quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

O que nos frustra? (O sofrimento internalizado)



O que na verdade nos embaraça é a nossa cosmovisão, nossas esperanças e sonhos, os quais na verdade são episódios subjetivos e não fatos concretos. Decepcionamo-nos com nossas perspectivas mais do que com o fato em si, as vezes, nem fatos há, e sim sonhos, delírios de um ego que anela o inatingível, o inexistente.

Assim, concluímos que o sofrimento é gerado muito mais a partir das nossas internalizações do que de eventos exteriores a nós. Quando nos decepcionamos, nos frustramos, na verdade estamos nos decepcionando e frustrando, não com a pessoa ou situação que nos proporciona sentimentos dolorosos, e sim com a nossa perspectiva equivocada com relação a pessoas, situações e fatos.

É temerário basear a felicidade em bens materiais, conquistas das mais diversas ou em pessoas. Calligaris, Doutor em psicologia, fala de “conceito de bem estar”, em lugar do termo felicidade. Para ele, nenhum desejo satisfaz o homem plenamente, embora, de forma errônea, achemos que a felicidade esteja na consecução dos nossos sonhos e desejos mais íntimos.

Bem antes de Calligaris, o livro de Eclesiastes já apontava para o engano de se procurar a felicidade em coisas externas a nós.

Resolvi no meu coração dar-me ao vinho, regendo-me, contudo, pela sabedoria, e entregar-me à loucura, até ver o que melhor seria que fizessem os filhos dos homens debaixo do céu, durante os poucos dias da sua vida. Empreendi grandes obras; edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas.
Fiz jardins e pomares para mim e nestes plantei árvores frutíferas de toda espécie. Fiz para mim açudes, para regar com eles o bosque em que reverdeciam as árvores. Comprei servos e servas e tive servos nascidos em casa; também possuí bois e ovelhas, mais do que possuíram todos os que antes de mim viveram em Jerusalém.
Amontoei também para mim prata e ouro e tesouros de reis e de províncias; provi-me de cantores e cantoras e das delícias dos filhos dos homens: mulheres e mulheres. Engrandeci-me e sobrepujei a todos os que viveram antes de mim em Jerusalém; perseverou também comigo a minha sabedoria.
Tudo quanto desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem privei o coração de alegria alguma, pois eu me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso era a recompensa de todas elas. Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que eu, com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol. [1]

O que Calligaris diz é similar ao que é relatado em Eclesiastes. O desejo realizado perde o sentido. As vezes, se deseja muito um bem, uma viagem, um homem, uma mulher, ou qualquer outra coisa. A concretude desses sonhos, em si mesmos, não tem condição de proporcionar a felicidade, na verdade, são instrumentos ilusórios dessa busca.

Do mesmo modo, como o empreendedor registrado em Eclesiastes reagiu ao chegar na conquista daquilo que desejava, assim agimos com as nossas realizações. Ao realizar ou conquistar algo, segue-se a euforia, logo depois o tédio, para então, a busca do próximo feito.

É muito importante ter uma definição de quem somos, onde queremos chegar e quem são aqueles que nos rodeiam. Nunca esperando demais do outro, pois quem espera muito do outro, tem geralmente muito pouco em si. Então, simplesmente viva, ame, compreenda se possível, perdoe se puder, chore quando necessário, divirta-se sempre, sorria para o mundo. Seja você mesmo, mas não esqueça de ser… humano. 


Wanderley Nunes


[1] Eclesiastes 2.3-11

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

A necessidade de discernimento

Um dos grandes problemas da interpretação Bíblica, é a dificuldade de se entender o escrito profético como crença no realizado na dimensão do eterno, e o seu desfrute completo, quando tal dimensão se instalar em definitivo.

 Essa é a tensão entre o que já possuo de direito em Cristo, porém ainda não tenho concretizado de fato na dimensão física.

Podemos exemplificar de modo mais claro com a seguinte pergunta: Quando você se rende a Jesus, o Evangelho lhe assegura salvação não é? : “Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida”1. Mas nesse momento você tem seu corpo transformado e entra na eternidade? Claro que não!

Você já possui, apenas não desfruta agora. Um grande exemplo disso encontramos no episódio dos homens que foram comissionados por Moisés para espiar a terra prometida. Por promessa de Deus aquela terra já lhes pertencia, entretanto, eles ainda não estavam morando nela. Os espias, em número de 12, cada um representando uma tribo, trariam amostras de que a terra existia, não só para testemunhar sua ida lá, mas para provar também a veracidade de tudo que fora dito.

Disse o SENHOR a Moisés:
Envia homens que espiem a terra de Canaã, que eu hei de dar aos filhos de Israel; de cada tribo de seus pais enviareis um homem, sendo cada qual príncipe entre eles. […] Depois, vieram até ao vale de Escol e dali cortaram um ramo de vide com um cacho de uvas, o qual trouxeram dois homens numa vara, como também romãs e figos.
Esse lugar se chamou o vale de Escol, por causa do cacho que ali cortaram os filhos de Israel.
Ao cabo de quarenta dias, voltaram de espiar a terra,
Caminharam e vieram a Moisés, e a Arão, e a toda a congregação dos filhos de Israel no deserto de Parã, a Cades; deram-lhes conta, a eles e a toda a congregação, e mostraram-lhes o fruto da terra.
Relataram a Moisés e disseram: Fomos à terra a que nos enviaste; e, verdadeiramente, mana leite e mel; este é o fruto dela.2

Observe, “fomos à terra”, se foram lá, então a terra existia. Como provar para o povo que não havia tido a mesma oportunidade? Através da palavra (o testemunho) e dos frutos da terra (o sinal).
A palavra apontava para a terra da promissão, o fruto corroborava e autenticava a promessa. Agora temos a pergunta: Os frutos eram a terra? De modo algum, mas eram uma pequena demonstração da sua existência inconteste.

