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quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

A necessidade de discernimento

Um dos grandes problemas da interpretação Bíblica, é a dificuldade de se entender o escrito profético como crença no realizado na dimensão do eterno, e o seu desfrute completo, quando tal dimensão se instalar em definitivo.

 Essa é a tensão entre o que já possuo de direito em Cristo, porém ainda não tenho concretizado de fato na dimensão física.

Podemos exemplificar de modo mais claro com a seguinte pergunta: Quando você se rende a Jesus, o Evangelho lhe assegura salvação não é? : “Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida”1. Mas nesse momento você tem seu corpo transformado e entra na eternidade? Claro que não!

Você já possui, apenas não desfruta agora. Um grande exemplo disso encontramos no episódio dos homens que foram comissionados por Moisés para espiar a terra prometida. Por promessa de Deus aquela terra já lhes pertencia, entretanto, eles ainda não estavam morando nela. Os espias, em número de 12, cada um representando uma tribo, trariam amostras de que a terra existia, não só para testemunhar sua ida lá, mas para provar também a veracidade de tudo que fora dito.

Disse o SENHOR a Moisés:
Envia homens que espiem a terra de Canaã, que eu hei de dar aos filhos de Israel; de cada tribo de seus pais enviareis um homem, sendo cada qual príncipe entre eles. […] Depois, vieram até ao vale de Escol e dali cortaram um ramo de vide com um cacho de uvas, o qual trouxeram dois homens numa vara, como também romãs e figos.
Esse lugar se chamou o vale de Escol, por causa do cacho que ali cortaram os filhos de Israel.
Ao cabo de quarenta dias, voltaram de espiar a terra,
Caminharam e vieram a Moisés, e a Arão, e a toda a congregação dos filhos de Israel no deserto de Parã, a Cades; deram-lhes conta, a eles e a toda a congregação, e mostraram-lhes o fruto da terra.
Relataram a Moisés e disseram: Fomos à terra a que nos enviaste; e, verdadeiramente, mana leite e mel; este é o fruto dela.2

Observe, “fomos à terra”, se foram lá, então a terra existia. Como provar para o povo que não havia tido a mesma oportunidade? Através da palavra (o testemunho) e dos frutos da terra (o sinal).
A palavra apontava para a terra da promissão, o fruto corroborava e autenticava a promessa. Agora temos a pergunta: Os frutos eram a terra? De modo algum, mas eram uma pequena demonstração da sua existência inconteste.

Do mesmo modo, Paulo faz uma alusão ao Espírito de Deus como um selo (sinal) para aqueles que tem crido no Evangelho. O Espírito de Deus com todas as benesses que lhe são inerentes, constitui-se assim num penhor (garantia) de que Jesus transformará o nosso corpo mortal e corrupto, em um corpo imortal e incorruptível na sua vinda e no seu reino.

Em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória.3

Paulo explicita: Ao ouvir o Evangelho e crer nele, se recebe o Espírito de Deus como um selo de garantia da salvação. Logo, temos a salvação porque temos o Espírito, mas não temos ainda a imortalidade, a incorrupção, a nova terra, o novo céu… Embora tenhamos tudo isso garantido pelo selo do Espírito em nós, todavia, falta-nos a concretude, que se dará apenas no último dia.

Precisamos compreender a tensão existente entre o físico e o espiritual, entre o presente e o porvir, como diriam os velhos eruditos da fé: A tensão entre “o já, mas ainda não” do Evangelho.
Fui curado por Jesus, mas ainda adoeço, ele levou meus pecados, mas ainda peco, tenho vida eterna, mas ainda morro. Mas tenho a certeza do Evangelho que muito em breve não mais adoecerei, não mais pecarei, e não mais morrerei.

Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles.

E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras.
[…] Então, me mostrou o rio da água da vida, brilhante como cristal, que sai do trono de Deus e do Cordeiro.
No meio da sua praça, de uma e outra margem do rio, está a árvore da vida, que produz doze frutos, dando o seu fruto de mês em mês, e as folhas da árvore são para a cura dos povos. Nunca mais haverá qualquer maldição.
Nela, estará o trono de Deus e do Cordeiro.
Os seus servos o servirão, contemplarão a sua face, e na sua fronte está o nome dele. Então, já não haverá noite, nem precisam eles de luz de candeia, nem da luz do sol, porque o Senhor Deus brilhará sobre eles, e reinarão pelos séculos dos séculos.4

Quando se consegue olhar a vida, tendo a alegria e leveza do evangelho, crendo que Deus pôs no homem - sobretudo no homem do evangelho - todas as possibilidades, não há razão para temor, aquele que crê está seguro. Pode encarar a vida, sabendo e provando do bem e do mal que lhe são inerentes, vivendo a liberdade do fardo leve e jugo suave de Cristo, que atrai, cativa e subjuga o homem com correntes e cadeias de amor.

Posto que em Cristo, o homem tem a possibilidade de ser ele mesmo e ser livre, livre das amarras da religião escravizante, livre dos dogmas petrificados, dos “irmãos” espias da liberdade alheia… Tendo a consciência de que é morada de Deus, possuidor de uma salvação que não perde e de uma unção que ninguém rouba.

Está portanto tal homem, livre de toda sorte de magias e inimigos invisíveis. Não há batalhas a serem travadas, a não ser consigo mesmo. Esse homem entretanto, pode se gloriar em Cristo, em quem todas as dificuldades e fraquezas humanas não possibilitam o afastamento do Reino de Deus.

Essa consciência, que só quem é do evangelho possui, é que tem o poder de constranger todo aquele que é objeto desse amor, tornando-o cativo a uma consciência do Espírito. Somos sim, livres de tudo, somos sim, cativos do amor salvífico do evangelho que nos alcançou, desfrutemos pois dele, sem culpa e sem medo.

