, e um turbante ou chapéu na cabeça. [...] As mulheres usavam uma túnica curta como roupa de baixo, e algumas vezes usavam uma túnica externa brilhante colorida que descia até os pés. As mulheres mais elegantes usavam cosméticos em grande abundancia o que incluía o batom, sombras para os olhos, pinturas das sobrancelhas, e, quando se tratava de jóias, usavam brincos e pendentes no nariz. [...] na palestina os homens deixavam a barba crescer. Seus cabelos eram conservados um pouquinho mais longos de que em outras regiões , mas não tão compridos como se vê nas gravuras que representam pessoas dos tempos bíblicos. A moda na palestina, usualmente se mantinha em níveis conservadores para ambos os sexos. (Gundry-Robert H,Panorama do Novo testamento,p.29.)
Nota-se, conforme as afirmações supracitadas, que embora o povo palestino tivesse cuidado com a aparência, jamais tal zelo parece descambar para uma atitude vulgar ou amoral.
Percebe-se também, que as escrituras desde o principio dão uma conotação negativa para a nudez e o despudor.
Quando houve o pecado do casal no Éden, o que se pode observar é que ambos ao se acharem nus ficaram bastante envergonhados, a ponto de providenciarem vestes as quais, ao que tudo indica, não satisfizeram os padrões Divinos de decência (Gn 3.7), tanto que foram providenciadas vestes de peles de animais, e o próprio Deus os vestiu (Gn.3.21).
No episódio em que Noé embriagou-se e expôs sua nudez, foi louvada por ele a atitude respeitosa dos seus filhos Sem e Jafé, que fizeram questão de não observarem a situação constrangedora de seu pai, ao contrário,além de não verem Noé sem roupas, evitaram também fazer alarde do que acontecera.
De modo contrário, Cam não teve o cuidado de preservar o seu pai, viu a sua nudez e ainda comunicou o que vira aos seus irmãos (Gn.9.20-25). Em Ex.28.42,43 é relatado o cuidado que o sacerdote deveria ter ao prestar o serviço no santuário, produzindo para si roupas intimas (calções) com o intuito de não revelar sua nudez, pois isso seria um ato abominável ao Senhor, Digno de morte.
No Novo testamento a nudez traz em si uma conotação negativa, demonstrando sempre está ligada ao pecado e ao mal.
Isso pode ser visto na ocasião em que Jesus libertou o geraseno da legião demoníaca que o afligia, o texto bíblico afirma que logo após ser liberto, e estar no uso normal das suas faculdades mentais, uma das primeiras atitudes desse homem foi vestir-se (Mc.5.15).
Muito embora isso não signifique que todas as pessoas que efetivamente usem pouca roupa, ou andem seminuas, estejam endemoninhadas, porém não se pode negar que há na nudez influências do deus deste século (II.Co.4.4), que indubitavelmente cega o entendimento dos incrédulos .
No âmbito espiritual, a nudez traz em si o significado de desgraça; que significa está destituído da graça, ser desafortunado, infeliz. Isso é o que se vê no registro de apocalipse, quando João relata que Laodiceia estaria cega e enganada por causa das suas iniquidades.
Observa-se como uma das peculiaridades que a faziam ser rejeitada por Deus era sua nudez, da qual não se envergonhava (Ap.3.17,18).
É sabido que a linguagem do livro de apocalipse é simbólica, no entanto, tal gênero ao usar a figura da nudez, mesmo apontando para o âmbito espiritual, usa-a partindo do pressuposto de que a nudez é em si mesma vergonhosa. Do mesmo modo, nota-se em coríntios, Paulo usando esse vocábulo no sentido de reprovação.
E, por isso, neste tabernáculo,gememos,aspirando por sermos revestidos da nossa habitação celestial; se, todavia, formos encontrados vestidos e não nus. Pois, na verdade, os que estamos neste tabernáculo gememos angustiados, não por querermos ser despidos, mas revestidos,para que o mortal seja absorvido pela vida.(IICo.5.2,4.)
Os escritos Paulinos estão eivados de ensinamentos sobre ética, moral e bons costumes.
Em alguns deles, chama atenção para que se evite o escândalo, ou atitudes que o tragam sobre a igreja ( Rm.14.21, 1co.10.32 , 2Co.6.3, Fp1.10).
A fim de que isso não ocorra, o caminho provido por Deus para o cristão sem dúvida, é a santificação, que se inicia no momento em que alguém é recebido por Deus em seu santo aprisco (2Tss.2.13), e segue por toda vida cristã (2.Co.7.1)
A santificação dos filhos de Deus
Para se falar em santificação necessário se faz conhecer o significado da palavra santo. O dicionário bíblico John Davis traz uma argumentação na busca de elucidar o significado deste vocábulo.
A palavra hebraica geralmente usada é kadosh, que significa “separado”, ”santo”. No novo testamento, é representada pela palavra grega hagios. Emprega-se para designar as pessoas ou coisas destinadas ao uso sagrado, bem como os dias reservados a serviço religioso,Êx20 8;30.31;Lv21.7;Nm5.17;Ne8.9;Zc14.21,tudo que a lei cerimonial manda separar,Êx22.31;Lv20.26, a purificação da carne e do espírito ,2 Co7.1; I Ts 4.7, inclusive a separação dos falsos deuses e das práticas pagãs, Lv20.6,7;21.6. Em um sentido mais lato, Deus é santo porque é separado de todos os outros entes pelas suas infinitas perfeições, como, a sabedoria, o poder, a santidade, a justiça, a bondade, e a verdade, cuja glória enche a terra, Is. 6.3. Os mesmos santos anjos rendem preito à sua santidade.( Davis, John, novo dicionário da Bíblia,TRD.J.r. Carvalho Braga- São Paulo,Sp: Hagnos,2005.p.1114.)