Do mesmo modo, Paulo faz uma alusão ao Espírito de Deus como um selo (sinal) para aqueles que tem crido no Evangelho. O Espírito de Deus com todas as benesses que lhe são inerentes, constitui-se assim num penhor (garantia) de que Jesus transformará o nosso corpo mortal e corrupto, em um corpo imortal e incorruptível na sua vinda e no seu reino.

Em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória.3

Paulo explicita: Ao ouvir o Evangelho e crer nele, se recebe o Espírito de Deus como um selo de garantia da salvação. Logo, temos a salvação porque temos o Espírito, mas não temos ainda a imortalidade, a incorrupção, a nova terra, o novo céu… Embora tenhamos tudo isso garantido pelo selo do Espírito em nós, todavia, falta-nos a concretude, que se dará apenas no último dia.

Precisamos compreender a tensão existente entre o físico e o espiritual, entre o presente e o porvir, como diriam os velhos eruditos da fé: A tensão entre “o já, mas ainda não” do Evangelho.
Fui curado por Jesus, mas ainda adoeço, ele levou meus pecados, mas ainda peco, tenho vida eterna, mas ainda morro. Mas tenho a certeza do Evangelho que muito em breve não mais adoecerei, não mais pecarei, e não mais morrerei.

Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles.

E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras.
[…] Então, me mostrou o rio da água da vida, brilhante como cristal, que sai do trono de Deus e do Cordeiro.
No meio da sua praça, de uma e outra margem do rio, está a árvore da vida, que produz doze frutos, dando o seu fruto de mês em mês, e as folhas da árvore são para a cura dos povos. Nunca mais haverá qualquer maldição.
Nela, estará o trono de Deus e do Cordeiro.
Os seus servos o servirão, contemplarão a sua face, e na sua fronte está o nome dele. Então, já não haverá noite, nem precisam eles de luz de candeia, nem da luz do sol, porque o Senhor Deus brilhará sobre eles, e reinarão pelos séculos dos séculos.4

Quando se consegue olhar a vida, tendo a alegria e leveza do evangelho, crendo que Deus pôs no homem - sobretudo no homem do evangelho - todas as possibilidades, não há razão para temor, aquele que crê está seguro. Pode encarar a vida, sabendo e provando do bem e do mal que lhe são inerentes, vivendo a liberdade do fardo leve e jugo suave de Cristo, que atrai, cativa e subjuga o homem com correntes e cadeias de amor.

Posto que em Cristo, o homem tem a possibilidade de ser ele mesmo e ser livre, livre das amarras da religião escravizante, livre dos dogmas petrificados, dos “irmãos” espias da liberdade alheia… Tendo a consciência de que é morada de Deus, possuidor de uma salvação que não perde e de uma unção que ninguém rouba.

Está portanto tal homem, livre de toda sorte de magias e inimigos invisíveis. Não há batalhas a serem travadas, a não ser consigo mesmo. Esse homem entretanto, pode se gloriar em Cristo, em quem todas as dificuldades e fraquezas humanas não possibilitam o afastamento do Reino de Deus.

Essa consciência, que só quem é do evangelho possui, é que tem o poder de constranger todo aquele que é objeto desse amor, tornando-o cativo a uma consciência do Espírito. Somos sim, livres de tudo, somos sim, cativos do amor salvífico do evangelho que nos alcançou, desfrutemos pois dele, sem culpa e sem medo.

