quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

A dor que necessito



É fato que o sofrimento, a tragédia, a dor da perda, geralmente produzem revolta; é fato também, que alguns sabem lidar melhor com as decepções e vicissitudes da vida. É a partir das reações e respostas positivas destes últimos à sua dor pessoal, que tanta gente tem sido socorrida e tem amainadas as suas agruras através da solidariedade do seu “irmão de dor”.

Para o corpo humano sentir dor é algo imprescindível. A Sociedade Americana de Dor (American Pain Society) e a Direção Geral de Saúde de Portugal, colocaram a dor no posto de quinto sinal vital, precedida pela pressão sanguínea, frequência cardíaca, respiração e temperatura. [1] Não sentir dor ou não ter sensibilidade a ela, ao contrário do que se possa imaginar, não é um privilégio, mas um prejuízo.

Para um ser humano, não sentir dor alguma redunda em autodestruição, em perda de parâmetros entre o real e o imaginário, entre a sensibilidade sem máscaras da vida e a insensibilidade ilusória e destrutiva do não sofrer.

A doutora Felícia Axelrod, do Centro Médico da Cidade de Nova York relata o caso estarrecedor do menino Felipe Garcia.

[…] Felipe, 9 anos, morava com a família num circo na cidade de Chihuahua, norte do México. Entre as atrações, estavam leões descritos como perigosíssimos, mas que na verdade sofriam pela falta dos dentes da frente, um globo da morte com 3 motociclistas, e “o incrível menino que se prega”. Quem pagasse o equivalente a R$ 5 para ver o show de Felipe não tinha como não sair impressionado.
O menino estendia a mão sobre a mesa de madeira e pregava 1, 2, 3 pregos nas dobras dos dedos da mão. Como era imune à dor, não soltava um único grito durante o espetáculo. Algum tempo depois, convidava a plateia para comandar o martelo. Aí, a coisa ficava ainda pior. O suposto voluntário, que na verdade era um funcionário do circo, errava de propósito a martelada e acertava um prego em um dos braços do menino, que continuava estático como se nada tivesse acontecido. Ao final, o público aplaudia com entusiasmo.
[2]



O que na verdade estava por trás desse feito do menino era a analgesia congênita, uma rara doença. Seus portadores não sentem dor e não percebam também as mudanças de temperatura, ficando assim sujeitos a acidentes, queimaduras e lesões que facilmente podem os levar à morte.

Nesse caso, não sentir dor é uma tragédia, até porque sentimos dor desde o nascimento. A criança para se adaptar à vida fora do útero, precisa abrir os pulmões e expulsar o líquido amniótico, e isso não acontece sem dor, inclusive ela é a indutora de todo o processo.

A dor, ao contrário do que se pode pensar, é protetiva. Ela indica que algo está errado, para que se possa tomar as providências cabíveis. Ao falarmos em dor não podemos nos furtar de fazer referência às dores da alma, que tanto solapam a sociedade moderna, como a depressão e os transtornos psiquiátricos.

Tudo isso patenteia o fato de que não há vida sem dor, posto que ela é o contraponto da felicidade e o norte que lhe dá significância. 

Ainda que o homem viva muitos anos, regozije-se em todos eles; contudo,
deve lembrar-se de que há dias de trevas, porque serão muitos.
[3] 


Qualquer discurso religioso ou filosófico, que fale de uma vida hedonista e isenta de dores, sem dúvida alguma, poderá ser taxado claramente de falacioso e/ou fanaticamente delirante.

Devemos apegarmo-nos a vida, sim; celebrando-a sempre; não esquecendo da dor, inevitável, remansado-nos com a morte, destino final de quem vive, alegrando-nos na ressurreição, esperança de quem crer. 

Wanderley Nunes.



[1] Dor: O quinto sinal vital, Blog Filosofia da mente e ciências cognitivas, http://filosofiadamenteecognicao.blogspot.com.br , acesso dia 30/04/2015, 14:16 h
[2] Eles não sentem dor, Super interessante. http://super.abril.com.br , acesso dia 30/04/2015, 14:41 h 
[3] Ec.11.8

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

O que nos frustra? (O sofrimento internalizado)



O que na verdade nos embaraça é a nossa cosmovisão, nossas esperanças e sonhos, os quais na verdade são episódios subjetivos e não fatos concretos. Decepcionamo-nos com nossas perspectivas mais do que com o fato em si, as vezes, nem fatos há, e sim sonhos, delírios de um ego que anela o inatingível, o inexistente.

