Ao cair da tarde daquele dia, o
primeiro da semana, trancadas as portas da casa onde estavam os discípulos com
medo dos judeus, veio Jesus, pôs-se no meio e disse-lhes: Paz seja convosco! E,
dizendo isto, lhes mostrou as mãos e o lado. Alegraram-se, portanto, os
discípulos ao verem o Senhor. Disse-lhes, pois, Jesus outra vez: Paz seja
convosco! Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio.
[…]
Ora, Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus.
Disseram-lhe, então, os outros discípulos: Vimos o Senhor. Mas ele respondeu:
Se eu não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o dedo, e não
puser a mão no seu lado, de modo algum acreditarei. (Jo. 20.19-21, 24, 25).
O texto joanino retrata um momento muito difícil para a fé dos discípulos. Por
outro lado, decisivo para o futuro da eclésia[1]
que havia de ser efetivada a partir do pentecoste. Há porém, algumas lições
simples, no entanto, objetivas a serem observadas. A primeira delas, é que
apesar de estarem com medo dos judeus, eles mantinham a comunhão uns com os
outros.
Nos
momentos de tensão, frustração e desespero, geralmente surge uma tendência à
fuga e isolamento. Pedro e a maioria dos seus companheiros de fé não escolheram
tal caminho. Estavam com medo, apreensivos, cheios de incertezas, mas
permaneceram juntos.
Melhor
é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho. Porque se
caírem, um levanta o companheiro; ai, porém, do que estiver só; pois, caindo,
não haverá quem o levante. Também, se dois dormirem juntos, eles se aquentarão;
mas um só como se aquentará? Se alguém quiser prevalecer contra um, os dois lhe
resistirão; o cordão de três dobras não se rebenta com facilidade. (Ec. 4.9-12).
Deus
em sua sabedoria criou a eclésia, um corpo com muitos membros
diferentes, dependentes uns dos outros; labores diversos, entretanto,
sacralizados pela vida insuflada pelo Espírito, que faz, a despeito das
incongruências e paradoxos, a manutenção da indivisibilidade do corpo.
Ao
contrário do que comumente se pensa, o grande equívoco de Tomé não foi
primordialmente a dúvida sobre a ressurreição de Cristo, e sim, antes de tudo,
o abandono da comunhão dos irmãos. Tomé fez o que muitos fazem hoje: Se desiludiu
da fé por não ser aquilo que esperava, consequentemente
abandonou os “irmãos”, pois eram apenas “irmãos”, não eram amigos, não havia
comunhão real. Era apenas o que o secularismo capitalista produz hoje:
relacionamentos interesseiros e rasos, que não suportam as crises comuns à
vida.
Felizmente
Tomé teve um retorno ao bom senso, e voltou à comunhão dos aflitos e
apreensivos, tendo nesse retorno uma notícia no mínimo desconcertante: o mestre
havia ressuscitado. Como um aluno que faltara a essa aula, estava aturdido com
a “suposta” experiência dos seus amigos, e claro, não podia crer. Tomé não
possuía embasamento escriturístico de fé e de comunhão com a vida daquele
grupo. Crer na ressurreição naquele momento se tornara uma tarefa impossível
para ele.
É
somente na comunhão da eclésia, conforme afirma Paulo (Cl. 3.16), que
pode haver instrução e admoestação mútua, louvor, gratidão e a busca pelo
crescimento na graça e na fé. Logo, não deveríamos nos render às vicissitudes
da vida. Jesus não nos convida a abandonar a comunhão dos santos por causa do
secularismo e materialismo impingido por essa era, mas sim, relegar à última
instância tudo o que nos fere e nos impugna a caminhada de fé.
Outro
fator imprescindível para nós, é o desenvolvimento de um caráter com nuanças e
tons altruístas. Por isso, Paulo recomenda o perdoar e suportar uns aos outros
(Ef. 4.32; Cl. 3.13). Perdoar é passar por cima do nosso orgulho e
egocentrismo, é conceder uma nova oportunidade para aquele que nos trouxe
prejuízo.
Ainda
há algo sobremodo relevante para a contínua construção e aperfeiçoamento do
nosso caráter: aprendermos a suportar, dar suporte de verdade ao mais débil e
inexperiente na fé (Rm.15.1), não vivendo uma vida mesquinha do agrado próprio
(Rm.15.2,3). Você dirá: “Isso é impossível para mim!” Não é! Isso é questão de
exercício. É que passamos a vida nos exercitando unilateralmente, sempre
voltados para os nossos interesses.
O
homem foi criado para viver comunitariamente, para servir partilhando. Quem
aprende a servir é mais feliz. A felicidade não está na posse e na conquista,
elas são meios que nos conduzem a um contínuo relacionar-se, e nós,
desapercebidos não enxergamos. Mesmo os egocêntricos empedernidos sabem, ainda
que não o admitam, que a posse e a conquista nada valem sem o outro para
acolhê-las, admirá-las e entregar-lhes os “louros”.
Para
conquistar, seja em que âmbito for, precisamos uns dos outros. Por que não
viver isso na esfera comunal da eclésia, com a alegria e a dor que o servir
mútuo proporciona?
Conta-nos
as escrituras que Tomé depois da crise permaneceu com os discípulos até o pentecoste. Mais tarde, saiu pelo mundo
falando do Cristo ressurreto.
Segundo
um sábio sagrado, mais esperança se tem em um jovem pobre e sábio do que em um
monarca experiente, porém insensato, que não acolhe mais conselho de ninguém.
(Ec.4.13).
Deixe
de olhar só para si e seus problemas, abandone a autocomiseração. O que você
precisa é participar.
Em Cristo,
W anderley Nunes.
[1] Eclésia
aqui, é a Igreja não no sentido institucional ou denominacional que conhecemos,
mas o organismo vivo proposto por Cristo.