Wanderley Nunes

1Jo.5.24
2Nm.13.1,2 e 23-27
3Ef. 1.13,14
4Ap. 21.1-5 ; 22.1-5

sábado, 28 de novembro de 2015

Os milagres e Is.53

A excessiva mistificação dos cultos modernos, sua ênfase em milagres, retrata claramente o nível precário de conhecimento Bíblico e histórico da grande massa de cristãos de todos os matizes.
A pregação que aponta para a histórica crença no porvir tem se perdido em meio ao discurso da satisfação imediata, do céu aqui na terra, perpassando de forma sutil a ideia de que a fé em Cristo leva a auferir lucros, a vida de quem crê é apresentada como transformada em um conto de fadas, e a terra em que vivem, em um paraíso edênico.
O insistente apelo ao sobrenatural e mistico, tem trazido um prejuízo muito grande a fé de muitos. Constantemente temos lidado com pessoas magoadas, feridas, decepcionadas com o evangelho que lhe foi apresentado e com o “seu deus”.
Um dos grandes sofismas apresentados por esse desevangelho é pregação da cura divina tendo como base o texto de Isaías 53.
Porque foi subindo como renovo perante ele e como raiz de uma terra seca; não tinha aparência nem formosura; olhamo-lo, mas nenhuma beleza havia que nos agradasse.
Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer; e, como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso.
Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido.
Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados.
Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas o SENHOR fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos.
Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca; como cordeiro foi levado ao matadouro; e, como ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu a boca.
Por juízo opressor foi arrebatado, e de sua linhagem, quem dela cogitou? Porquanto foi cortado da terra dos viventes; por causa da transgressão do meu povo, foi ele ferido.
A primeira avaliação a ser feita sobre esse texto, é que foi produzido em um meio judaico, sob uma cultura baseada na Torah, a qual denominamos comumente de pentateuco1. Pecar nesse âmbito era desobedecer a lei, consequentemente se receberia a pena devida.
O texto descreve alguém que viria sem o devido reconhecimento, quase que num ostracismo, para prover um escape com relação ao pecado, causa de todos os percalços de Israel sob a égide da lei.
Muito embora o versículo 4 diga que Ele levou sobre si as nossas enfermidades e dores (dos Judeus), é somente nessa parte do texto de Isaías 53 que a enfermidade e a dor aparecem sem estarem acompanhadas da sua causa (transgressão e iniquidade). No versículo seguinte há uma clara ligação do sacrifício do servo sofredor como pagamento da dívida do pecado de Israel.
Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados2.
Nesse versículo a ênfase é total sobre o pecado como motivo de todas as intempéries da nação Israelita, o servo sofredor aqui, sara do pecado. Parece uma interpretação inverossímil, mas vejamos o que o Novo Testamento nos diz sobre isso.
A interpretação de Pedro
Porquanto para isto mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos,
O qual não cometeu pecado, nem dolo algum se achou em sua boca;
Pois ele, quando ultrajado, não revidava com ultraje; quando maltratado, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga retamente,
Carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos para os pecados, vivamos para a justiça; por suas chagas, fostes sarados.
Porque estáveis desgarrados como ovelhas; agora, porém, vos convertestes ao Pastor e Bispo da vossa alma.3
Pedro ao tratar do evento salvífico, nem sequer menciona a ideia de uma cura divina a ser recebida no momento em que alguém se rende a Cristo. Sua interpretação é: Nossos pecados foram carregados por Jesus, em Cristo fomos curados de todos eles.
Pedro que curou pessoas no nome de Jesus, não deu importância supra a cura física, não a pôs em suas cartas em pé de igualdade com a cura da alma. Ele sabia que vivia a fé no amanhã, sua esperança, ou melhor, certeza de esperança, estava no grande dia do Senhor, onde os mortos ressuscitarão, todas as doenças e dores terão ido embora, no cumprimento literal da profecia de Isaías 53.
Wanderley Nunes
1Os cinco primeiros livros da Bíblia Cristã. Que para os judeus contém a revelação da vontade de Deus e sua lei.
2Isaías 53.5
3I Pe.2.21-25

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Comentário de Gálatas 1.10 – Agradando a homens ou a Deus?

Porventura, procuro eu, agora, o favor dos homens ou o de Deus? Ou procuro agradar a homens? Se agradasse ainda a homens, não seria servo de Cristo.

Paulo aqui se refere ao alvo da sua prédica: Falar da boa nova, tentar levar todo homem judeu ou gentio, ao evangelho. O intento Paulino era de fato cumprir esse propósito.

“…E toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo”1.

“…Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus”2.

“…Dirijo-me a vós outros, que sois gentios! Visto, pois, que eu sou apóstolo dos gentios, glorifico o meu ministério3.”

“…Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé”4.

O dilema dos Gálatas

O grande entrave nesse momento é que os gálatas estavam sofrendo sérios ataques dos discípulos de Jerusalém, que buscavam desacreditar Paulo e seus ensinos. Tudo indica, que uma das acusações era que ele escoimava os galacianos das práticas da lei, com o intuito de facilitar a entrada deles na fé do Evangelho.

Paulo por sua vez, argumenta de modo incisivo que ao contrário do que se falava, ele seria a última pessoa que deveria ser acusada de transigir com o Evangelho de Cristo, visto que, antes de optar por seguir a Jesus, fora um dos maiores inimigos da Eclésia nascente.

Como bom fariseu, não aceitava de modo algum, a mínima comunhão entre evangelho e lei, pois a lei de Moisés fala de vida pelo cumprimento dos seus preceitos5, o Evangelho por outro lado, apresenta a vida eterna adquirida pela graça mediante a fé6. Logo, não há comunhão alguma entre lei e Evangelho, eles são antagônicos.

“Os irmãos” de Jerusalém, estavam tentando instruir os gálatas a entrarem no caminho do Evangelho pelas vias da lei, para Paulo, isso era inaceitável.

Se como judeu nunca aceitou isso, muito menos agora conhecendo a graça salvífica do Evangelho de Jesus Cristo.

Por esse motivo, ele argumenta, que se fora o seu propósito isentar-se e/ou até evitar o sofrimento, o vitupério de Cristo, sem dúvida teria continuado sendo um austero judeu, fariseu, guardador empedernido da lei Mosaica, o que lhe proporcionaria reconhecimento e status inerentes ao seu posto.

Quem de fato estava querendo se isentar do vitupério da cruz, e isentar os gálatas, não era Paulo, mas os de Jerusalém. Na mesma carta o apóstolo expõe o estratagema dos legalistas.

Eu, porém, irmãos, se ainda prego a circuncisão, por que continuo sendo perseguido? Logo, está desfeito o escândalo da cruz7“.

Todos os que querem ostentar-se na carne, esses vos constrangem a vos circuncidardes, somente para não serem perseguidos por causa da cruz de Cristo.

Pois nem mesmo aqueles que se deixam circuncidar guardam a lei; antes, querem que vos circuncideis, para se gloriarem na vossa carne”8.

Quem estava fazendo isso, Paulo ou “os irmãos” de Jerusalém? No Evangelho anunciado por Paulo, não havia espaço para glória e ostentação humanas, culto do ego, show gospel, encontros com Deus antecipadamente marcados, culto dos empresários, orações cujo o único intuito é se dar bem… Evangelho é cruz, é fé na obra absoluta de Deus, levada a cabo no Gólgota.

O Evangelho nos leva a vivermos por fé, esperando o porvir. Enfrentando os sucessos e fracassos que sem dúvida nos sobrevirão, porém, sempre com os olhos fitos no amanhã, no raiar do novo dia que trará novos céus e nova terra.