Assim, concluímos que o sofrimento é gerado muito mais a partir das nossas internalizações do que de eventos exteriores a nós. Quando nos decepcionamos, nos frustramos, na verdade estamos nos decepcionando e frustrando, não com a pessoa ou situação que nos proporciona sentimentos dolorosos, e sim com a nossa perspectiva equivocada com relação a pessoas, situações e fatos.

É temerário basear a felicidade em bens materiais, conquistas das mais diversas ou em pessoas. Calligaris, Doutor em psicologia, fala de “conceito de bem estar”, em lugar do termo felicidade. Para ele, nenhum desejo satisfaz o homem plenamente, embora, de forma errônea, achemos que a felicidade esteja na consecução dos nossos sonhos e desejos mais íntimos.

Bem antes de Calligaris, o livro de Eclesiastes já apontava para o engano de se procurar a felicidade em coisas externas a nós.

Resolvi no meu coração dar-me ao vinho, regendo-me, contudo, pela sabedoria, e entregar-me à loucura, até ver o que melhor seria que fizessem os filhos dos homens debaixo do céu, durante os poucos dias da sua vida. Empreendi grandes obras; edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas.
Fiz jardins e pomares para mim e nestes plantei árvores frutíferas de toda espécie. Fiz para mim açudes, para regar com eles o bosque em que reverdeciam as árvores. Comprei servos e servas e tive servos nascidos em casa; também possuí bois e ovelhas, mais do que possuíram todos os que antes de mim viveram em Jerusalém.
Amontoei também para mim prata e ouro e tesouros de reis e de províncias; provi-me de cantores e cantoras e das delícias dos filhos dos homens: mulheres e mulheres. Engrandeci-me e sobrepujei a todos os que viveram antes de mim em Jerusalém; perseverou também comigo a minha sabedoria.
Tudo quanto desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem privei o coração de alegria alguma, pois eu me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso era a recompensa de todas elas. Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que eu, com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol. [1]

O que Calligaris diz é similar ao que é relatado em Eclesiastes. O desejo realizado perde o sentido. As vezes, se deseja muito um bem, uma viagem, um homem, uma mulher, ou qualquer outra coisa. A concretude desses sonhos, em si mesmos, não tem condição de proporcionar a felicidade, na verdade, são instrumentos ilusórios dessa busca.

Do mesmo modo, como o empreendedor registrado em Eclesiastes reagiu ao chegar na conquista daquilo que desejava, assim agimos com as nossas realizações. Ao realizar ou conquistar algo, segue-se a euforia, logo depois o tédio, para então, a busca do próximo feito.

É muito importante ter uma definição de quem somos, onde queremos chegar e quem são aqueles que nos rodeiam. Nunca esperando demais do outro, pois quem espera muito do outro, tem geralmente muito pouco em si. Então, simplesmente viva, ame, compreenda se possível, perdoe se puder, chore quando necessário, divirta-se sempre, sorria para o mundo. Seja você mesmo, mas não esqueça de ser… humano. 


Wanderley Nunes


[1] Eclesiastes 2.3-11

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

A necessidade de discernimento

Um dos grandes problemas da interpretação Bíblica, é a dificuldade de se entender o escrito profético como crença no realizado na dimensão do eterno, e o seu desfrute completo, quando tal dimensão se instalar em definitivo.

 Essa é a tensão entre o que já possuo de direito em Cristo, porém ainda não tenho concretizado de fato na dimensão física.

Podemos exemplificar de modo mais claro com a seguinte pergunta: Quando você se rende a Jesus, o Evangelho lhe assegura salvação não é? : “Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida”1. Mas nesse momento você tem seu corpo transformado e entra na eternidade? Claro que não!

Você já possui, apenas não desfruta agora. Um grande exemplo disso encontramos no episódio dos homens que foram comissionados por Moisés para espiar a terra prometida. Por promessa de Deus aquela terra já lhes pertencia, entretanto, eles ainda não estavam morando nela. Os espias, em número de 12, cada um representando uma tribo, trariam amostras de que a terra existia, não só para testemunhar sua ida lá, mas para provar também a veracidade de tudo que fora dito.