Para o apóstolo dos gentios, Deus chamou os seus filhos para a santificação; Ef.1.4 e para que sejam verdadeiros luzeiros em um mundo pervertido e entregue a escuridão (Fp.2.15).
O professor Walter t. conner faz um relevante comentário sobre a ideia ortodoxa da santificação em dois prismas aparentemente distintos: a santificação judicial paga por Cristo na cruz e imputada sobre o pecador quando crê, e a santificação refletida na vida como resposta positiva do eleito ao chamado de Deus.
O emprego predominante que Paulo faz do verbo santificar e do substantivo santificação refere-se à iniciação na vida cristã. Mas o apóstolo emprega também esses vocábulos quando trata da pureza moral da parte do crente em sua vida diária. Quem pensar que Paulo foi um idealista teórico está redondamente enganado. O apóstolo insiste com seus conversos para que tenham uma vida bastante moralizada, e lhes apresenta o poder do Espírito como a esperança de assim se portarem no meio da sociedade pagã. {...} Assim o Apóstolo ardorosa e insistentemente batalhava pela santificação, combatendo a impureza, e notadamente a imoralidade sexual (Romanos 6:19-23;I Tessalonicenses 4;1-8;5:23; II Tss..2.13). No trecho da carta aos Romanos, Paulo insiste em doutrinar que não se pode servir a dois Senhores; e que não se pode servir a um tempo ao pecado e á retidão. Servir ao pecado significa morte; servir a Deus e a retidão significa santificação e vida eterna. (Conner,1961,p.135)
A santificação a partir do pensamento esposado por Conner (1961) dá oportunidade a que se busque uma linha teológica mais esclarecedora, que de fato encontra lugar e propósito no pensamento de Wayne Grudem.
Obedecendo a certa ordem sistemática em três estágios: 1) começa na obra da regeneração efetuada na vida do crente quando da sua conversão 2) é progressiva, não alcançando um estágio satisfatório nessa vida 3) só é alcançada em plenitude no momento do encontro final do cristão com Deus, seja no momento da morte, ou na vinda do Senhor.
  1. Começa na obra da regeneração. No momento em que o pecador se rende a Cristo é operada nele a obra da justificação: “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus.” (Rm.8.1)
  2. O texto paulino fala de uma ação judicial da parte de Deus. Estando em Cristo, o pecador não estar só livre do pecado, mas sim justificado dele, isso implica em que todos os pecados dantes cometidos não foram somente apagados por Deus, mas pagos pelo sacrifício vicário de Jesus, que tomou o lugar do pecador, isentando-o de ser condenado por eles, e mais ainda, Jesus não só salvou o pecador, sofreu e morreu por ele (I.Pe.2.24).
O pecador no momento em que crê na morte salvífica de Jesus recebe pela fé a justiça que vem de Cristo, ou seja, a justiça imputada pela fé: “Ora, ao que trabalha, o salário não é considerado como favor, e sim como dívida. Mas ao que não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça.” (Rm.4.4,5).
Enquanto a justificação (grego dikaiosune #) foi uma declaração de absolvição, da parte de Deus, que nos deu o status de santos, sem nenhuma condenação (Rm.8.1), não entendemos a santificação da mesma maneira.[...] Obviamente os que recebem o Espírito de Deus , incorporados em Cristo, são posicionalmente santos. Por isso um dos títulos mais comuns atribuídos à igreja no novo testamento é “santos”. Neste sentido os dois vocábulos, “justos” e “santos”, são sinônimos. [...] Parece fundamental não esquecer que Cristo foi feito para nós esta santificação que almejamos (I.Co.1.30). Mas como entender esta verdade de maneira prática? Como podemos tornar em comportamento o que já somos posicionalmente em Cristo?[...] O caminho bíblico que devemos seguir não apaga a vontade própria. Não opta pela apatia ou o desligamento, mas pela união. Sem uma ligação vital com Cristo não há possibilidade de justificação (Cl.1.27). Sem Cristo atuando em nós pelo poder do Espírito, não haverá avanço na santificação (Cl.1.27). (Shedd,1990,p.56,58).
Essa asseveração do Dr. Shedd, aclara a ideia de que a santificação estar intrinsecamente ligada e subordinada a um relacionamento pessoal do homem com o Senhor Jesus, como peremptoriamente disse o mestre:
“Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós. [...] Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer.” (Jo.15.4,5).
Assim, o crente justificado pela fé pode ser inserido no corpo de Cristo (Igreja), participando da família de Deus. Obviamente nesse momento, além de receber a justificação imputada por Cristo, de forma simultânea recebe também a santificação: ”Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos foi dado beber de um só Espírito (I Co.12.13.).
O acesso á comunhão do corpo de Cristo, é concedida ao pecador mediante a justiça observada no sacrifício vicário de Jesus : “Sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus.”(Rm.3.24.)
Calvino chegou a exclamar que provavelmente não havia nas escrituras uma passagem que ilustrasse de forma tão agigantada a eficácia da justiça divina demonstrada em Cristo como esse versículo de Romanos.
Pois se o plano de salvação é a causa eficiente; o sangue do cordeiro de Deus é a causa material; a fé que o pecador obtém ao ouvir a palavra (Rm.10.17) é logo o instrumento usado por Deus para trazer o pecador ao arrependimento (Calvino,2001,p135).
Tudo isso redundando em glória ao Deus todo poderoso, mediante seu projeto inequívoco, articulado na eternidade (Ap.13.8), e sua perfeita justiça levada a efeito na expiação do Deus encarnado na cruz( At. 20.28).