Se olharmos para a vida presente com o olhar futurista da fé, pouco ou nenhum espaço haverá para decepções com Deus, para um “evangelho mercadológico”, psicodélico, fruto de mentes paranoicas e megalomaníacas, cujo Deus é o “eu”, cuja efêmera glória serve somente para a confusão deles, pois só pensam nas coisas terrenas9. Evangelho é paz com Deus, paz consigo mesmo, paz que excede todo o entendimento e circunstâncias.

Wanderley Nunes

1II Co.10,5

2At.20.24

3Rm.11.13

4II Tm.4.7

5Lv.18.5

6Ef.2.8,9

7Gl.5.11

8Gl.6.12,13.

9Fp.3.19

terça-feira, 21 de julho de 2015

Comentário de Gálatas 1:8,9 - Além do Evangelho

Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema. Assim, como já dissemos, e agora repito, se alguém vos prega evangelho que vá além daquele que recebestes, seja anátema.

Depois de afirmar que só há um Evangelho(V.7), e que descaracterizar a graça é subvertê-lo, adulterá-lo, Paulo reitera aos gálatas sua inexorável crença de que Evangelho, era aquele que havia anunciado a eles.
Lembremo-nos de que na carta aos Gálatas ele não fala de “verdadeiro Evangelho”; há para ele apenas “O Evangelho”, os demais são meras maquiagens, plágios baratos, verdadeiras aberrações.
O Evangelho anunciado pelo doutor dos gentios estava plenamente ancorado no Jesus ressuscitado, aquele que nasceu e viveu como cidadão judeu, mas ressurgiu como salvador do mundo. Nele as barreiras étnicas e culturais são vencidas em nome do bem maior: O amor desmedido de Deus.
As discussões religiosas e suas práticas, ainda que baseadas em boa vontade, nada dizem a respeito de Jesus, embora usem seu nome. A tomada de posição Paulina não se fundamentou em uma intriga de devotos, mas em sua percepção da transcendência do Jesus ressuscitado.
Enquanto o judaísmo estava envolto em sombras ritualísticas e exigências cultuais, o Jesus ressuscitado, apresentado por Paulo, era totalmente livre e descomprometido desses meandros, sendo ele a realidade e o alvo daquela didática. A lei foi dada para o judeu como serva do homem, a fim de conduzi-lo à fé no metafísico, no extracorpóreo.
Por isso, o mestre dos gentios afirma que mesmo se ele ou outro apóstolo – falando do âmbito terrestre - trouxesse uma mensagem diferente daquela já anunciada, fosse considerada anátema1. Mesmo que o mensageiro viesse do céu – supostamente do âmbito celeste - tal mensagem deveria ser rechaçada, posto que espúria ante a pregação definitiva da graça de Deus exposta de antemão por ele.

No versículo 8 a argumentação é tecida com relação a qualquer adição feita ao Evangelho, por isso o uso do “além”, significando Evangelho + obras da lei, ou qualquer tipo de ênfase ao mérito como justificador do homem com relação ao alcance da salvação e/ou os dons de Deus, os quais indubitavelmente transtornam o Evangelho de Cristo, transformando-o em um simulacro, em um arremedo do Evangelho. 

Por conseguinte, o versículo 9 apresenta o outro lado da moeda. A atenção aqui não é com relação ao que foi ensinado e sim no que fora “recebido” pelos gálatas. Tem muito líder religioso usando esses versículos para conduzirem pessoas cativas aos seus projetos megalômanos e avaros.

A fala Paulina ao contrário, percorre o caminho da graça de Deus, o que foi ensinado aos gálatas é que nada dependia deles no que concernia a salvação e aos dons de Deus, tudo era (e é) recebido pela graça mediante a fé em Cristo.

O que pode e deve ser aplicado aos nossos dias, é a exortação de Paulo a que permaneçamos ancorados na fé do filho de Deus; que a salvação por nossas próprias forças e esforços, simplesmente nos empurram para longe do Evangelho de Cristo, anatematizando a nossa fé, transformando em pseudo – evangelho, o que nos foi dado para vida.

Lancemos fora toda obra meritória, tudo o que porventura seja glória para nós diante de de Deus. Contentemo-nos em crer no ato salvífico de Jesus de Nazaré: Em sua vida, morte e ressurreição por nós. Nada há mais para se fazer.

Soli Deo gloria,

Wanderley Nunes

1 Palavra grega que significa ‘coisa exaltada’ dentro de um templo – por exemplo, como oferta de voto a um ídolo. (Assim, em Lc 21.5.) Na versão dos LXX o termo é aplicado aos animais que, oferecidos a Deus, deviam ser mortos (Lv 27.28, 29): daqui vem o sentido genérico ‘condenado’, amaldiçoado (Js 6.17 – 7.12). Com esta significação se encontra o termo grego em 1 Co 16.22 – Rm 9.3 – 1 Co 12.3 e Gl 1.8,9. Em At 23.14 está a palavra empregada no sentido de ‘maldição’.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Comentário de Gálatas 1. 6,7: Evangelho Pervertido

Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho, o qual não é outro, senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho de Cristo.
Paulo está espantado com a volatilidade dos Gálatas; como mudaram de opinião tão rapidamente! O ser humano parece sempre inclinado ao mundo da fantasia, sobretudo, se tais devaneios o puserem, ainda que utopicamente, em uma posição privilegiada, segundo sua mente psicótica delirante, pois como bem diz o antigo provérbio popular: “De médico e louco, todo mundo tem um pouco”.
Admira-me que estejais passando tão depressa...”.
Parece ser tão mais fácil abandonar a fé simples, a fé no invisível, no abstrato, para apegar-se ao visível, ao tangível, ao palpável; onde o que fala mais alto são os sentidos. Parece mais fácil crer no que se pode fazer, do que crer no “já está feito” do Evangelho da graça de Deus.
Ao contrário do que se imagina, “o fazer” humano para a justificação, para sua aceitação diante de Deus, nada valem. Todo tipo de arrazoado, cujo fim é imputar justiça ao homem através de suas ações penitenciais, é antes de tudo, uma afronta a penitência única e substitutiva levada a cabo por Jesus de Nazaré.
Porque, se torno a edificar aquilo que destruí, a mim mesmo me constituo transgressor […] Não anulo a graça de Deus; pois, se a justiça é mediante a lei, segue-se que morreu Cristo em vão.1
Em outro lugar, quando Paulo fala sobre justificação pela fé, ele diz:
Que, pois, diremos ter alcançado Abraão, nosso pai segundo a carne?
Porque, se Abraão foi justificado por obras, tem de que se gloriar, porém não diante de Deus. Pois que diz a Escritura?
Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça. Ora, ao que trabalha, o salário não é considerado como favor, e sim como dívida. Mas, ao que não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça.
E é assim também que Davi declara ser bem-aventurado o homem a quem Deus atribui justiça, independentemente de obras.2
...daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho...”.
Paulo acusa os gálatas de apostasia. Eles, que haviam aprendido que a salvação era gratuita, um dom de Deus, agora estavam tentando comprar com suas obras aquilo que já haviam recebido pela simples pregação do Evangelho. O apóstolo afirma que eles estavam abandonando o próprio Deus, e muito rápido! O que viviam agora, definitivamente não era o Evangelho.
.... o qual não é outro, senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho de Cristo”.
Paulo corrige a própria fala quando diz que não há outro Evangelho. O que na verdade estava em curso, era uma tentativa desenfreada - daí a afirmação de que os gálatas estavam sendo perturbados pelos judaizantes - de perverter, de adulterar (é o significado mais correto aqui) o sentido do que seja Evangelho.
Estratagemas como esses, embora falem de Jesus, e supostamente façam chover sinais e milagres, de forma alguma deveriam ser chamados de Evangelho. Algo assim, é por si só, um acinte ao Evangelho de Jesus Cristo.
Wanderley Nunes.
1Gl.2.18 e 21
2Rm.4.1-6.
















quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Comentário de Gálatas 1.4,5: Segundo a vontade de Deus

O qual se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai, a quem seja glória pelos séculos dos séculos. Amém!

“O qual se entregou” (tomou nosso lugar). Paulo aponta para a graça revelada em Cristo morrer por nós. Jesus se entregou pelos nossos pecados. Não é salutar para quem quer que seja, desprezar a substituição efetivada por Cristo, de perdido pecador, o homem torna-se salvo e isento de toda culpa pelos méritos de Cristo.

Qualquer tentativa de buscar o favor de Deus através da sua própria indústria, redunda em uma negação, ainda que inconsciente, do demérito humano, pondo Cristo, sua vida, morte e ressurreição, como insuficientes para a justificação do pecador, constituindo-se tal ato, por si só, em uma afronta ao Evangelho da graça de Deus.

Foi contra essa subversão do Evangelho que Paulo se ergueu. Os Gálatas estavam agora tentando alcançar o favor de Deus depositando suas esperanças nos elementos tangíveis e transitórios, os quais os judaizantes inculcava-lhes, desprezando assim os ensinos libertadores do apóstolo dos gentios.

Hoje, quando observamos tudo o que a grande mídia propaga como Evangelho, não podemos fazer vista grossa às explícitas recomendações contidas na carta Galaciana, de modo a rejeitar os rudimentos do mundo: Dias de guarda, vigílias, jejuns, sacrifícios financeiros…

“Para nos desarraigar deste mundo perverso”, a versão Revista e corrigida diz: “Para nos livrar do presente século mau””. A ideia de Paulo é de querer demonstrar a efemeridade do mundo em que vivemos, por si só, a fraqueza do presente século deveria ser entendida como algo malévolo. Cristo morreu para arrancar o homem de tudo o que possa lhe prender a coisas passageiras em detrimento das eternas.

O pensamento Paulino não é demonizar a vida presente, todavia, patentear para sua audiência a inconsistência e vacuidade de uma vida cujo alvo consiste em viver como se o objetivo não fosse o eterno, ou como se o eterno nunca fosse chegar. É nesse mesmo sentido sua fala dirigida aos coríntios.

O tempo se abrevia; o que resta é que não só os casados sejam como se o não fossem; mas também os que choram, como se não chorassem; e os que se alegram, como se não se alegrassem; e os que compram, como se nada possuíssem; e os que se utilizam do mundo, como se dele não usassem; porque a aparência deste mundo passa (I Co.7.29 -31).

Pensar ou desejar uma vida dependente de Deus de forma apenas horizontalizada, é sintetizar o Evangelho de modo a descaracterizá-lo do transcendente, é erguer um ídolo cuja consistência é o pó que só alimenta a serpente.

“Segundo a vontade do nosso Deus e pai”. Sendo a vontade de Deus o desapegarmos cada vez mais da atual dimensão, posto que, se assim não fora, absorveríamos as volubilidades da vida como consequência do nosso envolvimento e paixão com o fugaz presente século.