Wanderley Nunes

1Jo.5.24
2Nm.13.1,2 e 23-27
3Ef. 1.13,14
4Ap. 21.1-5 ; 22.1-5

sábado, 28 de novembro de 2015

Os milagres e Is.53

A excessiva mistificação dos cultos modernos, sua ênfase em milagres, retrata claramente o nível precário de conhecimento Bíblico e histórico da grande massa de cristãos de todos os matizes.
A pregação que aponta para a histórica crença no porvir tem se perdido em meio ao discurso da satisfação imediata, do céu aqui na terra, perpassando de forma sutil a ideia de que a fé em Cristo leva a auferir lucros, a vida de quem crê é apresentada como transformada em um conto de fadas, e a terra em que vivem, em um paraíso edênico.
O insistente apelo ao sobrenatural e mistico, tem trazido um prejuízo muito grande a fé de muitos. Constantemente temos lidado com pessoas magoadas, feridas, decepcionadas com o evangelho que lhe foi apresentado e com o “seu deus”.
Um dos grandes sofismas apresentados por esse desevangelho é pregação da cura divina tendo como base o texto de Isaías 53.
Porque foi subindo como renovo perante ele e como raiz de uma terra seca; não tinha aparência nem formosura; olhamo-lo, mas nenhuma beleza havia que nos agradasse.
Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer; e, como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso.
Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido.
Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados.
Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas o SENHOR fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos.
Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca; como cordeiro foi levado ao matadouro; e, como ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu a boca.
Por juízo opressor foi arrebatado, e de sua linhagem, quem dela cogitou? Porquanto foi cortado da terra dos viventes; por causa da transgressão do meu povo, foi ele ferido.
A primeira avaliação a ser feita sobre esse texto, é que foi produzido em um meio judaico, sob uma cultura baseada na Torah, a qual denominamos comumente de pentateuco1. Pecar nesse âmbito era desobedecer a lei, consequentemente se receberia a pena devida.
O texto descreve alguém que viria sem o devido reconhecimento, quase que num ostracismo, para prover um escape com relação ao pecado, causa de todos os percalços de Israel sob a égide da lei.
Muito embora o versículo 4 diga que Ele levou sobre si as nossas enfermidades e dores (dos Judeus), é somente nessa parte do texto de Isaías 53 que a enfermidade e a dor aparecem sem estarem acompanhadas da sua causa (transgressão e iniquidade). No versículo seguinte há uma clara ligação do sacrifício do servo sofredor como pagamento da dívida do pecado de Israel.
Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados2.
Nesse versículo a ênfase é total sobre o pecado como motivo de todas as intempéries da nação Israelita, o servo sofredor aqui, sara do pecado. Parece uma interpretação inverossímil, mas vejamos o que o Novo Testamento nos diz sobre isso.
A interpretação de Pedro
Porquanto para isto mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos,
O qual não cometeu pecado, nem dolo algum se achou em sua boca;
Pois ele, quando ultrajado, não revidava com ultraje; quando maltratado, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga retamente,
Carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos para os pecados, vivamos para a justiça; por suas chagas, fostes sarados.
Porque estáveis desgarrados como ovelhas; agora, porém, vos convertestes ao Pastor e Bispo da vossa alma.3
Pedro ao tratar do evento salvífico, nem sequer menciona a ideia de uma cura divina a ser recebida no momento em que alguém se rende a Cristo. Sua interpretação é: Nossos pecados foram carregados por Jesus, em Cristo fomos curados de todos eles.
Pedro que curou pessoas no nome de Jesus, não deu importância supra a cura física, não a pôs em suas cartas em pé de igualdade com a cura da alma. Ele sabia que vivia a fé no amanhã, sua esperança, ou melhor, certeza de esperança, estava no grande dia do Senhor, onde os mortos ressuscitarão, todas as doenças e dores terão ido embora, no cumprimento literal da profecia de Isaías 53.
Wanderley Nunes
1Os cinco primeiros livros da Bíblia Cristã. Que para os judeus contém a revelação da vontade de Deus e sua lei.
2Isaías 53.5
3I Pe.2.21-25

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Comentário de Gálatas 1.10 – Agradando a homens ou a Deus?

Porventura, procuro eu, agora, o favor dos homens ou o de Deus? Ou procuro agradar a homens? Se agradasse ainda a homens, não seria servo de Cristo.

Paulo aqui se refere ao alvo da sua prédica: Falar da boa nova, tentar levar todo homem judeu ou gentio, ao evangelho. O intento Paulino era de fato cumprir esse propósito.

“…E toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo”1.

“…Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus”2.

“…Dirijo-me a vós outros, que sois gentios! Visto, pois, que eu sou apóstolo dos gentios, glorifico o meu ministério3.”

“…Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé”4.

O dilema dos Gálatas

O grande entrave nesse momento é que os gálatas estavam sofrendo sérios ataques dos discípulos de Jerusalém, que buscavam desacreditar Paulo e seus ensinos. Tudo indica, que uma das acusações era que ele escoimava os galacianos das práticas da lei, com o intuito de facilitar a entrada deles na fé do Evangelho.

Paulo por sua vez, argumenta de modo incisivo que ao contrário do que se falava, ele seria a última pessoa que deveria ser acusada de transigir com o Evangelho de Cristo, visto que, antes de optar por seguir a Jesus, fora um dos maiores inimigos da Eclésia nascente.

Como bom fariseu, não aceitava de modo algum, a mínima comunhão entre evangelho e lei, pois a lei de Moisés fala de vida pelo cumprimento dos seus preceitos5, o Evangelho por outro lado, apresenta a vida eterna adquirida pela graça mediante a fé6. Logo, não há comunhão alguma entre lei e Evangelho, eles são antagônicos.

“Os irmãos” de Jerusalém, estavam tentando instruir os gálatas a entrarem no caminho do Evangelho pelas vias da lei, para Paulo, isso era inaceitável.

Se como judeu nunca aceitou isso, muito menos agora conhecendo a graça salvífica do Evangelho de Jesus Cristo.

Por esse motivo, ele argumenta, que se fora o seu propósito isentar-se e/ou até evitar o sofrimento, o vitupério de Cristo, sem dúvida teria continuado sendo um austero judeu, fariseu, guardador empedernido da lei Mosaica, o que lhe proporcionaria reconhecimento e status inerentes ao seu posto.

Quem de fato estava querendo se isentar do vitupério da cruz, e isentar os gálatas, não era Paulo, mas os de Jerusalém. Na mesma carta o apóstolo expõe o estratagema dos legalistas.

Eu, porém, irmãos, se ainda prego a circuncisão, por que continuo sendo perseguido? Logo, está desfeito o escândalo da cruz7“.

Todos os que querem ostentar-se na carne, esses vos constrangem a vos circuncidardes, somente para não serem perseguidos por causa da cruz de Cristo.

Pois nem mesmo aqueles que se deixam circuncidar guardam a lei; antes, querem que vos circuncideis, para se gloriarem na vossa carne”8.

Quem estava fazendo isso, Paulo ou “os irmãos” de Jerusalém? No Evangelho anunciado por Paulo, não havia espaço para glória e ostentação humanas, culto do ego, show gospel, encontros com Deus antecipadamente marcados, culto dos empresários, orações cujo o único intuito é se dar bem… Evangelho é cruz, é fé na obra absoluta de Deus, levada a cabo no Gólgota.

O Evangelho nos leva a vivermos por fé, esperando o porvir. Enfrentando os sucessos e fracassos que sem dúvida nos sobrevirão, porém, sempre com os olhos fitos no amanhã, no raiar do novo dia que trará novos céus e nova terra.

Se olharmos para a vida presente com o olhar futurista da fé, pouco ou nenhum espaço haverá para decepções com Deus, para um “evangelho mercadológico”, psicodélico, fruto de mentes paranoicas e megalomaníacas, cujo Deus é o “eu”, cuja efêmera glória serve somente para a confusão deles, pois só pensam nas coisas terrenas9. Evangelho é paz com Deus, paz consigo mesmo, paz que excede todo o entendimento e circunstâncias.

Wanderley Nunes

1II Co.10,5

2At.20.24

3Rm.11.13

4II Tm.4.7

5Lv.18.5

6Ef.2.8,9

7Gl.5.11

8Gl.6.12,13.

9Fp.3.19

terça-feira, 21 de julho de 2015

Comentário de Gálatas 1:8,9 - Além do Evangelho

Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema. Assim, como já dissemos, e agora repito, se alguém vos prega evangelho que vá além daquele que recebestes, seja anátema.

