Paulo, apóstolo, não da parte de homens, nem por intermédio
de homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os
mortos.
Paulo começa sua carta evidenciando que seu apostolado não era
fruto de uma vontade humana superior a sua. Não fora homem algum o responsável
por seu comissionamento. Em um tempo em que todos buscam títulos e “nomes”,
Paulo se arrisca a falar subjetivamente acerca de um chamado. “Sou apóstolo,
Deus me confiou isso.” É mais ou menos esse o discurso dele.
[…] “Nem por intermédio de homem algum”.
Temos aqui outra afirmação negativa quanto ao envolvimento de
Paulo com um clérigo judeu ou cristão. Em síntese, ele diz: Sou apóstolo -
alguém enviado com uma missão Divina, é isso que o termo significa, nada mais -
não por ordem de ninguém, muito menos por intermédio de quem quer que seja.
Também não alude a uma nomeação presbiteral, episcopal ou
pastoral1 comum2, se refere sim, a
uma chamada feita diretamente por Deus. Um grande exemplo disso, é que todas as
vezes que presbíteros foram convocados ao labor eclesial, esse comissionamento
foi feito pela igreja.
Quando os apóstolos chegaram ao consenso de que havia a
necessidade premente de substituir Judas, não tiveram dúvidas, deixaram a cargo
do próprio Deus, usando o expediente judaico de lançar sortes3. Que fique claro,
tal ato praticado por Pedro e os demais nunca mais seria repetido. Ademais, o
próprio Paulo nunca faria menção a essa prática.
Paulo advoga uma experiência pessoal e um chamado especifico,
similar, ou mesmo superior àqueles que conviveram com Jesus. O que acontece com
o doutor dos gentios é algo inédito na história do apostolado, pois para ser
admitido no corpo apostólico haviam algumas prerrogativas imprescindíveis: Ter
andado com Jesus e ser testemunha ocular de sua ressurreição4, algo que faltava a
Paulo.
Quando compreendemos o não credenciamento Paulino ao apostolado
por via humana, esclarece-se sua autoafirmação: “Não da parte de homens, nem por
intermédio de homem algum”.
Em Paulo fecha-se o ciclo apostólico como relatado no Novo
Testamento. Embora possamos observar o vocábulo “apóstolo”, referindo-se a
alguns companheiros mais tardios5, nunca porém, há uma citação dando a esses
personagens a mesma importância e status dos chamados apóstolos de Jesus Cristo.
Algo que não deve passar despercebido, é que os apóstolos
canônicos6
testemunharam a respeito de Paulo, e eles mesmos o acolheram no colegiado
apostólico7. Logo,
no sentido requerido por alguns: Apostolado similar ao dos apóstolos do
Cordeiro, esse, não existe mais. Apóstolo hoje, e de uma forma mais ampla, é a
Eclésia no seu labor evangelístico, e individualmente, os membros desse corpo
que foram comissionados por Deus a levar a boa semente do evangelho.
Observando por esse prisma, não devemos acatar a ideia da
autoproclamação apostólica de algumas mentes mórbidas, cuja única preocupação é
receber os louros e o incensamento público, os quais, na verdade, não possuem
direito e muito menos chancela bíblica ou histórica para isso, e mesmo que
possuíssem qualquer prerrogativa que o indicasse, mais digno ainda seria o gesto
de recusa de tal nominação, visto que todos os apóstolos do Cordeiro coroaram os
seus serviços, ungidos pelo sangue do martírio saído das suas próprias veias.
Seriam tais “apóstolos”, apóstolos a esse ponto? Na carta aos
Coríntios Paulo fala de como compreende a figura do enviado de Deus8. Ser apóstolo de
Jesus cristo nunca foi nada glamoroso, ou algo que o mundo venha respeitar ou
pôr como “cabeça”- como querem alguns incautos… E outros nem tanto assim! -
Vejamos o que o próprio Paulo fala do seu apostolado canônico.
“Porque a mim me parece que Deus nos pôs a nós, os
apóstolos, em último lugar, como se fôssemos condenados à morte; porque nos
tornamos espetáculo ao mundo, tanto a anjos, como a homens.
Nós somos loucos por causa de Cristo, e vós, sábios em
Cristo; nós, fracos, e vós, fortes; vós, nobres, e nós desprezíveis. Até a
presente hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos
morada certa, e nos afadigamos, trabalhando com nossas próprias mãos. Quando
somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos; Quando caluniados,
procuramos conciliação; até agora, temos chegado a ser considerados lixo do
mundo, escória de todos9.”
Quando abraça a chamada apostólica, Paulo entende que haverá
bônus, porém, têm a clara compreensão de que o ônus, embora efêmero, é intenso,
árduo, e profundamente doloroso. Mesmo assim, e sob os auspícios do Evangelho
que cria, segue sua trajetória que findará em seu suplício e morte por
decapitação10.
Não sem antes, amargar o abandono e o desprezo da maioria dos seus seguidores11.
Paulus, apostolus Christi Iesu.
Wanderley nunes.
1 Na
verdade, sinônimos que apontam para aqueles que foram chamados pela igreja,
conselho, ou colegiado, para atuarem tendo um reconhecimento formal das funções
já exercidas: Pastor (cuidador e protetor), presbítero (irmão mais velho, mais
experiente), bispo (epíscopo, que observa o rebanho, supervisor). Todos os
labores citados são comuns aos três: O pastor cuida, protege, é alguém mais
experiente, observa o rebanho, tendo uma visão mais ampla devido a sua
experiência. Isso do mesmo modo se aplica ao presbítero e ao bispo.
2 Tt.1. 5;
At.11 .23
3 At.1.
26
4 At.1.
21-25
5 Rm.
16.7
6 Apóstolos canônicos - Aqui é no sentido de que foram
reconhecidos desde o princípio como originais, únicos, e pedras fundamentais
para a eclésia em todos os tempos.
7 Gl.
2.7-9; II Pe.3.15,16.
8 É o
significado da palavra apóstolo
9 I Co.
4.9-13.
10 II
Tm.4.6.