Ainda no que concerne á justificação que o Senhor imputa ao pecador no momento em que esse crê, que concomitantemente leva-o à santificação, se faz necessário a observação que isso é sobretudo, obra da soberana graça de Deus
[...] os dois termos (doreá-dom gratuito, e cháris- graça) ocorrem associados outra vez em 5.17. Assim, tanto pela forma por que se opera como por suas profundas origens em Deus, é a justificação estranha ao principio de retribuição que dominava o regime da lei (tal como os judeus pelo menos o compreendiam); não tem o homem de prover uma “obra” cuja dificuldade comprometeria a proposição da salvação. O que o homem não pode fazer é Cristo Jesus que o fez. O pecador era escravo de uma situação; o Cristo intervém e o liberta. Tudo se passa até este ponto em favor dele, fora dele, porém. [...] a libertação é a obra de Cristo mediante a comunhão que une o crente a Cristo. Requerem-se ambos os sentidos, como em fp.2.5. As graças presentes em Cristo são oferecidas e acessíveis aos crentes em união com Cristo e seu corpo eclesiológico. (Leenhardt,1969,p.101,102).
Desde então, por ser partícipe da santidade de Deus, o cristão anda na busca continua da santificação pessoal: “Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor (Hb.12.14).
O vocábulo “segui” (diokete) está posto no sentido de perseguir, envidar esforços em busca de algo (chave linguística). “É uma palavra enfática, e expressa algo do afã da perseguição de caça” (Guthrie, 1984).
A ideia de correr atrás denota mais uma vez o lado dicotômico da santificação, que levará impreterivelmente á análise da necessidade de se responder em santidade de vida, a santidade adquirida por imputação Divina.
  1. A santificação é progressiva.
“Mas a vereda do justo é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito” (Pv.4.18). Esse texto parece demonstrar que o caminho estreito do justo (é isso que significa a palavra vereda) ( ), foi decretado por Deus como um caminho de progresso na sua vida de fé .
Cada vez mais luz, significando cada vez mais iluminação, mais conhecimento, mais santificação. O versículo posterior dá uma clara indicação disso, quando analogicamente cita o caminho do ímpio: “O caminho dos perversos é como a escuridão; nem sabem em que eles tropeçam”. (Pv.4.19).
Enquanto o ímpio nem discerne em que está tropeçando, ou qual a verdadeira causa desse tropeço, o cristão de modo contrário, possui cada vez mais luz que lhe outorga discernimento (I Co.2.15) e o empurra sempre para diante, rumo à perfeição.
O conhecimento é em si mesmo provedor de liberdade: ”Feliz o homem que acha sabedoria, e o homem que adquire conhecimento” (Pv.3.13).
“Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo.8.32). O contrário disso é derrota, destruição: “O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento [... [rejeitaste o conhecimento... (Os. 4.6).
isso fica explícito nas palavras de Jesus a respeito da rejeição que sofreu por parte do seu povo, e que lamentou profundamente:” E dizia: ah! Se conheceras por ti mesma, ainda hoje, o que é devido á paz! Mas isto está agora oculto aos teus olhos.
(Lc.19.42). ou seja, faltava a Jerusalém o conhecimento de quem era aquele homem que lhes estava trazendo as novas do Reino de Deus.
O conhecimento por si só não fará diferença alguma se não for aplicado, pois ele é o elemento que traz conscientização e entendimento, entretanto, em si mesmo não há vida.
O conhecimento carece de um elemento catalisador, e isso se refere a toda esfera do conhecimento humano. Esse elemento catalisador chama-se ação, que é o elemento que coroa o conhecimento. Conhecimento sem uma aplicação dinâmica é como a fé sem obras; vazia, inócua e morta (Tg.2.17).
A santificação perpassa nitidamente pelo caminho da ação. Como foi observado, a santificação traz em si um elemento dicotômico, já que em si mesma é ativa e passiva.
Ativa, pois é geradora de mudança de status daquele que a recebeu. Isso pode ser observado nos crentes de Corinto, embora possuíssem muitos problemas de ordem espiritual (eram carnais), de ordem moral (eram por vezes amorais), receberam de Paulo a nomenclatura de santos, deixando explícita essa dicotomia:
“à Igreja de Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos...”( I Co. 1.2).
Os Coríntios haviam sido santificados a partir do momento em que se tornaram de fato pertencentes a Cristo, e esses mesmos Coríntios, por serem santificados devido a esse relacionamento passivo com Deus, se tornaram objeto do amor santificador de Deus.
Consequentemente são chamados e conclamados por ele á santificação. O Dr. Leon Morris comenta essa passagem Paulina, no intuito de lançar alguma luz sobre esse tema.
Aqui a igreja é ademais definida como os santificados em Cristo Jesus e como os chamados para ser santos. Ambas expressões expõem o pensamento de que os cristãos são separados para o serviço de cristo. Santo é da mesma raiz de santificado. Para nós, a ideia comunicada por ambas as palavras é a de caráter moral elevado. Ao invés disso, o grego sugere a ideia de ser separado para Deus (conquanto, naturalmente, o caráter envolvido nessa separação não esteja fora de cogitação). ( Morris,Leon, 1983, p.27,28).
A santificação será levada á termo de forma ativa, através de uma resposta positiva ao chamado Divino. O cristão é chamado para ser santo (Ef. 1.4) e essa santidade é inerente a sua condição de filho.
Se for filho, logo o código genético o denunciará, algo irá demonstrar essa filiação: sejam os traços físicos, os trejeitos ou mesmo a personalidade. De modo semelhante acontece com a filiação Divina, se alguém é de fato filho de Deus, isso ficará demonstrado através de suas obras.
O evangelho de Mateus faz um registro significativo disso, ao mostrar o discurso que João batista dirigia ao povo de Israel: “produzi, pois, frutos dignos de arrependimento.” (Mt.3.8).
Para logo em seguida demonstrar que “bons frutos” apontam para a filiação de quem os produz:” já está posto o machado á raiz das árvores; toda árvore, pois, que não produz bom fruto é cortada e lançada no fogo”( Mt.3.10).