Depois de afirmar que só há um Evangelho(V.7), e que descaracterizar a graça é subvertê-lo, adulterá-lo, Paulo reitera aos gálatas sua inexorável crença de que Evangelho, era aquele que havia anunciado a eles.
Lembremo-nos de que na carta aos Gálatas ele não fala de “verdadeiro Evangelho”; há para ele apenas “O Evangelho”, os demais são meras maquiagens, plágios baratos, verdadeiras aberrações.
O Evangelho anunciado pelo doutor dos gentios estava plenamente ancorado no Jesus ressuscitado, aquele que nasceu e viveu como cidadão judeu, mas ressurgiu como salvador do mundo. Nele as barreiras étnicas e culturais são vencidas em nome do bem maior: O amor desmedido de Deus.
As discussões religiosas e suas práticas, ainda que baseadas em boa vontade, nada dizem a respeito de Jesus, embora usem seu nome. A tomada de posição Paulina não se fundamentou em uma intriga de devotos, mas em sua percepção da transcendência do Jesus ressuscitado.
Enquanto o judaísmo estava envolto em sombras ritualísticas e exigências cultuais, o Jesus ressuscitado, apresentado por Paulo, era totalmente livre e descomprometido desses meandros, sendo ele a realidade e o alvo daquela didática. A lei foi dada para o judeu como serva do homem, a fim de conduzi-lo à fé no metafísico, no extracorpóreo.
Por isso, o mestre dos gentios afirma que mesmo se ele ou outro apóstolo – falando do âmbito terrestre - trouxesse uma mensagem diferente daquela já anunciada, fosse considerada anátema1. Mesmo que o mensageiro viesse do céu – supostamente do âmbito celeste - tal mensagem deveria ser rechaçada, posto que espúria ante a pregação definitiva da graça de Deus exposta de antemão por ele.

No versículo 8 a argumentação é tecida com relação a qualquer adição feita ao Evangelho, por isso o uso do “além”, significando Evangelho + obras da lei, ou qualquer tipo de ênfase ao mérito como justificador do homem com relação ao alcance da salvação e/ou os dons de Deus, os quais indubitavelmente transtornam o Evangelho de Cristo, transformando-o em um simulacro, em um arremedo do Evangelho. 

Por conseguinte, o versículo 9 apresenta o outro lado da moeda. A atenção aqui não é com relação ao que foi ensinado e sim no que fora “recebido” pelos gálatas. Tem muito líder religioso usando esses versículos para conduzirem pessoas cativas aos seus projetos megalômanos e avaros.

A fala Paulina ao contrário, percorre o caminho da graça de Deus, o que foi ensinado aos gálatas é que nada dependia deles no que concernia a salvação e aos dons de Deus, tudo era (e é) recebido pela graça mediante a fé em Cristo.

O que pode e deve ser aplicado aos nossos dias, é a exortação de Paulo a que permaneçamos ancorados na fé do filho de Deus; que a salvação por nossas próprias forças e esforços, simplesmente nos empurram para longe do Evangelho de Cristo, anatematizando a nossa fé, transformando em pseudo – evangelho, o que nos foi dado para vida.

Lancemos fora toda obra meritória, tudo o que porventura seja glória para nós diante de de Deus. Contentemo-nos em crer no ato salvífico de Jesus de Nazaré: Em sua vida, morte e ressurreição por nós. Nada há mais para se fazer.

Soli Deo gloria,

Wanderley Nunes

1 Palavra grega que significa ‘coisa exaltada’ dentro de um templo – por exemplo, como oferta de voto a um ídolo. (Assim, em Lc 21.5.) Na versão dos LXX o termo é aplicado aos animais que, oferecidos a Deus, deviam ser mortos (Lv 27.28, 29): daqui vem o sentido genérico ‘condenado’, amaldiçoado (Js 6.17 – 7.12). Com esta significação se encontra o termo grego em 1 Co 16.22 – Rm 9.3 – 1 Co 12.3 e Gl 1.8,9. Em At 23.14 está a palavra empregada no sentido de ‘maldição’.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Comentário de Gálatas 1. 6,7: Evangelho Pervertido

Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho, o qual não é outro, senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho de Cristo.
Paulo está espantado com a volatilidade dos Gálatas; como mudaram de opinião tão rapidamente! O ser humano parece sempre inclinado ao mundo da fantasia, sobretudo, se tais devaneios o puserem, ainda que utopicamente, em uma posição privilegiada, segundo sua mente psicótica delirante, pois como bem diz o antigo provérbio popular: “De médico e louco, todo mundo tem um pouco”.
Admira-me que estejais passando tão depressa...”.
Parece ser tão mais fácil abandonar a fé simples, a fé no invisível, no abstrato, para apegar-se ao visível, ao tangível, ao palpável; onde o que fala mais alto são os sentidos. Parece mais fácil crer no que se pode fazer, do que crer no “já está feito” do Evangelho da graça de Deus.
Ao contrário do que se imagina, “o fazer” humano para a justificação, para sua aceitação diante de Deus, nada valem. Todo tipo de arrazoado, cujo fim é imputar justiça ao homem através de suas ações penitenciais, é antes de tudo, uma afronta a penitência única e substitutiva levada a cabo por Jesus de Nazaré.
Porque, se torno a edificar aquilo que destruí, a mim mesmo me constituo transgressor […] Não anulo a graça de Deus; pois, se a justiça é mediante a lei, segue-se que morreu Cristo em vão.1
Em outro lugar, quando Paulo fala sobre justificação pela fé, ele diz:
Que, pois, diremos ter alcançado Abraão, nosso pai segundo a carne?
Porque, se Abraão foi justificado por obras, tem de que se gloriar, porém não diante de Deus. Pois que diz a Escritura?
Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça. Ora, ao que trabalha, o salário não é considerado como favor, e sim como dívida. Mas, ao que não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça.
E é assim também que Davi declara ser bem-aventurado o homem a quem Deus atribui justiça, independentemente de obras.2
...daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho...”.
Paulo acusa os gálatas de apostasia. Eles, que haviam aprendido que a salvação era gratuita, um dom de Deus, agora estavam tentando comprar com suas obras aquilo que já haviam recebido pela simples pregação do Evangelho. O apóstolo afirma que eles estavam abandonando o próprio Deus, e muito rápido! O que viviam agora, definitivamente não era o Evangelho.
.... o qual não é outro, senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho de Cristo”.
Paulo corrige a própria fala quando diz que não há outro Evangelho. O que na verdade estava em curso, era uma tentativa desenfreada - daí a afirmação de que os gálatas estavam sendo perturbados pelos judaizantes - de perverter, de adulterar (é o significado mais correto aqui) o sentido do que seja Evangelho.
Estratagemas como esses, embora falem de Jesus, e supostamente façam chover sinais e milagres, de forma alguma deveriam ser chamados de Evangelho. Algo assim, é por si só, um acinte ao Evangelho de Jesus Cristo.
Wanderley Nunes.
1Gl.2.18 e 21
2Rm.4.1-6.
















quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Comentário de Gálatas 1.4,5: Segundo a vontade de Deus

O qual se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai, a quem seja glória pelos séculos dos séculos. Amém!

“O qual se entregou” (tomou nosso lugar). Paulo aponta para a graça revelada em Cristo morrer por nós. Jesus se entregou pelos nossos pecados. Não é salutar para quem quer que seja, desprezar a substituição efetivada por Cristo, de perdido pecador, o homem torna-se salvo e isento de toda culpa pelos méritos de Cristo.

Qualquer tentativa de buscar o favor de Deus através da sua própria indústria, redunda em uma negação, ainda que inconsciente, do demérito humano, pondo Cristo, sua vida, morte e ressurreição, como insuficientes para a justificação do pecador, constituindo-se tal ato, por si só, em uma afronta ao Evangelho da graça de Deus.