Disse o SENHOR a Moisés:
Envia homens que espiem a terra de Canaã, que eu hei de dar aos filhos de Israel; de cada tribo de seus pais enviareis um homem, sendo cada qual príncipe entre eles. […] Depois, vieram até ao vale de Escol e dali cortaram um ramo de vide com um cacho de uvas, o qual trouxeram dois homens numa vara, como também romãs e figos.
Esse lugar se chamou o vale de Escol, por causa do cacho que ali cortaram os filhos de Israel.
Ao cabo de quarenta dias, voltaram de espiar a terra,
Caminharam e vieram a Moisés, e a Arão, e a toda a congregação dos filhos de Israel no deserto de Parã, a Cades; deram-lhes conta, a eles e a toda a congregação, e mostraram-lhes o fruto da terra.
Relataram a Moisés e disseram: Fomos à terra a que nos enviaste; e, verdadeiramente, mana leite e mel; este é o fruto dela.2

Observe, “fomos à terra”, se foram lá, então a terra existia. Como provar para o povo que não havia tido a mesma oportunidade? Através da palavra (o testemunho) e dos frutos da terra (o sinal).
A palavra apontava para a terra da promissão, o fruto corroborava e autenticava a promessa. Agora temos a pergunta: Os frutos eram a terra? De modo algum, mas eram uma pequena demonstração da sua existência inconteste.

Do mesmo modo, Paulo faz uma alusão ao Espírito de Deus como um selo (sinal) para aqueles que tem crido no Evangelho. O Espírito de Deus com todas as benesses que lhe são inerentes, constitui-se assim num penhor (garantia) de que Jesus transformará o nosso corpo mortal e corrupto, em um corpo imortal e incorruptível na sua vinda e no seu reino.

Em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória.3

Paulo explicita: Ao ouvir o Evangelho e crer nele, se recebe o Espírito de Deus como um selo de garantia da salvação. Logo, temos a salvação porque temos o Espírito, mas não temos ainda a imortalidade, a incorrupção, a nova terra, o novo céu… Embora tenhamos tudo isso garantido pelo selo do Espírito em nós, todavia, falta-nos a concretude, que se dará apenas no último dia.

Precisamos compreender a tensão existente entre o físico e o espiritual, entre o presente e o porvir, como diriam os velhos eruditos da fé: A tensão entre “o já, mas ainda não” do Evangelho.
Fui curado por Jesus, mas ainda adoeço, ele levou meus pecados, mas ainda peco, tenho vida eterna, mas ainda morro. Mas tenho a certeza do Evangelho que muito em breve não mais adoecerei, não mais pecarei, e não mais morrerei.

Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles.

E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras.
[…] Então, me mostrou o rio da água da vida, brilhante como cristal, que sai do trono de Deus e do Cordeiro.
No meio da sua praça, de uma e outra margem do rio, está a árvore da vida, que produz doze frutos, dando o seu fruto de mês em mês, e as folhas da árvore são para a cura dos povos. Nunca mais haverá qualquer maldição.
Nela, estará o trono de Deus e do Cordeiro.
Os seus servos o servirão, contemplarão a sua face, e na sua fronte está o nome dele. Então, já não haverá noite, nem precisam eles de luz de candeia, nem da luz do sol, porque o Senhor Deus brilhará sobre eles, e reinarão pelos séculos dos séculos.4

Quando se consegue olhar a vida, tendo a alegria e leveza do evangelho, crendo que Deus pôs no homem - sobretudo no homem do evangelho - todas as possibilidades, não há razão para temor, aquele que crê está seguro. Pode encarar a vida, sabendo e provando do bem e do mal que lhe são inerentes, vivendo a liberdade do fardo leve e jugo suave de Cristo, que atrai, cativa e subjuga o homem com correntes e cadeias de amor.

Posto que em Cristo, o homem tem a possibilidade de ser ele mesmo e ser livre, livre das amarras da religião escravizante, livre dos dogmas petrificados, dos “irmãos” espias da liberdade alheia… Tendo a consciência de que é morada de Deus, possuidor de uma salvação que não perde e de uma unção que ninguém rouba.

Está portanto tal homem, livre de toda sorte de magias e inimigos invisíveis. Não há batalhas a serem travadas, a não ser consigo mesmo. Esse homem entretanto, pode se gloriar em Cristo, em quem todas as dificuldades e fraquezas humanas não possibilitam o afastamento do Reino de Deus.