O comentário feito por Tasker sobre estes textos de Mateus parecem indicar uma necessidade premente de uma resposta ao chamado Divino traduzida em uma vida de santidade.
[...] precisavam compreender também que arrependimento simplesmente verbal, que não resultasse numa conduta coerente com o mesmo, era inteiramente sem valor. [...] A necessidade de arrependimento era vital, pois o julgamento vindouro era tão inevitável e tão imediato, que o profeta podia já ver em sua imaginação a floresta onde o lenhador já estava trabalhando com seu machado contra a raiz das árvores condenadas à derrubada e à queima por terem deixado de produzir bom fruto (Tasker,p.38).
O povo Israelita arrogava sobre si mesmo a premissa de filiação divina, no entanto, suas obras davam um testemunho que contrariava fortemente aquilo que confessavam: “Se sois filhos de Abraão, praticai as obras de Abraão” (Jo.8.39).
Jesus de modo contundente desmascara os seus contemporâneos Judeus: “Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos” ( Jo.8.44).
Noutra ocasião, Mateus registra um comentário do mestre no qual dá farta ênfase à prática da vida Cristã idônea e salutar, demonstrando inapelavelmente que as obras não salvam, todavia caracterizam o salvo, apontando para sua filiação:
“Toda árvore que não produz bom fruto é cortada e lançada no fogo. Assim, pois, pelos seus frutos os conhecereis” (Mt.7.19,20). São muitas as implicações no que concerne a conduta, com vistas à vida eterna, seja no que diz respeito ao cristão nominal ou como se refere o texto supra, aos falsos profetas.
Wanderley Nunes

REFERÊNCIAS.
Bíblia Sagrada – Revista e Atualizada – Edição 1996.
Bíblia de Estudo Pentecostal. Edição 1995.
COSTA, José C. de L. As Epístolas. FATEB, 2007. Obra não publicada.
KELLY, J. N. D. I e II Timóteo, Introdução e Comentário. Vida Nova e Mundo Cristão, S. Paulo, 1983.
MILLER, Ênio R. I Pedro, Introdução e comentário. Vida Nova e Mundo Cristão, S. Paulo, 1988.
RIENECKER, Fritz/ ROGERS, Cleon. Chave Linguística do Novo Testamento. Vida Nova, S. Paulo, 2007.
RUSCONI, Carlo. Dicionário do Grego do Novo Testamento. Paulus, S. Paulo, 2003.
SCHOLZ, Vilson. Novo Testamento Interlinear, Greco-Português. Sociedade Bíblica do Brasil, S. Paulo, 2004.
ZUCK, Roy B. A interpretação Bíblica. Vida Nova, São Paulo, 1997.
*Ensaio escrito por Wanderley Nunes.
1Zuck, Roy B. A Interpretação Bíblica, p.16, 19.
2Cl. 2.8.
3GONDIM, Ricardo. É Proibido. P. 69,
4Gn. 24.22.
5Gn.24.47.
6Gn. 24. 43. 44.
7Gn. 41. 42.43.
8Dn. 5.16 e 29.
9STAMPS, Donald C. Bíblia de Estudo Pentencostal. p. 1934, 1935. MULLER, Enio R. I Pedro, Introdução e comentário. p. 33 a 35.
10Tradução do texto grego, feita W. Nunes.
11COSTA, José C. L. As Epístolas. p. 51. FATEBE, 2007.
12 KELLY, J. N. D. I e II Timóteo introdução e comentário. p. 70.
13Tradução do grego, feita por Wanderley Nunes.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Existe pecado maior ou menor?


No início da era da Igreja se falava em pecados veniais, aqueles ditos mais “leves”, “perdoáveis” e em pecados mortais, para os quais não havia perdão. Ainda hoje o catecismo católico trata desse tema, mas a grande questão é : O que as Escrituras falam a respeito? Há diferença nos pecados? Deixemos a Bíblia falar.
“Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus” ( Mt. 5.19).
“Portanto, eu vos digo: Todo o pecado e blasfêmia se perdoará aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada aos homens. E, se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no futuro” ( Mt.12. 31,32).
“Respondeu Jesus: Nenhum poder terias contra mim, se de cima não te fosse dado; mas aquele que me entregou a ti maior pecado tem” (Jo. 19.11).
Nos três textos citados fica explícito que Deus faz diferença sim entre a gravidade e o tipo de pecado. Em Mt. 5.19 podemos observar que há no pensamento de Jesus mandamentos maiores e menores, isso é ratificado em Mt. 22. 35-40. As Escrituras declaram que toda a plenitude de Deus habitou em Jesus (Cl. 1.19), assim como no corpo dele Deus habitou totalmente (Cl. 2.9).
Logo, havia diferença entre um ataque pessoal ao Jesus homem, porém, resistir a palavra do Senhor e reputar as obras do Espírito Santo em Cristo como obras do diabo, era blasfemar contra Deus, e consequentemente pecar para a morte (Mc.3. 29; I Jo. 5.16).
Seguindo essa linha de pensamento podemos observar que uma atitude de resistência ao Espírito de Deus, não dando ouvidos a sã doutrina, caracteriza o incrédulo e pecador : “Quem é de Deus escuta as palavras de Deus; por isso vós não as escutais, porque não sois de Deus”. Jo. 8.47.
Mateus 5.27, 28
“Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo, que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela”. (Mt. 5. 27, 28). Este é sem dúvida, um dos textos mais usados para se argumentar que todos os pecados são iguais, entretanto, qual é o seu real contexto, a que ele se refere?
No versículo 20 do referido capítulo Jesus afirma que a justiça dos seus discípulos deveria exceder a dos escribas e fariseus, e há inclusive, uma boa explicação para tal afirmação. Os religiosos da época de Jesus viviam uma fé exclusivamente legalista e ritualista, onde não havia lugar para o que vinha do Espírito (Mt. 23.1-7).