Foi contra essa subversão do Evangelho que Paulo se ergueu. Os Gálatas estavam agora tentando alcançar o favor de Deus depositando suas esperanças nos elementos tangíveis e transitórios, os quais os judaizantes inculcava-lhes, desprezando assim os ensinos libertadores do apóstolo dos gentios.

Hoje, quando observamos tudo o que a grande mídia propaga como Evangelho, não podemos fazer vista grossa às explícitas recomendações contidas na carta Galaciana, de modo a rejeitar os rudimentos do mundo: Dias de guarda, vigílias, jejuns, sacrifícios financeiros…

“Para nos desarraigar deste mundo perverso”, a versão Revista e corrigida diz: “Para nos livrar do presente século mau””. A ideia de Paulo é de querer demonstrar a efemeridade do mundo em que vivemos, por si só, a fraqueza do presente século deveria ser entendida como algo malévolo. Cristo morreu para arrancar o homem de tudo o que possa lhe prender a coisas passageiras em detrimento das eternas.

O pensamento Paulino não é demonizar a vida presente, todavia, patentear para sua audiência a inconsistência e vacuidade de uma vida cujo alvo consiste em viver como se o objetivo não fosse o eterno, ou como se o eterno nunca fosse chegar. É nesse mesmo sentido sua fala dirigida aos coríntios.

O tempo se abrevia; o que resta é que não só os casados sejam como se o não fossem; mas também os que choram, como se não chorassem; e os que se alegram, como se não se alegrassem; e os que compram, como se nada possuíssem; e os que se utilizam do mundo, como se dele não usassem; porque a aparência deste mundo passa (I Co.7.29 -31).

Pensar ou desejar uma vida dependente de Deus de forma apenas horizontalizada, é sintetizar o Evangelho de modo a descaracterizá-lo do transcendente, é erguer um ídolo cuja consistência é o pó que só alimenta a serpente.

“Segundo a vontade do nosso Deus e pai”. Sendo a vontade de Deus o desapegarmos cada vez mais da atual dimensão, posto que, se assim não fora, absorveríamos as volubilidades da vida como consequência do nosso envolvimento e paixão com o fugaz presente século.

Em lugar de produzir uma frustração mórbida, tal contexto deveria despertar em nós o anseio de viver uma vida intensamente e em toda a plenitude, todavia, com a certeza que toda essa completude e intensidade sempre será absorvida pelo eterno. A vontade de Deus, é que vivamos o hoje com os olhos e o coração no amanhã.

“A quem seja glória pelos séculos dos séculos. Amém!” Esse é o alvo do Evangelho e de todo aquele que nele crê: A Glória de Deus. Se há grupos que vivem um pseudoevangelho, voltado e devotado exclusivamente para seus interesses meramente materialistas, conclui-se então que o reino deles é terreno, o deus deles é o seu ventre, e sua glória constitui-se apenas em uma quimera.

“si in hac vita tantum in Christo sperantes sumus miserabiliores sumus omnibus hominibus” ( I Co.15.19).

Wanderley Nunes.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Comentário de Gálatas 1.3: Graça e paz

E todos os irmãos meus companheiros, às igrejas da Galácia, graça a vós outros e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do [nosso] Senhor Jesus Cristo.

Paulo continua sua prédica discorrendo sobre o desejo de que os gálatas tivessem de fato, graça e paz. Quando fala: “da parte de Deus […] e do nosso Senhor Jesus Cristo”. Não está aludindo a dois Deuses, mas ao Deus todo poderoso que se declinou ao humano na pessoa de Jesus de Nazaré. O Espírito imortal, invisível, se corporificou a fim de submeter-se ao tempo, espaço, e as circunscrições próprias do mundo tangível e palpável da matéria.

A saudação em si, tem como objetivo apontar que Deus é pai, criador e mantenedor de tudo, e nos deu a graça de continuar sendo o nosso Senhor, mesmo em sua humanidade. Logo, a saudação faz referência clara a Deus, o Deus único crido pelos Judeus e inclusive por Paulo. Referenda também, a revelação deste Deus na figura de Jesus.

A expressão “graça”, na verdade, é a bondade retratada nos méritos de Cristo, que a conquistou para aquele que crê nele. De modo bem explícito: O favor (o ato salvífico) imerecido (ao homem) lhe é imputado (posto em conta) através da vida, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré.

Quando se crê em Jesus como o Senhor da sua vida, dá-se o ato salvífico na dimensão humana. É como se Cristo tivesse vivido a vida, a morte e a ressurreição do pecador perdido e separado de Deus, tomando completamente o seu lugar. Toda a culpa é abarcada pela morte daquele que foi sacrificado desde a fundação do mundo - fora do concurso humano, mas manifesto ao seu tempo - incluindo em um só ato: Passado, presente e futuro.

O ato salvífico de Cristo é tão extraordinário, que extrapola as expectativas e perspectivas meramente humanas e racionais, cuja pequenez não consegue apreender e dimensionar de forma perfeita a transcendência Divina. Mas ao receber a “graça”, se abre o caminho para a “paz”, paz com Deus, paz consigo mesmo, paz que excede todo o entendimento.

Esse dom indescritível, simplesmente recebido é o que nos faz agradáveis eternamente diante de Deus.

Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo[…] Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores. Logo, muito mais agora, sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira. Porque, se nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida. ( Rm.1.1, 8-10).

Wanderley Nunes.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Antropomorfismo: A Palavra de Deus e a linguagem humana

ENTRADA FRANCA
LOCAL: CLUBE CIFAMM
Av. Independência, Final da Rua da Apeti
Entre Mário Covas (à 500m da Mário Covas) e Rod. Quarenta Horas
Ananindeua - PA

Visualizar Mapa abaixo:

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Comentário de Gálatas 1.1: Apóstolo de Jesus Cristo.

Paulo, apóstolo, não da parte de homens, nem por intermédio de homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos.


Paulo começa sua carta evidenciando que seu apostolado não era fruto de uma vontade humana superior a sua. Não fora homem algum o responsável por seu comissionamento. Em um tempo em que todos buscam títulos e “nomes”, Paulo se arrisca a falar subjetivamente acerca de um chamado. “Sou apóstolo, Deus me confiou isso.” É mais ou menos esse o discurso dele. 

[…] “Nem por intermédio de homem algum”.

Temos aqui outra afirmação negativa quanto ao envolvimento de Paulo com um clérigo judeu ou cristão. Em síntese, ele diz: Sou apóstolo - alguém enviado com uma missão Divina, é isso que o termo significa, nada mais - não por ordem de ninguém, muito menos por intermédio de quem quer que seja.

Também não alude a uma nomeação presbiteral, episcopal ou pastoral1 comum2, se refere sim, a uma chamada feita diretamente por Deus. Um grande exemplo disso, é que todas as vezes que presbíteros foram convocados ao labor eclesial, esse comissionamento foi feito pela igreja.

Quando os apóstolos chegaram ao consenso de que havia a necessidade premente de substituir Judas, não tiveram dúvidas, deixaram a cargo do próprio Deus, usando o expediente judaico de lançar sortes3. Que fique claro, tal ato praticado por Pedro e os demais nunca mais seria repetido. Ademais, o próprio Paulo nunca faria menção a essa prática.