Em lugar de produzir uma frustração mórbida, tal contexto deveria despertar em nós o anseio de viver uma vida intensamente e em toda a plenitude, todavia, com a certeza que toda essa completude e intensidade sempre será absorvida pelo eterno. A vontade de Deus, é que vivamos o hoje com os olhos e o coração no amanhã.

“A quem seja glória pelos séculos dos séculos. Amém!” Esse é o alvo do Evangelho e de todo aquele que nele crê: A Glória de Deus. Se há grupos que vivem um pseudoevangelho, voltado e devotado exclusivamente para seus interesses meramente materialistas, conclui-se então que o reino deles é terreno, o deus deles é o seu ventre, e sua glória constitui-se apenas em uma quimera.

“si in hac vita tantum in Christo sperantes sumus miserabiliores sumus omnibus hominibus” ( I Co.15.19).

Wanderley Nunes.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Comentário de Gálatas 1.3: Graça e paz

E todos os irmãos meus companheiros, às igrejas da Galácia, graça a vós outros e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do [nosso] Senhor Jesus Cristo.

Paulo continua sua prédica discorrendo sobre o desejo de que os gálatas tivessem de fato, graça e paz. Quando fala: “da parte de Deus […] e do nosso Senhor Jesus Cristo”. Não está aludindo a dois Deuses, mas ao Deus todo poderoso que se declinou ao humano na pessoa de Jesus de Nazaré. O Espírito imortal, invisível, se corporificou a fim de submeter-se ao tempo, espaço, e as circunscrições próprias do mundo tangível e palpável da matéria.

A saudação em si, tem como objetivo apontar que Deus é pai, criador e mantenedor de tudo, e nos deu a graça de continuar sendo o nosso Senhor, mesmo em sua humanidade. Logo, a saudação faz referência clara a Deus, o Deus único crido pelos Judeus e inclusive por Paulo. Referenda também, a revelação deste Deus na figura de Jesus.

A expressão “graça”, na verdade, é a bondade retratada nos méritos de Cristo, que a conquistou para aquele que crê nele. De modo bem explícito: O favor (o ato salvífico) imerecido (ao homem) lhe é imputado (posto em conta) através da vida, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré.

Quando se crê em Jesus como o Senhor da sua vida, dá-se o ato salvífico na dimensão humana. É como se Cristo tivesse vivido a vida, a morte e a ressurreição do pecador perdido e separado de Deus, tomando completamente o seu lugar. Toda a culpa é abarcada pela morte daquele que foi sacrificado desde a fundação do mundo - fora do concurso humano, mas manifesto ao seu tempo - incluindo em um só ato: Passado, presente e futuro.

O ato salvífico de Cristo é tão extraordinário, que extrapola as expectativas e perspectivas meramente humanas e racionais, cuja pequenez não consegue apreender e dimensionar de forma perfeita a transcendência Divina. Mas ao receber a “graça”, se abre o caminho para a “paz”, paz com Deus, paz consigo mesmo, paz que excede todo o entendimento.

Esse dom indescritível, simplesmente recebido é o que nos faz agradáveis eternamente diante de Deus.

Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo[…] Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores. Logo, muito mais agora, sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira. Porque, se nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida. ( Rm.1.1, 8-10).

Wanderley Nunes.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Antropomorfismo: A Palavra de Deus e a linguagem humana

ENTRADA FRANCA
LOCAL: CLUBE CIFAMM
Av. Independência, Final da Rua da Apeti
Entre Mário Covas (à 500m da Mário Covas) e Rod. Quarenta Horas
Ananindeua - PA

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sexta-feira, 17 de outubro de 2014

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Comentário de Gálatas 1.1: Apóstolo de Jesus Cristo.

Paulo, apóstolo, não da parte de homens, nem por intermédio de homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos.


Paulo começa sua carta evidenciando que seu apostolado não era fruto de uma vontade humana superior a sua. Não fora homem algum o responsável por seu comissionamento. Em um tempo em que todos buscam títulos e “nomes”, Paulo se arrisca a falar subjetivamente acerca de um chamado. “Sou apóstolo, Deus me confiou isso.” É mais ou menos esse o discurso dele. 

[…] “Nem por intermédio de homem algum”.

Temos aqui outra afirmação negativa quanto ao envolvimento de Paulo com um clérigo judeu ou cristão. Em síntese, ele diz: Sou apóstolo - alguém enviado com uma missão Divina, é isso que o termo significa, nada mais - não por ordem de ninguém, muito menos por intermédio de quem quer que seja.

Também não alude a uma nomeação presbiteral, episcopal ou pastoral1 comum2, se refere sim, a uma chamada feita diretamente por Deus. Um grande exemplo disso, é que todas as vezes que presbíteros foram convocados ao labor eclesial, esse comissionamento foi feito pela igreja.

Quando os apóstolos chegaram ao consenso de que havia a necessidade premente de substituir Judas, não tiveram dúvidas, deixaram a cargo do próprio Deus, usando o expediente judaico de lançar sortes3. Que fique claro, tal ato praticado por Pedro e os demais nunca mais seria repetido. Ademais, o próprio Paulo nunca faria menção a essa prática.

Paulo advoga uma experiência pessoal e um chamado especifico, similar, ou mesmo superior àqueles que conviveram com Jesus. O que acontece com o doutor dos gentios é algo inédito na história do apostolado, pois para ser admitido no corpo apostólico haviam algumas prerrogativas imprescindíveis: Ter andado com Jesus e ser testemunha ocular de sua ressurreição4, algo que faltava a Paulo.

Quando compreendemos o não credenciamento Paulino ao apostolado por via humana, esclarece-se sua autoafirmação: “Não da parte de homens, nem por intermédio de homem algum”.