Jesus então mostra-lhes que não basta possuir uma religião austera e sacramental, isso não muda o coração do homem, no máximo ele será “educado” na sua religião, o mal que porventura exista (e existe!) não será vencido com penitências, jejuns, vigílias e afins. O pecado só perde sua força mediante o novo nascimento, e isso, só Deus faz.
Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome; Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus (Jo.1.12,13).
Logo, o que Mt. 5. 27, 28 retrata é a excessiva pecabilidade do homem e a inutilidade de uma religião meramente formal, que desprovida de uma ação do Espírito não possui poder para mudar o lugar de onde brotam as maldades humanas: O coração. Aqui cabe perfeitamente a asseveração do mestre : Abandonar apenas a prática não livra da maldade que é peculiar ao homem que não nasceu de novo. Se pode refrear a prática pecaminosa a título de uma santidade cristalizada pelo dogma, embora se continue pecando no campo das ideias e intenções.
O adultério, ao qual Jesus se refere, foi no “coração”, enfatizando a maldade interior, já que mais adiante Paulo, inspirado pelo mesmo Espírito Santo que estava em Cristo, fala da gravidade que é pecar contra o próprio corpo : “Fugi da prostituição. Qualquer outro pecado que o homem comete, é fora do corpo; mas o que se prostitui peca contra o seu próprio corpo”. (I Co.6.18).
Tudo isso só reforça a ideia de que na verdade, há sim pecados maiores e menores. Ter desejos condenáveis pelas Escrituras é grave, porém cometer o pecado de fato, é muito mais grave. É claro que há a necessidade de se vencer o mal no âmbito mais importante e decisivo para a vida cristã: No coração.
“Guarda com toda a diligência o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida”.(Pv.4.23.)
O pecado para a morte
“Se Se alguém vir pecar seu irmão, pecado que não é para morte, orará, e Deus dará a vida àqueles que não pecarem para morte. Há pecado para morte, e por esse não digo que ore.” (I Jo. 5.16.).
O texto Joanino parece iniciar com uma incongruência no que concerne ao pensamento do apóstolo, já que seus escritos de forma enfática apontam sempre para a segurança do cristão com relação a sua salvação e posição em Cristo (Jo. 5. 24, Jo.10.28, I Jo. 5. 13). Ele chama aquele que não pecou para a morte de irmão, no entanto, diz que se esse irmão não cometeu tal pecado deve-se orar por ele para que tenha vida.
Podemos observar claramente que o termo “irmão” aqui não está sendo usado no sentido de comunhão na fé, essa pessoa não é um cristão, pois no versículo 11 até o 13 do mesmo capítulo o apóstolo afirma que em Cristo temos a vida eterna, enquanto que esse “irmão” não tem vida espiritual, está morto.
“Se alguém vir seu irmão cometer um pecado que não é para morte, pedirá, e Deus dará a vida àqueles que não pecam para a morte”. (I Jo.5.16). Concluímos então que o termo “irmão” aqui está sendo usado em um sentido cortês, é como se dissesse “amigo”, “próximo”.
O ponto a ser aclarado é : “há pecado para morte, e por esse não digo que ore”. Outra vez podemos compreender o texto a partir do seu contexto. O versículo 18 diz que aquele que é nascido de Deus não peca, e é lógico que está falando do pecado que é para morte, pois o mesmo João na mesma epístola afirma categoricamente que todos nós pecamos e que se alguém diz que não peca é mentiroso (I Jo.1.8, 10).
Mediante o que vimos, temos condições de perceber que o cristão, aquele que é nascido de novo não pode pecar para a morte (leia o texto: Há pecado maior ou menor?), pois o Senhor o guarda e o maligno não lhe toca. Somente não sendo de Deus é que se pode resistir a sua voz e ultrajar o Espírito da graça (Jo. 8.47, Hb. 10.29), recebendo como recompensa a morte eterna.
Tg. 2.10
“Pois qualquer que guardar toda a lei, mas tropeçar em um só ponto, tem-se tornado culpado de todos.”
Para que comecemos entender Tg. 2.10 se faz necessário compreendermos que basicamente se trata de um escritor judeu-cristão, vivendo em um período em que ainda se desconhecia a teologia Paulina. Percebemos isso em seu estilo literário recheado de sentenças e máximas muito próprias do livro de provérbios.
A despeito de querermos analisar o verso 10, é imprescindível retrocedermos ao versículo 2 do mesmo capítulo, onde Tiago, por força do costume, chama o lugar de culto dos cristãos de “sinagoga”, traduzido equivocadamente em algumas versões em português como “vosso ajuntamento” ou “vossa reunião”. Tal expressão explicita um judaísmo muito presente no pensamento do líder de Jerusalém, assim como todo o desenvolvimento do seu escrito.
É relevante observar que Tiago está tratando da questão de se fazer acepção de pessoas. Vale ressaltar também, que esse apóstolo procura em toda a carta por uma convivência harmoniosa do cristianismo com o judaísmo, mesmo demonstrando em seu linguajar estar muito arraigado as suas raízes judaicas .
Ao combater a acepção de pessoas ele afirma que o que deve guiar o povo de Deus é o mandamento: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv.19.18). Sua argumentação segue no viés da moral e da ética, apelando sempre para o pensamento de que os “detalhes” da lei, no sentido em que retratam Deus em sua santidade interagindo com seu povo, não devem ser jamais desprezados.
Relegar tais “minúcias”, seria o mesmo que menoscabar a Deus e o seu caráter. Tiago apela então para o legalismo judaico a fim de preservar o espírito da lei, demonstrando que não basta o refrear algumas práticas condenadas pela torá, sem no entanto, ter comunhão com o Espírito que a inspirou. Seria como tentar fazer um leão aderir a natureza de um cão poodle permanecendo como um leão, o que seria uma tarefa impossível. O leão precisaria se transformar em um poodle, caso contrário, jamais sua natureza leonina poderia ser mudada.