Paulo advoga uma experiência pessoal e um chamado especifico, similar, ou mesmo superior àqueles que conviveram com Jesus. O que acontece com o doutor dos gentios é algo inédito na história do apostolado, pois para ser admitido no corpo apostólico haviam algumas prerrogativas imprescindíveis: Ter andado com Jesus e ser testemunha ocular de sua ressurreição4, algo que faltava a Paulo.

Quando compreendemos o não credenciamento Paulino ao apostolado por via humana, esclarece-se sua autoafirmação: “Não da parte de homens, nem por intermédio de homem algum”.

Em Paulo fecha-se o ciclo apostólico como relatado no Novo Testamento. Embora possamos observar o vocábulo “apóstolo”, referindo-se a alguns companheiros mais tardios5, nunca porém, há uma citação dando a esses personagens a mesma importância e status dos chamados apóstolos de Jesus Cristo.

Algo que não deve passar despercebido, é que os apóstolos canônicos6 testemunharam a respeito de Paulo, e eles mesmos o acolheram no colegiado apostólico7. Logo, no sentido requerido por alguns: Apostolado similar ao dos apóstolos do Cordeiro, esse, não existe mais. Apóstolo hoje, e de uma forma mais ampla, é a Eclésia no seu labor evangelístico, e individualmente, os membros desse corpo que foram comissionados por Deus a levar a boa semente do evangelho.

Observando por esse prisma, não devemos acatar a ideia da autoproclamação apostólica de algumas mentes mórbidas, cuja única preocupação é receber os louros e o incensamento público, os quais, na verdade, não possuem direito e muito menos chancela bíblica ou histórica para isso, e mesmo que possuíssem qualquer prerrogativa que o indicasse, mais digno ainda seria o gesto de recusa de tal nominação, visto que todos os apóstolos do Cordeiro coroaram os seus serviços, ungidos pelo sangue do martírio saído das suas próprias veias.

Seriam tais “apóstolos”, apóstolos a esse ponto? Na carta aos Coríntios Paulo fala de como compreende a figura do enviado de Deus8. Ser apóstolo de Jesus cristo nunca foi nada glamoroso, ou algo que o mundo venha respeitar ou pôr como “cabeça”- como querem alguns incautos… E outros nem tanto assim! - Vejamos o que o próprio Paulo fala do seu apostolado canônico.

Porque a mim me parece que Deus nos pôs a nós, os apóstolos, em último lugar, como se fôssemos condenados à morte; porque nos tornamos espetáculo ao mundo, tanto a anjos, como a homens.
Nós somos loucos por causa de Cristo, e vós, sábios em Cristo; nós, fracos, e vós, fortes; vós, nobres, e nós desprezíveis. Até a presente hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa, e nos afadigamos, trabalhando com nossas próprias mãos. Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos; Quando caluniados, procuramos conciliação; até agora, temos chegado a ser considerados lixo do mundo, escória de todos9.”

Quando abraça a chamada apostólica, Paulo entende que haverá bônus, porém, têm a clara compreensão de que o ônus, embora efêmero, é intenso, árduo, e profundamente doloroso. Mesmo assim, e sob os auspícios do Evangelho que cria, segue sua trajetória que findará em seu suplício e morte por decapitação10. Não sem antes, amargar o abandono e o desprezo da maioria dos seus seguidores11.

Paulus, apostolus Christi Iesu.

Wanderley nunes.

1 Na verdade, sinônimos que apontam para aqueles que foram chamados pela igreja, conselho, ou colegiado, para atuarem tendo um reconhecimento formal das funções já exercidas: Pastor (cuidador e protetor), presbítero (irmão mais velho, mais experiente), bispo (epíscopo, que observa o rebanho, supervisor). Todos os labores citados são comuns aos três: O pastor cuida, protege, é alguém mais experiente, observa o rebanho, tendo uma visão mais ampla devido a sua experiência. Isso do mesmo modo se aplica ao presbítero e ao bispo.

2 Tt.1. 5; At.11 .23

3 At.1. 26

4 At.1. 21-25

5 Rm. 16.7

6 Apóstolos canônicos - Aqui é no sentido de que foram reconhecidos desde o princípio como originais, únicos, e pedras fundamentais para a eclésia em todos os tempos.

7 Gl. 2.7-9; II Pe.3.15,16.

8 É o significado da palavra apóstolo

9 I Co. 4.9-13.

10 II Tm.4.6.

11 II Tm. 4.10; 4.16.

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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Manifesto irreligioso.


Defino religião, a despeito das suas diversas etimologias, como o enquadramento do Divino pelo humano, uma tentativa fracassada de possuir um Deus. Se há um Deus que pode ser possuído por um mortal e seguir os seus ditames e quereres, logo ele é um “deus”, e qual o gênio da lâmpada, possui um amo.

Para que esse deus sobreviva então, serão criadas ou emprestadas de outros sistemas de crenças algumas leis e normas, para que todos que queiram, possam entrar debaixo desse guarda-chuva. Também serão impostas muitas “verdades absolutas”, todos os fiéis, de forma unívoca terão que viver e morrer por isso. “Verdades”, que são apenas reverberações de psiques adoecidas em busca de autoafirmação.

O máximo que se conseguiu chegar palmilhando esse caminho foi à religião cristã de todas as vertentes, não importa, fomos enquadrados. Não temos mais vida própria, vivemos para “Jesus” de modo carola e fantasista.

O Jesus verbo de Deus é o caminho, não há intermediários, mas a religião cristã organizou um teatro cujos fantoches somos nós. Jesus se tornou secundário, “o caminho” é o sistema que fala em nome dele. Ouvimos que conhecendo a verdade em Cristo teríamos liberdade, o homem então inventou a igreja[1], engaiolou a fé, monopolizou a salvação e condenou os que ousaram pensar fora da caixa. 

Quando alguém vem para uma “igreja” pensando que encontrou Jesus – encontrou na verdade o Jesus religioso da igreja – aprende que precisa “ganhar almas” (inclusive as almas dos familiares), ou então manter distância dos que pensam diferente e podem “influenciá-lo a abandonar a fé, leia-se a igreja, já que para a instituição, os que te levam a refletir e racionalizar a fé são todos endemoniados. Desde então, instaura-se uma guerra nada santa, e em nome da religião, separam-se os maiores amigos.

Você não “pode” mais passar o natal com seus familiares, porque na festa haverá bebida, ou então, porque você não acredita mais no natal e o bom velhinho não passa de um demônio. Aí está então você só, acreditando que Jesus faz festa por causa da sua atitude “dignamente religiosa”.

Logo ele, que disse pra Zaqueu o publicano com fama de corrupto: Me convém dormir na tua casa; para sua geração: Não precisam de médicos senão os doentes, pois vim buscar e salvar maus e perdidos.

Que verdade escandalosa! Jesus não salva bons, perfeitos e impecáveis, eles tem a si mesmos como céu. Cristo é o Senhor dos fracos, débeis, depauperados… daqueles que compreendem que sua fortaleza consiste em reconhecer sua fraqueza.