Em Paulo fecha-se o ciclo apostólico como relatado no Novo Testamento. Embora possamos observar o vocábulo “apóstolo”, referindo-se a alguns companheiros mais tardios5, nunca porém, há uma citação dando a esses personagens a mesma importância e status dos chamados apóstolos de Jesus Cristo.

Algo que não deve passar despercebido, é que os apóstolos canônicos6 testemunharam a respeito de Paulo, e eles mesmos o acolheram no colegiado apostólico7. Logo, no sentido requerido por alguns: Apostolado similar ao dos apóstolos do Cordeiro, esse, não existe mais. Apóstolo hoje, e de uma forma mais ampla, é a Eclésia no seu labor evangelístico, e individualmente, os membros desse corpo que foram comissionados por Deus a levar a boa semente do evangelho.

Observando por esse prisma, não devemos acatar a ideia da autoproclamação apostólica de algumas mentes mórbidas, cuja única preocupação é receber os louros e o incensamento público, os quais, na verdade, não possuem direito e muito menos chancela bíblica ou histórica para isso, e mesmo que possuíssem qualquer prerrogativa que o indicasse, mais digno ainda seria o gesto de recusa de tal nominação, visto que todos os apóstolos do Cordeiro coroaram os seus serviços, ungidos pelo sangue do martírio saído das suas próprias veias.

Seriam tais “apóstolos”, apóstolos a esse ponto? Na carta aos Coríntios Paulo fala de como compreende a figura do enviado de Deus8. Ser apóstolo de Jesus cristo nunca foi nada glamoroso, ou algo que o mundo venha respeitar ou pôr como “cabeça”- como querem alguns incautos… E outros nem tanto assim! - Vejamos o que o próprio Paulo fala do seu apostolado canônico.

Porque a mim me parece que Deus nos pôs a nós, os apóstolos, em último lugar, como se fôssemos condenados à morte; porque nos tornamos espetáculo ao mundo, tanto a anjos, como a homens.
Nós somos loucos por causa de Cristo, e vós, sábios em Cristo; nós, fracos, e vós, fortes; vós, nobres, e nós desprezíveis. Até a presente hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa, e nos afadigamos, trabalhando com nossas próprias mãos. Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos; Quando caluniados, procuramos conciliação; até agora, temos chegado a ser considerados lixo do mundo, escória de todos9.”

Quando abraça a chamada apostólica, Paulo entende que haverá bônus, porém, têm a clara compreensão de que o ônus, embora efêmero, é intenso, árduo, e profundamente doloroso. Mesmo assim, e sob os auspícios do Evangelho que cria, segue sua trajetória que findará em seu suplício e morte por decapitação10. Não sem antes, amargar o abandono e o desprezo da maioria dos seus seguidores11.

Paulus, apostolus Christi Iesu.

Wanderley nunes.

1 Na verdade, sinônimos que apontam para aqueles que foram chamados pela igreja, conselho, ou colegiado, para atuarem tendo um reconhecimento formal das funções já exercidas: Pastor (cuidador e protetor), presbítero (irmão mais velho, mais experiente), bispo (epíscopo, que observa o rebanho, supervisor). Todos os labores citados são comuns aos três: O pastor cuida, protege, é alguém mais experiente, observa o rebanho, tendo uma visão mais ampla devido a sua experiência. Isso do mesmo modo se aplica ao presbítero e ao bispo.

2 Tt.1. 5; At.11 .23

3 At.1. 26

4 At.1. 21-25

5 Rm. 16.7

6 Apóstolos canônicos - Aqui é no sentido de que foram reconhecidos desde o princípio como originais, únicos, e pedras fundamentais para a eclésia em todos os tempos.

7 Gl. 2.7-9; II Pe.3.15,16.

8 É o significado da palavra apóstolo

9 I Co. 4.9-13.

10 II Tm.4.6.

11 II Tm. 4.10; 4.16.

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segunda-feira, 8 de setembro de 2014

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Manifesto irreligioso.


Defino religião, a despeito das suas diversas etimologias, como o enquadramento do Divino pelo humano, uma tentativa fracassada de possuir um Deus. Se há um Deus que pode ser possuído por um mortal e seguir os seus ditames e quereres, logo ele é um “deus”, e qual o gênio da lâmpada, possui um amo.

Para que esse deus sobreviva então, serão criadas ou emprestadas de outros sistemas de crenças algumas leis e normas, para que todos que queiram, possam entrar debaixo desse guarda-chuva. Também serão impostas muitas “verdades absolutas”, todos os fiéis, de forma unívoca terão que viver e morrer por isso. “Verdades”, que são apenas reverberações de psiques adoecidas em busca de autoafirmação.

O máximo que se conseguiu chegar palmilhando esse caminho foi à religião cristã de todas as vertentes, não importa, fomos enquadrados. Não temos mais vida própria, vivemos para “Jesus” de modo carola e fantasista.

O Jesus verbo de Deus é o caminho, não há intermediários, mas a religião cristã organizou um teatro cujos fantoches somos nós. Jesus se tornou secundário, “o caminho” é o sistema que fala em nome dele. Ouvimos que conhecendo a verdade em Cristo teríamos liberdade, o homem então inventou a igreja[1], engaiolou a fé, monopolizou a salvação e condenou os que ousaram pensar fora da caixa. 

Quando alguém vem para uma “igreja” pensando que encontrou Jesus – encontrou na verdade o Jesus religioso da igreja – aprende que precisa “ganhar almas” (inclusive as almas dos familiares), ou então manter distância dos que pensam diferente e podem “influenciá-lo a abandonar a fé, leia-se a igreja, já que para a instituição, os que te levam a refletir e racionalizar a fé são todos endemoniados. Desde então, instaura-se uma guerra nada santa, e em nome da religião, separam-se os maiores amigos.