Diferente daqueles que defendem um legalismo rígido nesse escopo textual, o que se depreende da assertiva do apóstolo é uma ênfase à impossibilidade de se cumprir a lei seguindo parâmetros meramente religiosos em nome de uma legalidade engessada e privada do Espírito.
Não sem razão, Tiago afirma que a igreja honra os ricos em detrimento dos pobres, muito embora, sejam eles os que os oprimam e os levem aos tribunais. Com isso, o escritor sacro está afirmando incisivamente que do mesmo modo que alguém pode não cometer adultério, porém ser homicida, aqueles estavam fazendo acepção de pessoas, e a despeito de serem guardadores rígidos da lei, estavam sendo julgados pela lei como transgressores.
Da mesma forma, guardando esses preceitos formais (não matar, não adulterar, etc...), entretanto, não amando ao próximo, que para Tiago é a lei “real”, leia-se: A verdadeira lei, ou lei maior, é pecar contra o promulgador dela. Assim, o que se pode observar é que o apóstolo direciona sua atenção ao Senhor, por isso diz : “O mesmo (Deus) que disse : Não adulterarás, também disse: Não matarás” (Tg.2.11).
O capitulo 2.1-13 por si só demonstra haver pelo menos um mandamento maior, que é o do amor ao próximo, sendo ele a base de sustentação de toda a lei. De nada vale uma lei pétrea que prescinde de um mandamento maior, o qual retrata sem prolegômenos o real caráter do seu legislador. Por essa ótica, se pode concluir que Tiago 2. 10 diz, e muito claramente, que o cristão reflete em amor e misericórdia a figura do seu Deus, pois ele é amor.
Pr. Wanderley Nunes.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Pastores políticos ou políticos pastores?


É comum a todo humano o não estar satisfeito com sua disposição ante a vida e a sociedade, creio até ser essa uma fagulha divina a soprar incessante no espirito do homem. A busca pelo crescimento, o instinto cientifico que forja o saber e a pesquisa, e que traz consigo o sabor inebriante das vitórias, conquistas e reconhecimento, recompensa justa de um trabalho bem feito.
O que está sendo posto em cheque aqui entretanto, não é a possibilidade de mudança de atitude, profissão ou modo de encarar a vida, para tudo isso Deus tem dado liberdade ao homem. Falamos de “ chamado” ou “vocação” que vem da palavra latina vocare = chamar. Vocatio = chamamento, chamar, eleger, escolher.
E é ai onde reside toda a importância da nossa discussão. No uso dos dons e talentos naturais, os quais sem sombra de duvida também nos são dados por Deus, juntamente com eles se recebe o direito de não utilizá-los e/ou seguir um outro caminho, sem prejuízo para si ou para os outros no âmbito eterno. Todavia, quando se trata do vocatio Divino a decisão humana terá sempre implicações eternas.
Se voltarmos o nosso olhar para o vocatio apostólico iremos vislumbrar de forma inconteste o que Deus espera dos seus ministros. Em Mateus 4.17-19 vemos o registro disso. Pedro e André ouvem a voz do Mestre e abandonam o labor profissional, daquele momento em diante começam a aprender o que é ser um ministro do Reino. É pertinente a observação de que os discípulos deixam para trás suas vidas e seus sonhos, a fim de viverem a vida e o projeto de Reino.
Vemos claramente no episódio em que desesperançados devido a morte de Cristo, buscam voltar a sua antiga vida e profissão, o que sucede? Fracassam, pois não eram mais pescadores de peixes e sim de almas. “ Disse-lhes Simão Pedro: Vou pescar. Dizem-lhe eles: Também nós vamos contigo. Foram, e subiram logo para o barco, e naquela noite nada apanharam.” Jo.21:3. O mesmo se deu com Paulo, abandona todas as perspectivas de uma carreira rabínica no judaísmo, por causa do vocatio Divino.
“ E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como escória, para que possa ganhar a Cristo”. Fp. 3.8. Caminhando em direção ao contexto desse escrito Paulino, podemos de forma inequívoca ver que o apostolo está tratando da sua vida e posição no mundo hebreu. Podemos ouvir o vociferar da sua palavra escrita quanto ao Divino chamado para o ministério: “ Ninguém que milita se embaraça com negócios desta vida, a fim de agradar àquele que o alistou para a guerra.” II Tm 2.4.
O proeminente pastor Billy Graham parece ter compreendido muito claramente o seu vocatio Divino. Ao receber o convite para concorrer à presidência da República dos Estados Unidos da América, recusou dizendo: “Por acaso eu trocaria o Santo Ministério da Palavra de Deus por um cargo tão insignificante?” Pastores políticos ou políticos pastores? Definitivamente não há como se equacionar tal problema sem perpassar à máxima maquiavélica em que “ os fins justificam os meios.”
Entendo a importância da política e a urgência que a igreja tem de se posicionar como luz e sal que é, entretanto, entendo também que Deus tem os seus vocacionados para essa tão importante empreitada, a qual não sobrepuja nem de longe a “eleição” feita àquele chamado para “presidir” as ovelhas do Senhor.
Pr. Wanderley Nunes

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

I Encontro cristão: Somente pela Graça

Cair no Espirito

imageMuito tem se falado nos últimos dias sobre a prática de “cair no espírito”. Continuamente nos questionam: “existe apoio Bíblico para o que se observa em algumas igrejas?” Para responder tal indagação é necessário buscarmos a gênese dessa prática, que se metamorfoseou em um movimento que ganhou o epíteto de “cai cai”.
Apesar de não ser algo novo, o “cair no espírito”, assim nominado, passou a se tornar famoso em 1994, devido aos cultos realizados no templo da Igreja Comunhão da Videira do Aeroporto de Toronto, no Canadá, que dava farta ênfase as manifestações físicas do que se acreditava ser uma poderosa obra do Espírito de Deus.