O Jesus que creio e sigo, não é o Jesus dos quadros pintados pelos grandes artistas, muito menos o Jesus da religião cristã, sobretudo evangélica; a propósito, a muito deixou de ser do evangelho. O Jesus que creio não é dos templos, das catedrais, dos milagres com hora marcada. O Jesus que creio não possui beleza exterior, embora seja artífice de tudo que é belo. Esse Jesus que creio, sempre se preocupou com gente. Amou o pobre, banqueteou-se com os ricos, deu conselhos aos poderosos, alimentou multidões famintas…

O Jesus do evangelho continua escandalizando religiosos, pois religião é especialista em repressão, Jesus em celebração. O seu primeiro milagre foi socorrer um noivo na sua festa de casamento. Se Jesus fosse um crente industrializado pelo puritanismo tradicional, coitado do noivo! Mas ele era alguém que amava a vida. A água foi transformada em vinho (ninguém vai pra festa pra beber água), e a festa pôde continuar…

O Jesus do evangelho deixou claro que quem gosta de enquadramento, sistematizações e afins, não tem como receber a boa notícia. Veio João Batista, não comia carne, não bebia vinho (não ia pra festa…) vocês não o receberam. Vim eu, como carne, bebo vinho (vou e patrocino festas), e vocês dizem: Eis aí um homem comilão e beberrão, amigo de publicanos e pecadores.

Continua tudo do mesmo jeito… Por isso, abandonei a religião e deixei de ser crente. Não! Não fiz isso por que sou melhor de que eles (religiosos), talvez eu seja o pior de todos. Deixei por que sou humano demais para uma fé de super-homens e extraterrestres impingida pela religião cristã. Escolhi confiar no Deus que a Bíblia tenta explicar e os homens tentam entender, mas que está infinitamente além dos homens e da própria escritura.

A Bíblia no Antigo testamento conta histórias, traz predições, testemunhos do povo judeu e sua saga ao longo dos séculos. O Novo Testamento materializa e sintetiza tudo isso na pessoa de Jesus e transforma em algo que me diz respeito enquanto homem, todavia, os clericatos atualizaram eventos importantes em determinado período – os quais não mais seriam repetidos – em objeto de culto. Trocou-se o sentido pala forma, a adoração pela liturgia.

A grande mensagem do evangelho, não é o tanto que tenho que me esforçar para cumprir determinadas normatizações, o evangelho é a boa notícia: Deus me amou! O verbo aqui está no pretérito perfeito, embora o vernáculo seja diminuto demais para expressar o amor de Deus, lanço mão da forma presente e futura respectivamente: Deus me ama, Deus me amará. Poderia simplificar tudo isso com o gerúndio: Deus está me amando, forma verbal usada para falar de algo em processo contínuo, porém, você de forma arguta e lógica diria: Deus está me amando sim, desde quando?

A religião vai perguntar sobre o mérito e tua decisão de ser salvo – os calvinistas perguntarão pela eleição e continuarão na eterna discussão com os arminianos – Enfaticamente direi: Deus me amou, isto possui um “que” de eternidade. Quando não existia nem minha poeira cósmica Deus me amou, quando passei a existir no tempo e no espaço Deus me amou. Quando sorri, chorei, adoeci, fiquei curado, quando pequei!!! Deus me amou!

A religião cristã procura sempre pelo mérito ou demérito. Prefiro o Jesus do evangelho, que me amou independente do meu bem ou meu mal. Prefiro me reunir e está cercado de pessoas de carne e osso, que tem carências, frustrações, sonhos, realizações e admitem que eu possa ser alvo destas mesmas vicissitudes, sem por isso, deixar de me chamar de irmão.

Quero ter a graça de adoecer e não ser visitado por alguém que necessita mostrar a “igreja” que visitou um moribundo, na verdade, quero ter a graça de que quando desejar não ser importunado, tenha respeitado o meu momento, e assim sendo, continuar contando com a estima de todos.

Quero ter a graça de falar publicamente das minhas orações não respondidas, daquela dor que não passa, da tentação que não supero… 

Chega de mentira! Chega de ilusão! Chega de religião! Quero aprender a desfrutar do Jesus Senhor, que rasgou o véu do templo, inviabilizando o sacerdotalismo e o levitismo. Quero aprender a amar o Jesus Senhor que me ama para além da vida… Por fim, não quero me apegar tanto a esta vida a ponto de esquecer que Deus tem prazer na minha morte. Não porque seja sádico, e sim, porque é Deus. O humano aqui sou eu… E você!


W anderley Nunes.

[1] A comunidade de Cristo: Eclésia, nada tem a ver com a igreja institucionalizada de hoje.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Demitizando a Serpente (Não havia demônio no Éden)


Costumamos ler a Bíblia condicionados e normatizados pelas fôrmas sistemáticas impostas pela teologia, ainda que nunca tenhamos lido um único compêndio teológico, todavia, o vírus da “teologia sistemática da igreja” nos alcançou e fomos infectados. Lemos sobre “amor” em Gênesis e formulamos um sermão cujo ápice encontra-se em I Coríntios 13, sem nos importarmos com as diversas acepções dessa palavra ao longo dos séculos, nem com a cultura na qual estavam inseridos o escritor e o público que recebeu em primeira mão a mensagem Divina. 

Esquecemos que a Bíblia sendo o livro de Deus, é também o livro do homem. Traz uma mensagem transcendente usando, porém, uma linguagem limitada pelo tempo e pelas mudanças socioculturais.

Devido as dificuldades aqui apresentadas, observamos então que a maneira menos dolorosa de ler e refletir as escrituras é usando como expediente investigatório a teologia Bíblica, dissecando de forma sincera e menos parcial possível (se é que alguém consegue) a ideia por trás do texto.

Convido você a observar apenas o livro de gênesis, livrando-se de todos os padrões interpretativos que recebeu por herança, por um breve período, olhe para esse livro como se fosse o único livro que a Bíblia possui. Leia então gênesis 3.1-5.

Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o SENHOR Deus tinha feito, disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim? Respondeu-lhe a mulher: Do fruto das árvores do jardim podemos comer, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais.Então, a serpente disse à mulher: É certo que não morrereis.Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal.



Qual a figura que se vê no texto? A figura do diabo? Não, em hipótese alguma, o texto refere-se a uma serpente, inclusive a chama de animal. Encontramos no texto: Deus, Adão, Eva e a serpente. O único ser espiritual no texto é Deus. Paulo (II Co.11.3) no uso da sua brilhante verve, não viu no texto mais do que o texto afirma de forma inexorável: “Mas receio que, assim como a serpente enganou a Eva com a sua astúcia, assim também seja corrompida a vossa mente e se aparte da simplicidade e pureza devidas a Cristo.”

No pensamento de Paulo não há nem um demônio no Jardim. Outro fato interessante, é que o Apóstolo dos gentios não atribui à serpente a entrada do pecado no mundo; ele não vê um demônio escondido entre as folhagens, esperando a oportunidade para possuir a serpente depois de ter sido expulso do céu. Definitivamente, não há nada disso na mente de Paulo: “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Rm.5.12).

O que observamos é que nesse aspecto, a teologia do doutor dos gentios continua fiel ao pensamento judaico: O pecado é de total responsabilidade humana, a figura da serpente é interpretada como o desejo latente do homem em tornar-se senhor de si, independente e autossuficiente.

Podemos observar, ainda, que quando vem a punição (Gn.3.13,14), todos a sofrem, inclusive a serpente. Detalhe: A punição é para o “animal selvático” (serpente), não há punição para um espírito diabólico que supostamente houvesse se apossado dela.