Você não “pode” mais passar o natal com seus familiares, porque na festa haverá bebida, ou então, porque você não acredita mais no natal e o bom velhinho não passa de um demônio. Aí está então você só, acreditando que Jesus faz festa por causa da sua atitude “dignamente religiosa”.

Logo ele, que disse pra Zaqueu o publicano com fama de corrupto: Me convém dormir na tua casa; para sua geração: Não precisam de médicos senão os doentes, pois vim buscar e salvar maus e perdidos.

Que verdade escandalosa! Jesus não salva bons, perfeitos e impecáveis, eles tem a si mesmos como céu. Cristo é o Senhor dos fracos, débeis, depauperados… daqueles que compreendem que sua fortaleza consiste em reconhecer sua fraqueza.

O Jesus que creio e sigo, não é o Jesus dos quadros pintados pelos grandes artistas, muito menos o Jesus da religião cristã, sobretudo evangélica; a propósito, a muito deixou de ser do evangelho. O Jesus que creio não é dos templos, das catedrais, dos milagres com hora marcada. O Jesus que creio não possui beleza exterior, embora seja artífice de tudo que é belo. Esse Jesus que creio, sempre se preocupou com gente. Amou o pobre, banqueteou-se com os ricos, deu conselhos aos poderosos, alimentou multidões famintas…

O Jesus do evangelho continua escandalizando religiosos, pois religião é especialista em repressão, Jesus em celebração. O seu primeiro milagre foi socorrer um noivo na sua festa de casamento. Se Jesus fosse um crente industrializado pelo puritanismo tradicional, coitado do noivo! Mas ele era alguém que amava a vida. A água foi transformada em vinho (ninguém vai pra festa pra beber água), e a festa pôde continuar…

O Jesus do evangelho deixou claro que quem gosta de enquadramento, sistematizações e afins, não tem como receber a boa notícia. Veio João Batista, não comia carne, não bebia vinho (não ia pra festa…) vocês não o receberam. Vim eu, como carne, bebo vinho (vou e patrocino festas), e vocês dizem: Eis aí um homem comilão e beberrão, amigo de publicanos e pecadores.

Continua tudo do mesmo jeito… Por isso, abandonei a religião e deixei de ser crente. Não! Não fiz isso por que sou melhor de que eles (religiosos), talvez eu seja o pior de todos. Deixei por que sou humano demais para uma fé de super-homens e extraterrestres impingida pela religião cristã. Escolhi confiar no Deus que a Bíblia tenta explicar e os homens tentam entender, mas que está infinitamente além dos homens e da própria escritura.

A Bíblia no Antigo testamento conta histórias, traz predições, testemunhos do povo judeu e sua saga ao longo dos séculos. O Novo Testamento materializa e sintetiza tudo isso na pessoa de Jesus e transforma em algo que me diz respeito enquanto homem, todavia, os clericatos atualizaram eventos importantes em determinado período – os quais não mais seriam repetidos – em objeto de culto. Trocou-se o sentido pala forma, a adoração pela liturgia.

A grande mensagem do evangelho, não é o tanto que tenho que me esforçar para cumprir determinadas normatizações, o evangelho é a boa notícia: Deus me amou! O verbo aqui está no pretérito perfeito, embora o vernáculo seja diminuto demais para expressar o amor de Deus, lanço mão da forma presente e futura respectivamente: Deus me ama, Deus me amará. Poderia simplificar tudo isso com o gerúndio: Deus está me amando, forma verbal usada para falar de algo em processo contínuo, porém, você de forma arguta e lógica diria: Deus está me amando sim, desde quando?

A religião vai perguntar sobre o mérito e tua decisão de ser salvo – os calvinistas perguntarão pela eleição e continuarão na eterna discussão com os arminianos – Enfaticamente direi: Deus me amou, isto possui um “que” de eternidade. Quando não existia nem minha poeira cósmica Deus me amou, quando passei a existir no tempo e no espaço Deus me amou. Quando sorri, chorei, adoeci, fiquei curado, quando pequei!!! Deus me amou!

A religião cristã procura sempre pelo mérito ou demérito. Prefiro o Jesus do evangelho, que me amou independente do meu bem ou meu mal. Prefiro me reunir e está cercado de pessoas de carne e osso, que tem carências, frustrações, sonhos, realizações e admitem que eu possa ser alvo destas mesmas vicissitudes, sem por isso, deixar de me chamar de irmão.

Quero ter a graça de adoecer e não ser visitado por alguém que necessita mostrar a “igreja” que visitou um moribundo, na verdade, quero ter a graça de que quando desejar não ser importunado, tenha respeitado o meu momento, e assim sendo, continuar contando com a estima de todos.

Quero ter a graça de falar publicamente das minhas orações não respondidas, daquela dor que não passa, da tentação que não supero… 

Chega de mentira! Chega de ilusão! Chega de religião! Quero aprender a desfrutar do Jesus Senhor, que rasgou o véu do templo, inviabilizando o sacerdotalismo e o levitismo. Quero aprender a amar o Jesus Senhor que me ama para além da vida… Por fim, não quero me apegar tanto a esta vida a ponto de esquecer que Deus tem prazer na minha morte. Não porque seja sádico, e sim, porque é Deus. O humano aqui sou eu… E você!


W anderley Nunes.

[1] A comunidade de Cristo: Eclésia, nada tem a ver com a igreja institucionalizada de hoje.