Essa consciência, que só quem é do evangelho possui, é que tem o poder de constranger todo aquele que é objeto desse amor, tornando-o cativo a uma consciência do Espírito. Somos sim, livres de tudo, somos sim, cativos do amor salvífico do evangelho que nos alcançou, desfrutemos pois dele, sem culpa e sem medo.

Wanderley Nunes

1Jo.5.24
2Nm.13.1,2 e 23-27
3Ef. 1.13,14
4Ap. 21.1-5 ; 22.1-5

sábado, 28 de novembro de 2015

Os milagres e Is.53

A excessiva mistificação dos cultos modernos, sua ênfase em milagres, retrata claramente o nível precário de conhecimento Bíblico e histórico da grande massa de cristãos de todos os matizes.
A pregação que aponta para a histórica crença no porvir tem se perdido em meio ao discurso da satisfação imediata, do céu aqui na terra, perpassando de forma sutil a ideia de que a fé em Cristo leva a auferir lucros, a vida de quem crê é apresentada como transformada em um conto de fadas, e a terra em que vivem, em um paraíso edênico.
O insistente apelo ao sobrenatural e mistico, tem trazido um prejuízo muito grande a fé de muitos. Constantemente temos lidado com pessoas magoadas, feridas, decepcionadas com o evangelho que lhe foi apresentado e com o “seu deus”.
Um dos grandes sofismas apresentados por esse desevangelho é pregação da cura divina tendo como base o texto de Isaías 53.
Porque foi subindo como renovo perante ele e como raiz de uma terra seca; não tinha aparência nem formosura; olhamo-lo, mas nenhuma beleza havia que nos agradasse.
Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer; e, como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso.
Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido.
Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados.
Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas o SENHOR fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos.
Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca; como cordeiro foi levado ao matadouro; e, como ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu a boca.
Por juízo opressor foi arrebatado, e de sua linhagem, quem dela cogitou? Porquanto foi cortado da terra dos viventes; por causa da transgressão do meu povo, foi ele ferido.
A primeira avaliação a ser feita sobre esse texto, é que foi produzido em um meio judaico, sob uma cultura baseada na Torah, a qual denominamos comumente de pentateuco1. Pecar nesse âmbito era desobedecer a lei, consequentemente se receberia a pena devida.
O texto descreve alguém que viria sem o devido reconhecimento, quase que num ostracismo, para prover um escape com relação ao pecado, causa de todos os percalços de Israel sob a égide da lei.
Muito embora o versículo 4 diga que Ele levou sobre si as nossas enfermidades e dores (dos Judeus), é somente nessa parte do texto de Isaías 53 que a enfermidade e a dor aparecem sem estarem acompanhadas da sua causa (transgressão e iniquidade). No versículo seguinte há uma clara ligação do sacrifício do servo sofredor como pagamento da dívida do pecado de Israel.
Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados2.
Nesse versículo a ênfase é total sobre o pecado como motivo de todas as intempéries da nação Israelita, o servo sofredor aqui, sara do pecado. Parece uma interpretação inverossímil, mas vejamos o que o Novo Testamento nos diz sobre isso.
A interpretação de Pedro
Porquanto para isto mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos,
O qual não cometeu pecado, nem dolo algum se achou em sua boca;
Pois ele, quando ultrajado, não revidava com ultraje; quando maltratado, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga retamente,
Carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos para os pecados, vivamos para a justiça; por suas chagas, fostes sarados.
Porque estáveis desgarrados como ovelhas; agora, porém, vos convertestes ao Pastor e Bispo da vossa alma.3
Pedro ao tratar do evento salvífico, nem sequer menciona a ideia de uma cura divina a ser recebida no momento em que alguém se rende a Cristo. Sua interpretação é: Nossos pecados foram carregados por Jesus, em Cristo fomos curados de todos eles.
Pedro que curou pessoas no nome de Jesus, não deu importância supra a cura física, não a pôs em suas cartas em pé de igualdade com a cura da alma. Ele sabia que vivia a fé no amanhã, sua esperança, ou melhor, certeza de esperança, estava no grande dia do Senhor, onde os mortos ressuscitarão, todas as doenças e dores terão ido embora, no cumprimento literal da profecia de Isaías 53.
Wanderley Nunes
1Os cinco primeiros livros da Bíblia Cristã. Que para os judeus contém a revelação da vontade de Deus e sua lei.
2Isaías 53.5
3I Pe.2.21-25

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Comentário de Gálatas 1.10 – Agradando a homens ou a Deus?