Disse o SENHOR Deus à mulher: Que é isso que fizeste? Respondeu a mulher: A serpente me enganou, e eu comi. Então, o SENHOR Deus disse à serpente: Visto que isso fizeste, maldita és entre todos os animais domésticos e o és entre todos os animais selváticos; rastejarás sobre o teu ventre e comerás pó todos os dias da tua vida.

Vale salientar que no Antigo testamento a fé em Deus é uma fé monista. Deus é Senhor absoluto da vida e da morte, do bem e do mal. Trataremos disso em breve, grande abraço. 


W anderley Nunes.

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terça-feira, 29 de abril de 2014

Você Precisa Participar!

Ao cair da tarde daquele dia, o primeiro da semana, trancadas as portas da casa onde estavam os discípulos com medo dos judeus, veio Jesus, pôs-se no meio e disse-lhes: Paz seja convosco! E, dizendo isto, lhes mostrou as mãos e o lado. Alegraram-se, portanto, os discípulos ao verem o Senhor. Disse-lhes, pois, Jesus outra vez: Paz seja convosco! Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio.
[…] Ora, Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Disseram-lhe, então, os outros discípulos: Vimos o Senhor. Mas ele respondeu: Se eu não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o dedo, e não puser a mão no seu lado, de modo algum acreditarei. (Jo. 20.19-21, 24, 25).

O texto joanino retrata um momento muito difícil para a fé dos discípulos. Por outro lado,  decisivo para o futuro da eclésia[1] que havia de ser efetivada a partir do pentecoste. Há porém, algumas lições simples, no entanto, objetivas a serem observadas. A primeira delas, é que apesar de estarem com medo dos judeus, eles mantinham a comunhão uns com os outros.

Nos momentos de tensão, frustração e desespero, geralmente surge uma tendência à fuga e isolamento. Pedro e a maioria dos seus companheiros de fé não escolheram tal caminho. Estavam com medo, apreensivos, cheios de incertezas, mas permaneceram juntos.

Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho. Porque se caírem, um levanta o companheiro; ai, porém, do que estiver só; pois, caindo, não haverá quem o levante. Também, se dois dormirem juntos, eles se aquentarão; mas um só como se aquentará? Se alguém quiser prevalecer contra um, os dois lhe resistirão; o cordão de três dobras não se rebenta com facilidade. (Ec. 4.9-12).

Deus em sua sabedoria criou a eclésia, um corpo com muitos membros diferentes, dependentes uns dos outros; labores diversos, entretanto, sacralizados pela vida insuflada pelo Espírito, que faz, a despeito das incongruências e paradoxos, a manutenção da indivisibilidade do corpo.

Ao contrário do que comumente se pensa, o grande equívoco de Tomé não foi primordialmente a dúvida sobre a ressurreição de Cristo, e sim, antes de tudo, o abandono da comunhão dos irmãos. Tomé fez o que muitos fazem hoje: Se desiludiu da fé por não ser aquilo que esperava, consequentemente abandonou os “irmãos”, pois eram apenas “irmãos”, não eram amigos, não havia comunhão real. Era apenas o que o secularismo capitalista produz hoje: relacionamentos interesseiros e rasos, que não suportam as crises comuns à vida.

Felizmente Tomé teve um retorno ao bom senso, e voltou à comunhão dos aflitos e apreensivos, tendo nesse retorno uma notícia no mínimo desconcertante: o mestre havia ressuscitado. Como um aluno que faltara a essa aula, estava aturdido com a “suposta” experiência dos seus amigos, e claro, não podia crer. Tomé não possuía embasamento escriturístico de fé e de comunhão com a vida daquele grupo. Crer na ressurreição naquele momento se tornara uma tarefa impossível para ele.

É somente na comunhão da eclésia, conforme afirma Paulo (Cl. 3.16), que pode haver instrução e admoestação mútua, louvor, gratidão e a busca pelo crescimento na graça e na fé. Logo, não deveríamos nos render às vicissitudes da vida. Jesus não nos convida a abandonar a comunhão dos santos por causa do secularismo e materialismo impingido por essa era, mas sim, relegar à última instância tudo o que nos fere e nos impugna a caminhada de fé.

Outro fator imprescindível para nós, é o desenvolvimento de um caráter com nuanças e tons altruístas. Por isso, Paulo recomenda o perdoar e suportar uns aos outros (Ef. 4.32; Cl. 3.13). Perdoar é passar por cima do nosso orgulho e egocentrismo, é conceder uma nova oportunidade para aquele que nos trouxe prejuízo.

Ainda há algo sobremodo relevante para a contínua construção e aperfeiçoamento do nosso caráter: aprendermos a suportar, dar suporte de verdade ao mais débil e inexperiente na fé (Rm.15.1), não vivendo uma vida mesquinha do agrado próprio (Rm.15.2,3). Você dirá: “Isso é impossível para mim!” Não é! Isso é questão de exercício. É que passamos a vida nos exercitando unilateralmente, sempre voltados para os nossos interesses.




O homem foi criado para viver comunitariamente, para servir partilhando. Quem aprende a servir é mais feliz. A felicidade não está na posse e na conquista, elas são meios que nos conduzem a um contínuo relacionar-se, e nós, desapercebidos não enxergamos. Mesmo os egocêntricos empedernidos sabem, ainda que não o admitam, que a posse e a conquista nada valem sem o outro para acolhê-las, admirá-las e entregar-lhes os “louros”.

Para conquistar, seja em que âmbito for, precisamos uns dos outros. Por que não viver isso na esfera comunal da eclésia, com a alegria e a dor que o servir mútuo proporciona?
Conta-nos as escrituras que Tomé depois da crise permaneceu com os discípulos até o  pentecoste. Mais tarde, saiu pelo mundo falando do Cristo ressurreto.
Segundo um sábio sagrado, mais esperança se tem em um jovem pobre e sábio do que em um monarca experiente, porém insensato, que não acolhe mais conselho de ninguém. (Ec.4.13).

Deixe de olhar só para si e seus problemas, abandone a autocomiseração. O que você precisa é participar.


Em Cristo,


W anderley Nunes.


[1] Eclésia aqui, é a Igreja não no sentido institucional ou denominacional que conhecemos, mas o organismo vivo proposto por Cristo.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Igreja e homoafetividade

Neste momento de tanta controvérsia, quando a liderança evangélica se autoproclama defensora da  moral e dos bons costumes da família brasileira, sobretudo se lançando em fúria desdenhosa contra os relacionamentos homoafetivos, venho, neste espaço, declarar minha total repulsa a tal movimento, que nem de longe representa o ideário do povo cristão, muito menos apresenta  qualquer similaridade com o Evangelho de Jesus Cristo, o qual sempre atendeu aos anseios das  minorias, surpreendendo-as com um amor que chegava a possuir nuanças poéticas, de tão desambicioso e apolitizado que era.

O que temos observado é que um incidente (ou não seria um acidente?) catapultou personagens políticos, até então de exígua expressão ao “seleto” clã dos figurões nacionais. Na verdade se  descobriu nesse entrevero acidental, uma riquíssima “casa da pólvora”, capaz de abastecer a gana  guerrilheira de sede por poder político, custe o que custar. E se a bola da vez é o casamento homoafetivo, ou a PL 122, melhor ainda.