Logo os cultos naquela localidade passaram a se tornar bastante concorridos; com avidez as massas fizeram do “cair no espírito” um sonho de consumo, um novo manancial, ou o que costumamos chamar: uma sobrebenção. E foi justamente por esse viés que a Igreja do Aeroporto, como hoje é conhecida, tornou-se célebre em todo o mundo.
Não nos cabe nesse espaço criticar, nem denegrir a imagem de ninguém, pois já existe muita gente fazendo isso, o que é interessante que se faça é uma análise neotestamentária do assunto, não com o intuito de ridicularizar quem quer que seja, mas buscar o esclarecimento através de uma análise lúcida e extremamente Bíblica, a fim de que o leitor que é amante da palavra de Deus possa ser incitado à reflexão e ao pensar Bíblico.
Cair na presença de Deus
Nos limitaremos a tratar dos episódios neotestamentários registrados antes de Pentecostes e depois de Pentecostes, pois se você é cristão, urge compreender que o cristão está debaixo da nova aliança instituída por Deus (Hb. 8.6; 12.24), outrossim, é pertinente a observação dos contextos em que cada episódio se deu, as reações dos personagens neles inseridos, bem como, os resultados advindos de tais fatos.
Paulo
A experiência de Paulo é um exemplo magnífico de quem se encontra com Deus, ele cai por terra não por causa do Espirito que vem sobre ele, mas pelo resplendor de luz que o cerca, deixemos o texto falar por si só: “Ora, aconteceu que, indo eu já de caminho, e chegando perto de Damasco, quase ao meio-dia, de repente me rodeou uma grande luz do céu. E caí por terra, e ouvi uma voz que me dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? E eu respondi: Quem és, Senhor? E disse-me: Eu sou Jesus Nazareno, a quem tu persegues” (At. 22.6-8).
É interessante que se observe que Paulo cai por terra, porém mantém a lucidez, sabe perfeitamente o que está acontecendo a sua volta. Também deve se destacar que nesse momento ele não recebe o Espírito de Deus, tão somente é despertado de sua cegueira espiritual, alguns dias depois será batizado nas águas confessando seus pecados e passará a ser um templo cheio do Espirito de Deus.
“E Ananias foi, e entrou na casa e, impondo-lhe as mãos, disse: Irmão Saulo, o Senhor Jesus, que te apareceu no caminho por onde vinhas, me enviou, para que tornes a ver e sejas cheio do Espírito Santo. E logo lhe caíram dos olhos como que umas escamas, e recuperou a vista; e, levantando-se, foi batizado” ( At. 9.17,18).
João
É relevante observar que o encontro de Paulo e João com Cristo, não é meramente um encontro com o Nazareno, mas o encontro com o Jesus glorificado, ambos veem um resplendor de luz: “me rodeou uma grande luz do céu. E caí por terra” (Paulo). “E o seu rosto era como o sol, quando na sua força resplandece. E eu, quando vi, caí a seus pés como morto; e ele pôs sobre mim a sua destra, dizendo-me: Não temas; Eu sou o primeiro e o último” (João). Ap. 1.16,17.
No caso de João, ele havia andado com Jesus “nos dias da sua carne” (Hb. 5.7), havia estado no cenáculo no dia de Pentecostes, porém, o que o fez cair por terra foi o resplendor de luz do rosto de Cristo, o qual era “como o sol em sua força”, ou seja, foi uma situação atípica, não vemos nenhum desdobramento disso no ministério Joanino.
O cair pela glória de Deus não mais se repetiu no ministério de Paulo e muito menos no ministério de João, não vemos nem um ensinamento dos apóstolos com relação a esse fenômeno. Jamais se deve tomar fatos isolados e torná-los doutrinas, exigindo-se a prática comum em culto de algo que foi uma manifestação momentânea, com um propósito específico, que no caso de Paulo, foi revelar-lhe Jesus como o Senhor e a Igreja como o seu povo; e no caso de João, a revelação última do Cristo ressurreto e glorificado.
A manifestação do Espirito Santo hoje
Mesmo que um fato como esse ocorresse hoje, jamais teria em si próprio força de lei para ser legitimado como uma doutrina, pois essa seria uma operação incomum do Espírito Santo como já observamos - o qual dispõe os dons e suas manifestações conforme sua vontade soberana: “Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer” ( I Co. 12. 11)- E que com certeza careceria de um “Paulo” para pô-la em ordem, evitando os excessos.
A psicologia e as manifestações dos dons
O que se deve levar em conta é que cada individuo tem sua maneira de reagir a determinadas situações; cada ser humano tem sua particularidade de temperamento.
Há os sanguíneos, que são indivíduos geralmente alegres, porém, passam desse estado para a ira com muita rapidez, respondendo aos estímulos exteriores como muita facilidade. Há também os coléricos, cujo ponto forte é sua força de vontade por vezes indômita, entretanto, como o nome já diz, são propensos a cólera, se irritam com facilidade e tem arroubos de prepotência. Já os melancólicos são perfeccionistas, habilidosos, dedicados, entretanto tendem a serem inclinados a depressão e a se tornarem pessoas de comportamento anti-social. Há ainda os fleumáticos, que são aqueles que tem frieza de ânimo, são extremamente tranquilos, mansos e de fácil convivência, no entanto, são também desconfiados, com inclinação a desanimar com muita facilidade.
Logo, não se deve exigir, de quem quer que seja, uma reação uníssona no que tange as respostas psicológicas das operações do Espírito Santo, já que o temperamento de cada um o inclinará a uma determinada postura. O que as Escrituras falam com clareza é da necessidade de pôr essas reações em sua devida ordem para que o culto seja inteligível e edificante (I Co. 14.19 e 26).