Porventura, procuro eu, agora, o favor dos homens ou o de Deus? Ou procuro agradar a homens? Se agradasse ainda a homens, não seria servo de Cristo.

Paulo aqui se refere ao alvo da sua prédica: Falar da boa nova, tentar levar todo homem judeu ou gentio, ao evangelho. O intento Paulino era de fato cumprir esse propósito.

“…E toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo”1.

“…Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus”2.

“…Dirijo-me a vós outros, que sois gentios! Visto, pois, que eu sou apóstolo dos gentios, glorifico o meu ministério3.”

“…Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé”4.

O dilema dos Gálatas

O grande entrave nesse momento é que os gálatas estavam sofrendo sérios ataques dos discípulos de Jerusalém, que buscavam desacreditar Paulo e seus ensinos. Tudo indica, que uma das acusações era que ele escoimava os galacianos das práticas da lei, com o intuito de facilitar a entrada deles na fé do Evangelho.

Paulo por sua vez, argumenta de modo incisivo que ao contrário do que se falava, ele seria a última pessoa que deveria ser acusada de transigir com o Evangelho de Cristo, visto que, antes de optar por seguir a Jesus, fora um dos maiores inimigos da Eclésia nascente.

Como bom fariseu, não aceitava de modo algum, a mínima comunhão entre evangelho e lei, pois a lei de Moisés fala de vida pelo cumprimento dos seus preceitos5, o Evangelho por outro lado, apresenta a vida eterna adquirida pela graça mediante a fé6. Logo, não há comunhão alguma entre lei e Evangelho, eles são antagônicos.

“Os irmãos” de Jerusalém, estavam tentando instruir os gálatas a entrarem no caminho do Evangelho pelas vias da lei, para Paulo, isso era inaceitável.

Se como judeu nunca aceitou isso, muito menos agora conhecendo a graça salvífica do Evangelho de Jesus Cristo.

Por esse motivo, ele argumenta, que se fora o seu propósito isentar-se e/ou até evitar o sofrimento, o vitupério de Cristo, sem dúvida teria continuado sendo um austero judeu, fariseu, guardador empedernido da lei Mosaica, o que lhe proporcionaria reconhecimento e status inerentes ao seu posto.

Quem de fato estava querendo se isentar do vitupério da cruz, e isentar os gálatas, não era Paulo, mas os de Jerusalém. Na mesma carta o apóstolo expõe o estratagema dos legalistas.

Eu, porém, irmãos, se ainda prego a circuncisão, por que continuo sendo perseguido? Logo, está desfeito o escândalo da cruz7“.

Todos os que querem ostentar-se na carne, esses vos constrangem a vos circuncidardes, somente para não serem perseguidos por causa da cruz de Cristo.

Pois nem mesmo aqueles que se deixam circuncidar guardam a lei; antes, querem que vos circuncideis, para se gloriarem na vossa carne”8.

Quem estava fazendo isso, Paulo ou “os irmãos” de Jerusalém? No Evangelho anunciado por Paulo, não havia espaço para glória e ostentação humanas, culto do ego, show gospel, encontros com Deus antecipadamente marcados, culto dos empresários, orações cujo o único intuito é se dar bem… Evangelho é cruz, é fé na obra absoluta de Deus, levada a cabo no Gólgota.

O Evangelho nos leva a vivermos por fé, esperando o porvir. Enfrentando os sucessos e fracassos que sem dúvida nos sobrevirão, porém, sempre com os olhos fitos no amanhã, no raiar do novo dia que trará novos céus e nova terra.

Se olharmos para a vida presente com o olhar futurista da fé, pouco ou nenhum espaço haverá para decepções com Deus, para um “evangelho mercadológico”, psicodélico, fruto de mentes paranoicas e megalomaníacas, cujo Deus é o “eu”, cuja efêmera glória serve somente para a confusão deles, pois só pensam nas coisas terrenas9. Evangelho é paz com Deus, paz consigo mesmo, paz que excede todo o entendimento e circunstâncias.

Wanderley Nunes

1II Co.10,5

2At.20.24

3Rm.11.13

4II Tm.4.7

5Lv.18.5

6Ef.2.8,9

7Gl.5.11

8Gl.6.12,13.