Seguindo os ditames desses líderes, se deve olhar para os homoafetivos como dalits, seres inferiores. E é precisamente aí que o engendramento político-religioso ganha força, justamente no ponto em que deveria ser mais fraco. Mais fraco na discriminação, mais fraco no ódio, mais fraco no revanchismo. A “igreja” que segue as ordens veladas desses “formadores de opinião”, não deveria se autoproclamar igreja, pois as prerrogativas que estão sendo usadas apontam muito mais para uma ética nietzschiana, em que o altruísmo é uma fraqueza, e a moral invenção dos fracos.

A reação dos LGBTs ante a eleição para a Comissão dos Direitos Humanos e Minorias (CDHM) de alguém que lhes parece na prática contrário aos seus direitos, seria de se esperar, pois é comum a qualquer grupo social  cristão ou não - ou que tenha em sua membresia diversidades de crenças,  sentindo-se vilipendiado em seus direitos enquanto cidadãos - protestar e rechaçar veementemente  atitudes que sentem preconceituosas. Por outro lado, a recíproca por parte da igreja nunca deveria  ter acontecido.

Seria uma vitória da igreja e porque não dizer, da fé cristã, o assentimento a união civil dos homoafetivos, pois o que está em jogo são os direitos do cidadão, e sobre isso igreja alguma tem o direito de arbitrar. O cidadão, hétero ou homossexual, deve ter o poder de escolher com quem se une e para quem deixa sua herança, sem que para isso necessite aríetes jurídicos para se livrar dos nós dados pelo setor que mais deveria fazer bulha por democracia e igualitariedade.

Jesus Cristo, a figura basilar da fé cristã, foi antes de tudo um cidadão judeu, observador das rígidas  regras da Torah, todavia, não literalizou, muito menos necrosou a palavra, antes a viveu no espírito do amor gracioso de Deus.

Para Jesus mais importante do que apedrejar a adúltera era conceder-lhe a oportunidade de rever seus conceitos; mais importante do que expor ao ridículo um famigerado cobrador de impostos, era  se auto convidar para jantar e dormir em sua casa, gerando no publicano um processo reflexivo decorrente de acolhimento e desvelo inesperado por parte daquele que mais possuía condições  éticas e morais para condená-lo.

A liderança da igreja, hoje, no mesmo espírito dos escribas e fariseus da época de Jesus, fazem vistas grossas ao genuíno discurso e prática do grande mestre. Isso se torna patente quando há uma acurada análise da vida que Cristo viveu e seu trato com todo aquele que ia ao seu encontro com pureza de alma, em busca de alívio e paz.

A Igreja logo cedo desaprendeu a misericórdia e graça da ética de Cristo, e se não adulterou os textos bíblicos por causa do seu medo de assumir um Jesus sem preconceitos, pelo menos suavizou  algumas traduções, as quais, exegeticamente deixam à mostra um Nazareno muito menos mítico-religioso, que ama ao que mais necessita ser amado e que é bem mais humano e identificado com as dores dos menos favorecidos e alijados socialmente. Isso, se lido assim, de forma menos religiosa e mais crua.

Jesus era alguém de fato interessado no próximo, apenas pelo próximo que esse alguém era. No episódio registrado em Mateus 10.5-13, um centurião romano é senhor de um escravo jovem, que no texto grego deixa pouca margem para se negar haver um relacionamento homoafetivo entre ambos, porém, o que Mateus corajosamente parece demonstrar é como o messias era acolhedor, definitivamente ele não era homofóbico.

Tendo Jesus entrado em Cafarnaum, apresentou-se-lhe um centurião, implorando:
Senhor, o meu criado ( παις= amante) jaz em casa, de cama, paralítico, sofrendo horrivelmente.
Jesus lhe disse: Eu irei curá-lo.
Mas o centurião respondeu: Senhor, não sou digno de que entres em minha casa; mas apenas manda com uma palavra, e o meu rapaz ( παις= amante) será curado.
Pois também eu sou homem sujeito à autoridade, tenho soldados às minhas ordens e digo a este: vai, e ele vai; e a outro: vem, e ele vem; e ao meu servo( δουλος= escravo, servo) faze isto, e ele o faz.
 Ouvindo isto, admirou-se Jesus e disse aos que o seguiam: Em verdade vos afirmo que nem mesmo em Israel achei fé como esta. Digo-vos que muitos virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus. Ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes. Então, disse Jesus ao centurião: Vai-te, e seja feito conforme a tua fé. E, naquela mesma hora, o servo( παις= amante) foi curado. (Mt. 8. 5-13)

Jesus não foi preconceituoso, o que se pode notar é o quanto Jesus foi gracioso com o centurião atendendo a um pedido de socorro.

Conforme observamos, só Mateus usa o termo παις (pais – termo grego para “amante”), o qual apontava 90% das vezes para um relacionamento homoafetivo, sempre empregado para um servo jovem, usado sexualmente, algo comum na cultura de alguns povos daquele tempo. Os Judeus para os quais o Evangelho de Mateus foi escrito, eram familiarizados com essa situação dos soldados Romanos.

Por isso, o evangelista usa o termo παις (pais = amante) sem pudor algum. Quando o centurião fala no mesmo texto sobre os outros que lhe obedecem usa a palavra δουλος (doulos = servo, escravo). Os demais Evangelhos dirigidos a outros públicos, evitam a palavra παις (pais= amante), usando o termo υιος (huios = filho) traduzido sem ensejar outro sentido. O grande exemplo disso é Jo. 4.46. Já Lc. 7.2 substitui παις (pais = amante) por δουλος (doulos = servo, escravo).

Como judeu, Jesus sabia da rudeza da lei com relação a homoafetividade, isso todos sabiam. Ele sabia também quanto essas pessoas já sofriam em si mesmas por assumirem sua opção sexual. Não precisavam de mais condenação e sim de amor. Se Jesus, o mestre por excelência, não desejou condenar o centurião condenado pela sociedade judaica do seu tempo, não deveria ser a posição da igreja no mínimo similar à do seu líder maior?

Não queremos, como cristãos que somos, que a Bíblia, nossa regra mor de fé e prática, seja desprezada, é direito da igreja enquanto cidadã poder realizar o seu culto e liturgia conforme preceitua as Escrituras. Nelas não há anuência ao casamento de pessoas do mesmo sexo.

Se constitucionalmente a Igreja tem o direito de realizar o cerimonial idílico daqueles que fazem parte da sua membresia, os quais, acatam uma visão heterossexual do casamento, e por conseguinte declinar do convite a realização de casamento homoafetivo, do mesmo modo, aquele que não esposa a mesma fé, tem democraticamente o direito de unir-se civilmente com quem desejar sem a intervenção das instâncias religiosas as quais não estão ligados.

Vivemos pelo menos em tese, em uma democracia, devemos então exercitá-la a partir do princípio da equidade. Se há direitos, eles são comuns a todos. Não é porque creio, que o meu crer torna-me socialmente superior ao ceticista, antes sua descrença deve servir de cercas fronteiriças à minha, por vezes, destemperada credulidade.

Paradoxalmente, minha postura crédula como militante a serviço do etéreo, de forma cristocêntrica sempre me conduzirá aos pés do eterno e aos braços e abraços daquele que difere, possibilitando em muitas ocasiões a descrença da descrença. Quando isso acontece, percebe-se a vitória do amor, do respeito e da cidadania, por conseguinte, a vitória do bem comum. Assim penso Cristo, assim penso a igreja.

Wanderley Nunes.