Ouvimos muitas
discussões e definições do que seja ser carnal ou espiritual. Se uma pessoa ora
muito, se entrega aos cânticos de cunho religiosos, ou mesmo se vale de muitos
momentos devocionais, tal pessoa é tida como espiritual. Por outro lado, se
alguém é do tipo não afeito a muita oração, cânticos e devocionais… Temos aí um
carnal segundo o senso comum.
Mas o que de fato é uma
pessoa carnal? Para traçarmos o perfil do que sejam os termos carnal e
espiritual, tomaremos dois versículos emblemáticos, o primeiro I Co. 2.15:
Mas
quem é espiritual discerne todas as coisas, e ele mesmo por ninguém é
discernido…
Em seguida, I Co. 3. 1:
Irmãos,
não lhes pude falar como a espirituais, mas como a carnais, como a crianças em
Cristo.
Para obtermos o mínimo
de compreensão do texto, exige-se a busca do contexto. No capítulo 1. 11, logo
depois das saudações, Paulo aponta um problema muito sério que vinha acometendo
a comunidade de Corinto, o problema tomara uma proporção de tal monta que
chegou aos seus ouvidos mesmo estando em outra cidade.
Os Coríntios estavam
divididos nos pensamentos e atitudes, eram partidaristas (I Co. 1.12). Paulo
faz uma breve explanação sobre divisões em Cristo (I Co. 1. 13-16), culminando
com a fala sobre ter batizado algumas pessoas, afirmando, no entanto, que a
prédica sobre o Evangelho sobrepunha todas as coisas (1. 17). A partir desse
momento, o apóstolo põe de lado os recursos dos homens – dentre eles a
sabedoria – para exaltar a cruz de Cristo.
Lembremo-nos, ele está
falando para um público helênico, alguns com influências estrangeiras, mas no
geral, a comunidade era grega. A contenda e a divisão girava em torno de quem
era o mais importante mentor, Paulo passa então a contrastar a sabedoria humana
com a Divina, sublimando a última como lhe era próprio, com o intuito do pôr os
homens como peças fundamentais na economia [ 1 ] celeste,
entretanto, essa importância era sempre com relação ao todo.
A ideia do texto aos
Coríntios não é desprezar a sabedoria dos homens como alguns teimam enfatizar.
O que acontece é, quando a sabedoria de Cristo é reconhecida e exaltada, toda
inteligência e habilidade humana – seja de quem for : Paulo, Apolo… – se torna
microscópica (I Co. 1. 18-25).
No capítulo 2. 1,
observamos a proposta Paulina de não discutir ideias e argumentações muito
elaboradas, ele buscou apresentar Cristo.
Minha
mensagem e minha pregação não consistiram de palavras persuasivas de sabedoria,
mas consistiram de demonstração do poder do Espírito. (I Co. 2. 4).
Ele claramente está
falando do Espírito de Cristo e do poder salvífico que só Jesus, a aleteia de Deus possui. É da sabedoria
de Deus – Jesus – que o apóstolo fala, sabedoria que os poderosos e sábios não
conheceram, embora já houvesse sido revelada (I Co. 2. 10).
Toda a explanação
Paulina segue em torno da sabedoria de Deus, como também sobre o porquê dos
poderosos, estudiosos, doutores, e os mais habilitados na fé de Israel não
terem reconhecido tal sabedoria: O partidarismo.
Paulo segue
argumentando sobre o tema (I Co. 2. 6-16), para logo depois, no capítulo 3.
1-3, nominar os coríntios de “carnais”, como “carnais foram aqueles que não
reconheceram em Jesus o Messias. Os coríntios, assim como os líderes da época
de Cristo, estavam sendo partidaristas, consequentemente, contenciosos e
ciumentos (I Co. 1. 11).
Para o texto de
Coríntios, ser carnal não é ser pouco devocional. Ser carnal é ser
partidarista, contencioso, é não reconhecer Cristo acima dos homens. O capítulo
1. 12, discorre sobre o espírito recebido pelos coríntios, não era o espírito
do mundo, ou seja, um modo de vida voltado para si próprio, para as coisas e
conquistas dessa vida, cujo louvor é verticalizado, meramente terreno e humano.
A ênfase da exposição é
a recepção do Espírito de Deus, por conseguinte, aquela comunidade deveria ser
grata, pois tudo que possuíam de Deus – inclusive os mentores – provinha da
graça de Cristo. A fala Paulina aponta para a valorização dos mestres com
relação ao todo, individualmente e para si próprio, qualquer obra se torna
ínfima e inconsistente, pois somos membros uns dos outros (Rm. 12. 5).
Afinal
de contas, quem é Apolo? Quem é Paulo? Apenas servos por meio dos quais vocês
vieram a crer, conforme o ministério que o Senhor atribuiu a cada um (I Co. 3.
5).
Aqui Paulo não está
desvalorizando ninguém, muito menos a si próprio, porém expondo sua pequenez e
dos seus companheiros com relação a grandiosidade da economia Divina, da qual
fazia parte como brilhante colaborador. Vejamos como ele finaliza seu
comentário sobre o assunto.
Portanto,
ninguém se glorie em homens; porque todas as coisas são de vocês, seja Paulo,
seja Apolo, seja Pedro, seja o mundo, a vida, a morte, o presente ou o futuro;
tudo é de vocês, e vocês são de Cristo, e Cristo, de Deus (I Co. 3. 21-23).
Ser carnal, conforme a
epístola aos coríntios, é pôr seus interesses – ainda que eivados de
“espiritualismo”, devoção e ritos – acima das pessoas, objeto maior do amor de
Deus, a ponto de contender, separar-se, e produzir mágoas, tudo feito
contraditando a ética de Jesus, aquele que em seus discursos e práticas sempre
depôs contra sentimentos e atos mesquinhos.
Façamos um paralelo
entre I Co. 3. 3 e Gl. 5. 20,21, teremos duas palavras apontando para obras da
carne: inveja e divisões, todavia, ainda que de forma implícita, perceberemos
outros sentimentos subjacentes ao segregacionismo dos coríntios: Ódio (falo
aqui do sentimento religioso partidarista), dissensões, facções…Tudo produzido
em nome de Cristo.
Ser espiritual, em
contrapartida, é ter paz (sobretudo com o diferente), paciência, amabilidade,
domínio próprio… (Gl. 5. 22,23) [ 2 ].
Em lugar de ficarmos
brincando de gato e rato com os que pensam diferente de nós, devemos antes de
tudo buscar o acolhimento e o diálogo pacífico, se forem cabíveis. Senão, deixemos
o silêncio ganhar voz apenas com a nossa tolerância e paz. Pois se o amor, a
graça e a bondade de Cristo não forem retratadas do humano para o humano, a
ponto de conscientizar o outro em amor, não serão hostilidade e truculência que
farão isso.
Wanderley Nunes
[1] O vocábulo “economia” advêm da junção de
duas palavras: oikos (casa) e nomia
(lei) oikonomia, podendo ser
traduzida literalmente como a lei da casa. Irineu de Lion parece ter sido o
primeiro a usar esse termo por volta do III século. Ele usou economia para
falar como Deus lidou com a história da salvação. Logo, a economia da salvação
diz respeito as riquezas eternas de Deus dispensadas ao homem.
[2] Tanto aqui como em todo o texto, usamos a
tradução da nvi.