9Fp.3.19

terça-feira, 21 de julho de 2015

Comentário de Gálatas 1:8,9 - Além do Evangelho

Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema. Assim, como já dissemos, e agora repito, se alguém vos prega evangelho que vá além daquele que recebestes, seja anátema.

Depois de afirmar que só há um Evangelho(V.7), e que descaracterizar a graça é subvertê-lo, adulterá-lo, Paulo reitera aos gálatas sua inexorável crença de que Evangelho, era aquele que havia anunciado a eles.
Lembremo-nos de que na carta aos Gálatas ele não fala de “verdadeiro Evangelho”; há para ele apenas “O Evangelho”, os demais são meras maquiagens, plágios baratos, verdadeiras aberrações.
O Evangelho anunciado pelo doutor dos gentios estava plenamente ancorado no Jesus ressuscitado, aquele que nasceu e viveu como cidadão judeu, mas ressurgiu como salvador do mundo. Nele as barreiras étnicas e culturais são vencidas em nome do bem maior: O amor desmedido de Deus.
As discussões religiosas e suas práticas, ainda que baseadas em boa vontade, nada dizem a respeito de Jesus, embora usem seu nome. A tomada de posição Paulina não se fundamentou em uma intriga de devotos, mas em sua percepção da transcendência do Jesus ressuscitado.
Enquanto o judaísmo estava envolto em sombras ritualísticas e exigências cultuais, o Jesus ressuscitado, apresentado por Paulo, era totalmente livre e descomprometido desses meandros, sendo ele a realidade e o alvo daquela didática. A lei foi dada para o judeu como serva do homem, a fim de conduzi-lo à fé no metafísico, no extracorpóreo.
Por isso, o mestre dos gentios afirma que mesmo se ele ou outro apóstolo – falando do âmbito terrestre - trouxesse uma mensagem diferente daquela já anunciada, fosse considerada anátema1. Mesmo que o mensageiro viesse do céu – supostamente do âmbito celeste - tal mensagem deveria ser rechaçada, posto que espúria ante a pregação definitiva da graça de Deus exposta de antemão por ele.

No versículo 8 a argumentação é tecida com relação a qualquer adição feita ao Evangelho, por isso o uso do “além”, significando Evangelho + obras da lei, ou qualquer tipo de ênfase ao mérito como justificador do homem com relação ao alcance da salvação e/ou os dons de Deus, os quais indubitavelmente transtornam o Evangelho de Cristo, transformando-o em um simulacro, em um arremedo do Evangelho. 

Por conseguinte, o versículo 9 apresenta o outro lado da moeda. A atenção aqui não é com relação ao que foi ensinado e sim no que fora “recebido” pelos gálatas. Tem muito líder religioso usando esses versículos para conduzirem pessoas cativas aos seus projetos megalômanos e avaros.

A fala Paulina ao contrário, percorre o caminho da graça de Deus, o que foi ensinado aos gálatas é que nada dependia deles no que concernia a salvação e aos dons de Deus, tudo era (e é) recebido pela graça mediante a fé em Cristo.

O que pode e deve ser aplicado aos nossos dias, é a exortação de Paulo a que permaneçamos ancorados na fé do filho de Deus; que a salvação por nossas próprias forças e esforços, simplesmente nos empurram para longe do Evangelho de Cristo, anatematizando a nossa fé, transformando em pseudo – evangelho, o que nos foi dado para vida.

Lancemos fora toda obra meritória, tudo o que porventura seja glória para nós diante de de Deus. Contentemo-nos em crer no ato salvífico de Jesus de Nazaré: Em sua vida, morte e ressurreição por nós. Nada há mais para se fazer.

Soli Deo gloria,

Wanderley Nunes

1 Palavra grega que significa ‘coisa exaltada’ dentro de um templo – por exemplo, como oferta de voto a um ídolo. (Assim, em Lc 21.5.) Na versão dos LXX o termo é aplicado aos animais que, oferecidos a Deus, deviam ser mortos (Lv 27.28, 29): daqui vem o sentido genérico ‘condenado’, amaldiçoado (Js 6.17 – 7.12). Com esta significação se encontra o termo grego em 1 Co 16.22 – Rm 9.3 – 1 Co 12.3 e Gl 1.8,9. Em At 23.14 está a palavra empregada no sentido de ‘maldição’.