Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o
evangelho por mim anunciado não é segundo o homem, porque eu não o recebi, nem
o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo.
“Faço-vos, porém, saber, irmãos”. Paulo com essas
palavras deseja enfatizar a origem e originalidade do evangelho que prega. O
vocábulo “irmãos”, empregado aqui, tanto é um termo carinhoso – preparando os
corações galacianos para as severas exortações que viriam – como indica também o
reconhecimento de que Paulo os considera de fato, da família da fé.
Ainda se pode
acrescentar um outro motivo para os gálatas serem chamados de irmãos: Apesar de
terem tão rapidamente se distanciado da fé que lhes fora apresentada pelo apóstolo
dos gentios, isso, no entanto, não era razão suficiente para que lhes fosse
dispensado qualquer outro tratamento que não o de irmãos.
Nota-se não ser Paulo, nem de longe, um
institucionalista apaixonado, muito menos um fanático religioso, do tipo que
preceitos, bandeiras, e flâmulas estão acima daquilo que deveria ser
hipoteticamente o alvo e o objeto de amor de qualquer comunidade de fé: O ser
humano.
“Que o evangelho por mim anunciado não é
segundo o homem”.
Paulo principia sua autodefesa axiomaticamente dizendo que a boa nova anunciada
por ele não era κατα ανθρωπον (kata antrôpon) “segundo o homem” – a tradução da versão bíblica revista e atualizada, referência aqui, é fidedigna ao verter para o português a expressão grega – Não era nem um tipo de engendramento filosófico
religioso, havia algo mais no seu ensino, indicando serem suas elucubrações não
meras adaptações do pensamento judaico.
“Porque eu não o recebi…”.
O apóstolo deixa entrever aqui, que não fora alvo das transmissões
escriturísticas orais como era costume em Israel, claramente indicado pela
expressão “não recebi”.
Um bom exemplo disso se encontra na carta aos
Hebreus, tida por muito tempo como uma epístola saída da pena de Paulo,
entretanto, tem sido demonstrado através de pesquisas mais recentes não ser
esse de fato um texto Paulino. Uma das maiores provas se encontra na chamada
“evidência interna”. No capítulo 2, o escritor diz o oposto do que Paulo
afirmou aos gálatas.
Por esta razão, importa que nos apeguemos,
com mais firmeza, às verdades ouvidas, para que delas jamais nos
desviemos. Se, pois, se tornou firme a palavra falada por meio de anjos, e toda
transgressão ou desobediência recebeu justo castigo, como escaparemos nós, se
negligenciarmos tão grande salvação? A qual, tendo sido anunciada inicialmente
pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram [1]
Enquanto o escritor aos Hebreus se coloca no
grupo dos que ouviram de terceiros o evangelho, Paulo diz que “não recebeu” de
ninguém. E quando afirma não ter aprendido de homem algum, está categoricamente
falando não ter consultado mestres humanos para ter chegado onde chegou.
Isso não significa de modo algum, não ter ele
feito suas pesquisas e ponderações, como também não ter aceitado ainda que
posteriormente, algumas tradições apostólicas - daqueles que eram discípulos
antes dele - as quais se coadunavam com aquilo que cria.
Um bom exemplo disso é I Co. 15.3:
Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi:
que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras.
Nesse texto há uma patente indicação de uma
tradição apostólica, pois conforme Paulo afirma, seus antecessores transmitiam
os ensinos, usando conjuntamente as escrituras – o antigo testamento e os
profetas – a fim de corroborarem suas assertivas. Quando ele diz “entreguei o
que recebi” está fazendo uso dessa
tradição, a qual se conformava perfeitamente com o evangelho que pregava.
“Nem aprendi de homem algum”. Quando faz tal
asseveração, busca rebater as acusações daqueles que diziam que o evangelho que
anunciava não possuía legitimidade, por ele não ser discípulo como os outros,
não fazer parte do colegiado apostólico, não ter andado com Jesus, muito menos
ter sido instruído pessoalmente por ele.
O que estava em jogo era todo o trabalho de
Paulo e sua credibilidade junto aos gálatas, por isso, “os falsos irmãos”
tentavam desqualificá-lo perante a igreja da Galácia. Deduze-se facilmente a
síntese de suas vis argumentações: Se Paulo não possuía autoridade e nem
autonomia apostólica para instruir aquela igreja, se o que ensinava não
vinha de nem um dos apóstolos, muito menos do próprio Jesus, sua fonte então
seria secundária, clandestina e inverossímil.
Desse modo, o evangelho da graça que pregava
e, por conseguinte, as igrejas que haviam recebido suas instruções eram todas
apóstatas e palmilhavam o caminho do erro. Por isso, era de suma importância
uma tomada de posição firme.
O interessante nessa afirmação de Paulo, é
que um leitor incauto ou mais desatento poderá achar a princípio que Paulo está
concordando com seus acusadores, é como se dissesse: “É verdade, não aprendi
com os apóstolos”. Quando na verdade, o que realmente queria dizer é que o que
transmitira era oriundo de uma fonte superior.
No entanto, o teor da sua argumentação vai
muito além de que simplesmente não ter sido instruído por homem algum - isso
inclui Pedro, Tiago e João - muito menos sua prédica ser fruto da sua mente
pródiga ou delirante, dependendo da interpretação e da boa ou má vontade dos
avaliadores.
“Mas mediante revelação de Jesus Cristo”.
Aqui está a motivação para o evangelho que o apóstolo das gentes anunciava. É
explícito - exceto para os mais simplistas -
que o arcabouço do ensino Paulino não era fruto exclusivamente da
estrada de Damasco.
Seja qual for a interpretação que possa ser
dada – literal ou metafórica – o fato é que não é em Damasco, mas a partir de
Damasco que se desenvolvem as formulações de fé Paulinas, tendo como marco
inicial sua passagem por lá, independente de qual tenha sido a experiência
Cristológica que tenha ocorrido nele.
É pertinente salientar a expressão
“revelação” Αποκαλυψεως (apokalupsis). Essa palavra traz em si a ideia de
descortinar, descobrir, tirar o véu. O que se pode concluir observando a
trajetória de Paulo, é que cedo no caminho de Damasco, se deslindou para ele
Jesus como o messias prometido, posteriormente, tendo como ponto de partida a
“revelação” de Jesus Cristo, pôde então fundamentado no cabedal de conhecimento
judaico grego, erigir a maior obra literária conhecida a respeito da fé em
Jesus de Nazaré.
Wanderley
Nunes
[1] Hb.2.1-3