Antes de Pentecostes
“E, havendo dito isto, assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo” (Jo. 20.22).
Essa é uma passagem bastante singular. Aqui os discípulos ainda não haviam estado em Pentecostes, recebem o Espirito como um sopro, mas não como um dom como se dará no cenáculo.
Claro que há muito o que se observar nessa passagem, porém de modo particular o que queremos enfatizar aqui é a reação do discípulos diante dessa obra do próprio Cristo, pois o texto continua com asseverações de Jesus quanto a postura dos apóstolos diante dos desafios que, como Igreja do Senhor, enfrentariam; em nenhum momento, porém, se afirma que eles caíram por terra devido ao sopro do Espirito inculcado pelo mestre.
Depois de Pentecostes
“Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?” ( I Co. 6.19).
A partir do Pentecostes o Espirito Santo veio habitar na Igreja de Cristo e em seus membros em particular; do Pentecostes em diante a Igreja não tem mais apenas sopros e lampejos do Espirito como no antigo concerto, também o poderoso Espirito de Deus não é mais apenas um mero visitante do povo de Deus, e sim aquele que habita nele.
“E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre; O Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco, e estará em vós. Não vos deixarei órfãos; voltarei para vós. Ainda um pouco, e o mundo não me verá mais, mas vós me vereis; porque eu vivo, e vós vivereis. Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós” (Jo.14.16-20).
No texto supra mencionado Jesus está dando a promessa do Espírito que seria derramado no Pentecostes, o mesmo Espirito que estava nele agora estaria na Igreja. Uma promessa de tal magnitude como essa é algo inédito na história do povo de Deus. A exceção do próprio Cristo, Deus nunca havia prometido fazer morada nos homens, no máximo ele havia estado entre eles, entretanto, agora estaria neles. “Aos quais Deus quis fazer conhecer quais são as riquezas da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vós, esperança da glória” (Cl. 1.27).
Há algumas perguntas que todos nós devemos responder com relação a qualquer prática da Igreja hoje: Ela é uma doutrina dos apóstolos? Foi algo praticado por eles pelo menos três vezes? Paulo o apóstolo dos gentios (nosso apóstolo) praticou? O que ele tem a dizer sobre isso?
Vamos então a algumas respostas Paulinas.
Paulo e a ordem do culto
A Igreja de Corinto apresentava muitas manifestações do Espirito Santo, Paulo chega a dizer que com relação aos dons não lhes faltava mais nada: “De maneira que nenhum dom vos falta, esperando a manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo” ( I Co. 1. 7).
Embora fosse uma Igreja que carecia muito de maturidade, era cheia de operações do Espirito Santo, os quais muitas vezes eram exteriorizados com muito emocionalismo fazendo com que o culto se torna-se extremamente desorganizado.
O apóstolo adverte que se a Igreja estiver cultuando a Deus e todos ou pelo menos a maioria, falar em línguas e pessoas descrentes presenciarem o falar “estranho” dos irmãos dirão sem sombra de dúvidas que estão loucos: “Se, pois, toda a igreja se congregar num lugar, e todos falarem em línguas, e entrarem indoutos ou infiéis, não dirão porventura que estais loucos? (I Co. 14.23).
Aqui ainda que de forma implícita, paulo já está falando em se fazer as coisas de forma ordeira, a fim de que o resultado seja sempre o louvor a Deus e a glória do seu nome. No versículo 26 é dito que cada um dos membros tem algo a apresentar no culto seja salmo, doutrina, revelação...
Imperiosamente o apóstolo adverte que tudo seja feito para a edificação, cujo sentido, na mente de Paulo, é como de uma construção de um prédio, ou seja, tudo o que for dito e realizado no culto deve ter como alvo o crescimento espiritual e o amadurecimento do povo de Deus. Logo em seguida é dito que se houver línguas estranhas deve haver quem as interprete, se não houver aquele que fala deve ficar calado, falando consigo mesmo. Paulo claramente está enfatizando o controle e a organização. (Vers.28).
Há ainda algo muito pertinente revelado nesse texto: “E os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas.” (I Co. 14. 32). Deus em momento algum deixa os seus filhos fora de si e sem controle da situação, antes dá a eles pleno domínio dela. Não negamos de forma alguma as diferenças psicológicas, de temperamento, porém acentuamos a importância inexorável da verdade do que está exarado no versículo ora apresentado: O cristão no momento em que fala línguas é plenamente senhor da sua consciência.
O motivo das desordens
Então por que as desordens? Pelo simples fato de se desconhecer a palavra de Deus ou não querer obedecê-la, dando mais importância ao culto “espetáculo”, cujo centro é o homem e cujo interesse é envolver pelo emocionalismo em detrimento da pura e simples exposição da Escritura, que a propósito exara: “Porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz, como em todas as igrejas dos santos (I Co.14.33). E mais adiante: “Se alguém cuida ser profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor” ( I Co.14. 37).
O que podemos concluir de tudo que foi analisado com relação a resposta de cada indivíduo ao mover do Espirito, é que as reações em si e por si só nada acrescentam e nem diminuem a vida espiritual de que quer que seja, entretanto, podem demonstrar falta de ensinamento bíblico saudável, como também carência de maturidade cristã, e por vezes descontrole emocional, no que pode resultar em crentes que as escrituras chamam de “meninos no entendimento” (I Co. 14.20).
O mal que seguramente é produzido através de práticas equivocadas, é valorizar sempre o pragmatismo do “eu senti, por isso é verdadeiro” e da histeria coletiva que toma conta da igreja que entra por esse caminho.
Entendemos que a emoção tem o seu lugar no culto, todavia nunca o emocional e o descontrole devem sobrepujar o inteligível e o verdadeiramente espiritual. “Mas faça-se tudo decentemente e com ordem” (I Co.14.40).
Wanderley Nunes.